Caso Americanas lança nuvem de descrença sobre o mercado de capitais brasileiro
Quando o dia 11 de janeiro começou, pouca gente imaginava que ao longo do dia uma notícia abalaria o mercado nacional. A Americanas, uma das maiores empresas do país, era manchete de quase todos os principais veículos de comunicação com o fato de que havia inconsistências contábeis que somavam assustadores R$ 20 bilhões. Prontamente, mídia e investidores passaram a especular qual seria o destino dessa gigante do varejo e a cada passo, mais dúvidas surgiam – e ainda surgem. Hoje, já é possível dizer que as dívidas somam R$ 43 bilhões declarados durante o seu pedido de recuperação judicial distribuído ontem na Justiça do Rio de Janeiro.
O que se sabe, muito graças ao que é veiculado na imprensa é que a denúncia de inconsistência foi feita por um colaborador, que sentiu confiança em dividir a questão com o então presidente-executivo, Sérgio Rial, que estava há apenas dez dias no cargo. Rial deixou o posto e as investigações seguem em curso, bem como a cobrança dos credores e a Recuperação Judicial recém solicitada.
Uma das consequências de tal fato é que foi aventada a hipótese de que o caso se trata, além de uma fraude contábil, de crime de “insider trandig”, que é quando há o uso de informações privilegiadas para obter vantagens no mercado financeiro. Isso porque, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou a acompanhar a movimentação na Bolsa de Valores das ações da companhia, detectou que diversos diretores e gerentes venderam suas ações antes da data em que o fato foi revelado, ou seja, há a desconfiança de que esses executivos obtiveram informações sobre o fato relevante antes da publicação – o que poderia ser configurado como um crime.
Caso seja comprovado o crime, seja de fraude contábil, seja de inside information, as punições podem ser de caráter administrativo, cível e penal. No plano administrativo, a Comissão de Valores Mobiliários pode impor penas em dinheiro e impossibilitar que o gestor acusado atue como administrador de empresas (conselheiro e/ou diretor) por anos, mas pode também o impedir de praticar atos de comércio de forma geral. Já no plano cível, os acionistas que se beneficiaram de qualquer informação privilegiada poderão ser obrigados a pagar multas que levarão em conta o valor do ganho obtido, além de serem proibidos de praticar atos de comércio e terem que indenizar o mercado pelo dano causado. Por fim, no âmbito penal, os acusados podem ser condenados judicialmente a penas que variam de um a cinco anos de reclusão e multa de três vezes o montante da vantagem ilícita obtida. As penalidades são cumulativas.
E vai muito além disso, pois os executivos podem ser processados, caso comprovada a sua participação por ação ou omissão, dolo ou culpa, tanto pela Companhia, quanto pelos acionistas, credores, fornecedores e empregados que forem de alguma forma lesados seja pela fraude contábil, seja pelo insider information portanto, um crime com graves consequências. Mas, até o momento, essas são ainda apenas especulações. Há ainda “muita água para rolar sob a ponte” da gigante varejista Americanas nesse sentido.
No momento o que temos como certeza é que foi solicitada Recuperação Judicial, uma “proteção”, prevista em lei, para evitar que os credores consigam exigir seus créditos, o que significa que a Companhia tem a chance de, por um período determinado, deixar de pagar suas obrigações, ganhando assim um fôlego maior para reestruturar suas operações. Agora, a Companhia tem seis meses para apresentar aos credores um plano de recuperação de seu negócio, prevendo a forma como vai pagá-los, o prazo e, eventualmente, algum desconto a ser aplicado. Além disso, nesse prazo a empresa deve explicar se vai vender ativos, achar novas linhas de crédito, aumentar seu capital social ou encontrar outra forma de levantar recursos.
Só então, caberá aos credores dizer em uma assembleia especialmente convocada para isso, se votam pela aprovação ou não desse plano, que poderá ser rejeitado, e aí a empresa ganha um novo prazo para refazer o plano ou sua falência será decretada.
Mas, recuperações, processos e investigações à parte, o que fica dessa história toda é que, mais uma vez, o mercado nacional em crise. Quando se cria uma descrença grande no mercado de capitais brasileiro e, principalmente, na governança corporativa das empresas, nos auditores externos e nos conselhos de administração, os investidores – principalmente os estrangeiros – passam a olhar com ainda mais cuidado para nós, e é um fato de que muitos ficarão ainda mais receosos em investir no Brasil. Com isso, para um país que segue em um movimento de recuperação da imagem junto aos investidores internacionais, esse processo pode trazer prejuízos muito maiores do que os R$ 43 bilhões da Americanas poderiam prever.
Agora, mais de uma quarta-feira depois daquele tão significativo dia 11 de janeiro de 2023, para nós brasileiros, o que resta é aguardar e acompanhar os desdobramentos, que podem ser bastante severos, de mais esse imbróglio que tem o Brasil como plano de fundo.
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