O custo da exclusão: como a ciência perde e a economia paga


No século XIX, Charles Darwin publicou A Origem das Espécies, revolucionando a biologia. O que poucos sabem é que suas correspondências revelam uma admiração contida por Mary Anning, paleontóloga autodidata cujas descobertas foram fundamentais para a teoria da evolução, mas que, por ser mulher e de origem humilde, jamais recebeu o reconhecimento devido em vida.
A história de Anning não é um caso isolado – é um padrão. Séculos se passaram, mas o desperdício de talento feminino na ciência e na inovação continua sendo um dos maiores entraves ao desenvolvimento econômico global.
A exclusão das mulheres da pesquisa científica e tecnológica não é apenas um problema ético, mas um erro estratégico de proporções bilionárias.
Segundo a OCDE, mulheres já representam mais de 50% dos graduados no ensino superior na maioria dos países, e, em alguns, como Brasil e Portugal, ultrapassam 55%. No entanto, essa paridade desaparece à medida que avançam na carreira. Apenas 39% dos pesquisadores brasileiros são mulheres.
Nos Estados Unidos, a situação é semelhante: mulheres representam 47% dos PhDs concedidos, mas menos de 30% dos professores titulares nas universidades. No setor privado, a disparidade se agrava ainda mais. Em 2021, apenas 13% das patentes registradas globalmente tinham uma mulher entre os inventores.
Esse desperdício tem um custo. Um estudo do Fórum Econômico Mundial estima que a igualdade de gênero na força de trabalho poderia adicionar até US$ 6 trilhões ao PIB global. No setor de inovação, um levantamento da consultoria McKinsey mostrou que empresas com maior diversidade de gênero são 25% mais lucrativas do que a média de seus concorrentes.
No entanto, se olharmos para os fundos de investimento em tecnologia, veremos que menos de 3% dos aportes globais vão para startups fundadas exclusivamente por mulheres. No Brasil, esse número cai para 1%, segundo um estudo do BID.
A questão não é falta de talento, mas a perpetuação de barreiras estruturais. No ambiente acadêmico, a precariedade da carreira científica impacta desproporcionalmente as mulheres.
Entre os doutores recém-formados, a proporção de homens que conseguem uma vaga estável em pesquisa é 20% maior do que a das mulheres. A maternidade é outro divisor de águas. Um estudo da Universidade de Princeton mostrou que, cinco anos após terem filhos, 43% das cientistas deixam a carreira acadêmica, enquanto o índice entre homens é de
apenas 23%.
Nos Estados Unidos, mães cientistas têm 35% menos chances de obter financiamento de pesquisa do que seus pares masculinos. Os países que entenderam essa dinâmica e implementaram políticas para corrigir essa exclusão já colhem benefícios.
Em Israel, por exemplo, a Autoridade de Inovação oferece subsídios de até 75% do valor do projeto para startups fundadas por mulheres, o que resultou em um aumento de 40% no número de empreendedoras no setor de tecnologia em apenas cinco anos.
Na Alemanha, universidades que adotaram medidas de suporte à maternidade e bolsas de permanência para pesquisadoras aumentaram a retenção de mulheres em mais de 30%.
Enquanto isso, no Brasil, as políticas ainda são tímidas. O programa Parent in Science tem tentado amenizar o impacto da maternidade na carreira acadêmica, mas sua abrangência é limitada. No setor privado, algumas iniciativas de diversidade foram adotadas, mas sem efeito sistêmico. O resultado é que o país continua desperdiçando talento e comprometendo sua competitividade em um mundo cada vez mais orientado pelo conhecimento.
A inovação não pode ser um clube exclusivo. Se o Brasil deseja se tornar um polo de desenvolvimento tecnológico, precisa corrigir esse desequilíbrio.
Criar incentivos para a permanência feminina na pesquisa, garantir maior acesso a financiamento para mulheres empreendedoras e estabelecer políticas de retenção no setor acadêmico não são favores, mas medidas necessárias para destravar crescimento econômico.
Os números falam por si: onde há diversidade, há inovação. E onde há inovação, há progresso. Deixar de lado metade do talento disponível não é uma questão de escolha – é um erro econômico que já nos custa caro. A questão é: até quando continuaremos pagando essa conta?