Um chamado a ESTHER-elização: uma perspectiva sobre a melhor palestra do SXSW

Sim, eu tive a oportunidade de assistir a melhor palestra do SXSW 2023, disparado. Vou te explicar o porquê.
Em 11 de março, assisti a palestra da Esther Perel. Foi uma palestra destaque, na sala principal, chamada: A outra IA (Inteligência Artificial): a ascensão da intimidade artificial e o que isso significa para "nós".
O talk era supostamente para falar sobre como estes últimos anos foram caracterizados por uma incerteza prolongada quando tratamos de nossa saúde, política, economia e muito mais.
Quem realmente podemos culpar pela evolução de nossas tecnologias cada vez mais preditivas? Sugestões intermináveis sobre o que comprar, quem namorar, o que escrever, onde procurar e o que ouvir a seguir fluem direto para nossas mãos - enganando-nos a pensar que temos controle sobre este mundo confuso e incognoscível. Ela discorre em sua conversa que o dilúvio de feeds perfeitamente selecionados para você não tem nos feito bem.
"O que isso está fazendo com nossos relacionamentos? Como nossas expectativas um do outro estão mudando? É possível que o “saber” tudo esteja nos deixando menos preparados para as incertezas e imperfeições intrínsecas à vida e ao amor." diz Esther, fazendo com que mais de 1500 pessoas se sintam em um divã coletivo e curiosamente conectado com ela.
Para mim, Esther Perel, que é psicoterapeuta, autora de best-seller do New York Times e reconhecida como uma das vozes mais perspicazes e originais da atualidade sobre relacionamentos modernos, simplesmente fez um chamado para a gente se "ESTHER-elizar".
Estamos o tempo todo olhando para o celular, desconectado a qualquer momento presente, fingindo que estamos ouvindo o outro. Quantas vezes alguém fala algo conosco e fingimos uma semi-atenção aquilo? E depois perguntamos, retoricamente: "Calma, o que foi que você disse mesmo? - fingindo que queremos aprofundar o entendimento, mas é por que simplesmente você não escutou a pergunta por causa de um post no Instagram.
Ela começa sua palestra dizendo que inventaram uma Inteligência Artifical da Esther, uma "Esther AI' que teria a capacidade de responder, de trazer a inteligência dos "CHATs GPTs" para o mundo da psicologia, psicoterapia e desdobramentos e soluções para os enigmas da vida humana.
Só que acontece que em sua visão isso não é possível. Para entender e poder orientar ou contribuir com um suporte, seja ele profissional ou amador, emocional ou mais racional, é preciso ter intimidade. E intimidade só vem através de conexão.
Em sua visão, a tecnologia que nunca te viu, não te conhece, ou tem respostas prontas para tudo, não seria capaz de atingir esse nível. E isso é um reflexo também de nosso comportamento evolutivo diante da tecnologia. Perseguir a certeza "preto no branco ' nos deixou inflexíveis e socialmente atrofiados. Como isso está afetando nossas parcerias, amizades e comunidades? Por mais que tentemos, não podemos otimizar a intimidade - ou podemos?
Em seu discurso, ela pediu para as pessoas se levantarem se a frase dela fosse verdadeira para você: Levante da sua cadeira, se você está em um relacionamento. Muita gente levantou. Levante da sua cadeira se você não está. Pouca gente levantou. Levante da sua cadeira se você está em um relacionamento e gostaria de não estar nesse relacionamento. Muita gente ficou de pé. Levante da sua cadeira, se você trabalha o dia todo na frente da tela, e quando chega em casa só tem energia para pedir comida e ficar na frente da televisão, vendo a tela do celular. A grande maioria ficou em pé.
Entre tantas outras coisas que ela disse, algumas chamaram a atenção.
"A sociedade está fazendo menos sexo", "É preciso enviar uma mensagem pelo celular ao seu companheiro(a) que está ao seu lado no mesmo sofá qu, dizendo que você sente falta de conversar de verdade"- diz Esther.
Quem estava lá como eu, talvez passou pela mesma montanha russa de sentimentos. Vontade de rir, de chorar, de refletir, de agir.
Para mim, o chamado a nos "Esther-elizarmos" dessa falta de intimidade, de conexão, foi muito maior que qualquer comparação da tecnologia IA contra o ser humano em tratamentos psicológicos. Foi um chamado humano, da volta a origem de nosso laço, da potência de ser o que somos.
A equação de todo futurista, e de toda palestra futurista ficou cristalina para mim. Eu preciso admitir que não sou fã da palavra futurista, mas que vê ou assiste conteúdos de futuristas, sempre acaba caindo que o único futuro que existe é aquele que imaginamos e que para criá-lo é preciso agir no presente.
A Esther Perel é diferente. Ela é uma "presentista". Ela fala do que o nosso futuro fez com o nosso presente, e como isso impacta nossos dias que ainda serão construídos.
Se nos faltar intimidade como seres humanos, nos faltará conexão, autonomia, liberdade de sermos quem somos. E estes são fatores fundamentais da inovação, da construção, do desenvolvimento da sociedade como um todo.
A palestra da Esther foi uma bola de cristal retórica, elegantemente crítica, assertivamente customizada. Ela faz ao contrário: ela te filma no passado recente, mostrando seu futuro ainda no presente.
E o chamado nos convida a começar com o básico: escutar genuinamente as pessoas, olhar no olho, não pegar o celular na mesa do jantar, se conectar com os acontecimentos e problemas dos outros, celebrar de verdade as pequenas coisas, ler as pequenas conquistas, entender, perceber, estar.
Se algum dia a tecnologia conseguir criar essa conexão e intimidade será por que nós nos conectamos antes. Perceberemos o invisível, tornaremos o tato humano também um produto escalável. Mas por enquanto, a intimidade não pode e não deveria ser artificial. E essa pandemia não precisa de vacina, a cura está em nós. A cura se chama "estar presente".
O chamado da Esther é para estarmos presentes e nos conectarmos mais a ponto de criarmos a poderosa intimidade.
Estar presente é o maior presente que podemos dar ao nosso futuro.
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