O seguro morreu de velho? Ou será que morrerá de frio ou calor extremo?


“Seguro morreu de velho” é um provérbio que tem sua origem na língua portuguesa, não se sabe ao certo se originou-se em Portugal ou no Brasil, mas o que se pode dizer é que era uma expressão recorrente na segunda metade do século passado e, ainda é citado de vez em quando, em algumas conversas entre amigos, família, ambiente de trabalho e, até mesmo, quando está sendo planejada uma viagem. A expressão quer dizer, basicamente que, “com sabedoria, toma-se precauções para evitar surpresas desagradáveis.”. Ou seja, significa que quem é precavido não morre antes do tempo, morre de velhice que é a forma mais longa de vida, não de um acidente qualquer.
Talvez não haja melhor momento para lembrarmos deste adágio. Com as mudanças e extremos climáticos, cada dia mais se torna fundamental, prevenir, assegurar contra os riscos cada dia mais presentes no dia a dia das pessoas em empresas, decorrente dos fenômenos naturais, infelizmente acelerados pelas mãos dos homens.
É bem verdade que existe um ramo importante da academia que defende que não há mudanças climáticas causadas pelo homem e que são sim decorrentes de eras glaciais os fenômenos atuais, mas o fato é que a ampla maioria dos cientistas hoje defende a tese que os extremos climáticos que vivemos hoje, com longas secas, enchentes avassaladoras, temperaturas extremas tanto de frio ou calor, tornados e furacões, dentre outros, são sim consequência das ações humanas. Segundo esta corrente, estas ações em resumo decorrem principalmente da degradação de rios, mares e florestas e pelo aumento desmedido da emissão de gases de efeito estufa (GHG) nas últimas décadas.
Para gerir esta situação, a literatura sugere três grandes ações: Adaptação (medidas de resiliência para se adaptar ao que já temos por ai e o que pode vir), Geoengenharia (novas tecnologias para controlar as emissões) e Mitigação (mediadas para evitar Carbono, emissões de GHG).
Neste cenário, após o protocolo de Kioto, todas as Cops têm advogado ações urgentes para redução dos gases de efeito estufa, numa metodologia conhecida pelo controle de carbono emitido na atmosfera. O mecanismo que se difundiu – Carbon Price – Preço do Carbono, trata-se basicamente de uma ferramenta de Mitigação que utiliza o sinal de preço do carbono para reduzir quantidade global de emissão, ao menor custo possível. São dois grandes modelos o de “Carbon Tax”( Tributo do Carbono) e o de “Cap and Trade”( um mecanismo de mercado com compra e venda de créditos de carbono). O Brasil na recente Lei (Lei 15.042/24), sancionada pelo Presidente Lula e publicada no DO de 12/12/24, que regulamenta o mercado de carbono adotou o modelo “Cap and Trade”. Um mercado aonde os que geram mais carbono poderão comprar “allowances”- permissões dos que produzem carbono ou que geram menos carbono nos seus processos produtivos. Trata-se de um modelo já amplamente difundido pelo mundo e que permitirá inclusive que países desenvolvidos, que geram muito mais GHGs na atmosfera, comprem créditos de carbono de produtores brasileiros (os que preservam florestas, os que despoluem rios, o que tem energia limpa, os que tem processos produtivos sustentáveis e por ai vai).
E os seguros? Bom, ai é que a nova Lei brasileira inova com sabedoria na nossa singela opinião. A Lei atual no seu artigo 56, determina que as sociedades seguradoras, as entidades abertas de previdência complementar, as sociedades de capitalização e os resseguradores locais deverão adquirir ativos ambientais para projetos de descarbonização correspondentes ao mínimo de 0,5% ao ano dos recursos de suas reservas técnicas e das provisões. Um valor que pode chegar a R$ 9bilhões anuais em compra de créditos de carbono pelas seguradoras. Por óbvio isto acarreta alguns desafios, devido ao aumento do custo de capital das empresas, mas o fato é conta vem chegando com ou sem esta obrigação, e arrisco dizer em percentuais muito mais alto para toda sociedade e para as empresas inclusive. Devido à importância deste tema, a FGV EAESP, realizará, no próximo dia 6 de fevereiro, seminário presencial intitulado “Mercado de Seguros no contexto da nova Lei de Carbono e Mudanças Climáticas (Lei 15.042/24)”. O evento tem como objetivo debater os principais desafios e oportunidades para a expansão do mercado de carbono, especialmente com investimentos das empresas do setor de seguros.
Por três principais razões diríamos que a previsão legal é positiva.
A uma porque os clientes hoje preferem companhias seguradoras que estão alinhadas com as políticas ESG e de sustentabilidade. Pesquisa de março de 2024 da NTT DATA, consultora global de negócios e tecnologia, “On The Path To Sustainability: The Insurance Industry’s Footprint”, sobre o setor dos seguros, explora a importância da sustentabilidade no setor dos seguros e destaca iniciativas em curso que aceleram mudanças positivas. O estudo reconhece que o momento atual é uma oportunidade para as seguradoras avançarem na sua jornada rumo à sustentabilidade. O setor dos seguros está a passar por uma transformação significativa ao adotar iniciativas verdes e ao priorizar a sustentabilidade. Ao inovar em produtos, implementar estratégias holísticas e realizar campanhas de sensibilização, as seguradoras estão a combater ativamente as alterações climáticas. Seguradoras que comprem carbono serão bem vistas por clientes que desejaram se reconectar com estas empresas.
A duas, porque a inovação pode melhorar muito o cenário de riscos e assimetria de informação. A Inteligência Artificial adaptativa, a indústria cloud e as atividades sustentáveis podem ser aproveitadas para revolucionar o modelo financeiro. Estas tecnologias podem gerar formas de receita para além dos negócios tradicionais ou rentabilizar diretamente dados no contexto de enquadramentos regulamentares. A Inteligência Artificial generativa, a conjugação de diferentes IA’s e a Hiperautomação estão criando capacidades de que as seguradoras precisam para melhorar a tomada de decisão humana. Neste contexto, a tecnologia também poderá aferir que atividade tem menor ou maior risco climático e a seguradora poderá melhor determinar o prêmio e inserir o valor de carbono que aquela especifica situação ou atividade segurada deverá pagar.
Mas o terceiro, e talvez, mais importante, seja o papel que as seguradoras passaram a ter no balanço geral de riscos que as mudanças climáticas trazem. Extremos climáticos têm tornado os sistemas mais vulneráveis. Jornais todo dia falam de Choques Climáticos. E sabemos o impacto maior tem sido sempre nos que estão na franja da sociedade, os mais pobres (tanto países subdesenvolvidos e quanto pessoas, em favelas e periferias). Os mais ricos, por certo, tem condições de contratar seguros, os mais pobres, não. Nada mais justo que seja imposto um preço para as seguradoras para que elas comprem carbono, e desta forma além de ajudarem asi próprias com redução de riscos no longo prazo, estão ao final ajudando os que mais sofrem com esta estratégia de mitigação climática. E que deve pagar o aumento de custo de capital da seguradoras? Os mais ricos que contratam seguros e terão estes preços repassados em suas apólices. É sim um instrumento de justiça social climática. Caminhou bem a novel legislação nacional . Afinal como nos ensina o adágio, queremos que o seguro morra de velho e não de frio ou calor extremo.