Modelo chinês de controle da pandemia atrai mais defensores

China ganha espaço em alguns países ao oferecer ajuda, enquanto os EUA seguem acusando Pequim de ser responsável pela pandemia

James Griffiths da CNN
Guardas com máscaras de proteção em Wuhan
Guardas com máscaras de proteção em Wuhan (20.abr.2020)  • Foto: Aly Song/Reuters
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No domingo, 26 de abril, Andrew Adonis, membro da Câmara dos Lordes do Reino Unido e ex-ministro, disparou contra a ideia de que a pandemia de coronavírus estava causando uma crise do capitalismo.

“Muitos comentários sobre 'como a COVID-19 vai mudar o mundo' dizem que essa é uma 'crise do capitalismo'. Errado", escreveu o político no Twitter. “É uma 'crise do comunismo'. Ela virou uma pandemia global provocada pelo regime comunista de Xi, na China".

Embora seja discutível como seja de fato a moderna China comunista, Adonis não está sozinho em sua queixa. Muitos políticos ocidentais, particularmente os da direita, culparam o governo e o sistema político da China por causar a atual crise global. Muitos continuam usando frases como "gripe da China" ou "vírus chinês”, “virus de Wuhan", apesar das advertências de que tais termos podem suscitar a hostilidade contra os asiáticos. Mesmo os críticos que tentam evitar rótulos étnicos falam do "vírus PCC” ou "gripe Xi", em homenagem ao partido no poder do país, o Partido Comunista da China (PCC), e seu líder, presidente Xi Jinping, respectivamente.

É certo dizer, portanto, que a marca China sofreu um impacto devido ao vírus. Segundo a Pew Research, a opinião dos norte-americanos sobre a China está no ponto mais baixo dos últimos 15 anos. A pesquisa mostrou que 62% dos entrevistados consideram o poder e a influência da China como uma "grande ameaça".

No entanto, para alguns, o modelo de Pequim não é assim tão ruim. Apesar de ter sido o local onde o vírus surgiu pela primeira vez, a China lidou com a pandemia bem melhor do que muitos outros países, embora esses países tivessem mais tempo e mais chances de se preparar para a doença.

A crise também destacou os benefícios de um governo forte e de um planejamento centralizado, ao mesmo tempo em que – apesar das alegações do parlamentar inglês Andrew Adonis em contrário – expôs as limitações da indústria privada para responder rapidamente à crise, principalmente na área da saúde.

Nos Estados Unidos, que muitas vezes são usados – para o bem ou para o mal – como exemplo por excelência de uma democracia ocidental, a alternativa ao modelo chinês parece meio caótica. Longe de ser forte, o governo norte-americano se viu brigando com autoridades oficiais, enfrentando acusações de furto de suprimentos médicos e pedidos crescentes de maior poder do estado. Enquanto isso, o presidente do país, Donald Trump, foi acusado de espalhar desinformação e incentivar protestos. Em entrevista à revista semanal alemã Der Spiegel no início deste mês, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, disse que o vírus expôs os problemas no coração dos modelos chinês e norte-americano. Questionado sobre qual deles era superior, Maas disse "nenhum dos dois".

“A China tomou algumas medidas muito autoritárias, enquanto nos EUA a importância do vírus foi minimizada por um longo tempo", opinou. “Existem dois extremos, nenhum dos quais pode ser um modelo para a Europa".

Nova diplomacia

Embora a Alemanha possa se dar ao luxo de seguir seu próprio caminho – e tenha tido sucesso ao lidar com o coronavírus –, outros países trataram a atual crise sob influência de um desses polos concorrentes, capitaneados por Pequim e Washington.

Certamente, os líderes da China e seu vasto aparato de propaganda não deixaram passar a oportunidade que isso representa. A mídia estatal chinesa vem destacando o combate desorganizado à pandemia em vários países, e elogiando a forma como o governo chinês tratou a crise, aumentando o poder e o apoio ao governo dentro do país – mas também apontando para aqueles que já são simpáticos à China e que poderiam se aproximar mais da sua esfera de influência.

À medida que os EUA olham cada vez mais para dentro (devido aos requisitos da crise e aos instintos de "Estados Unidos em primeiro lugar" de Trump), a China vem demonstrando a importância do "multilateralismo", fortalecendo o apoio a instituições globais e oferecendo assistência a quem precisa.

“As Nações Unidas completarão 75 anos este ano, e a COVID-19 está lembrando os países do valor contínuo e crescente do multilateralismo em um mundo intimamente conectado. Só conseguiremos parar a COVID-19 com solidariedade. Nenhum país pode fazer isso sozinho", disse o porta-voz do jornal China Daily, controlado pelo Partido Comunista, em editorial este mês.

Historicamente, essa defesa da cooperação internacional era oferecida pelos EUA. Mas, assim como a China assumiu o papel de defensor do livre comércio quando Trump recuou, ela também está tentando ocupar o espaço tradicional de Washington na ONU e em outros organismos multinacionais. Desde março, o líder chinês Xi recebeu mais de vinte telefonemas de outros líderes mundiais. Falando com Trump no mês passado, ele disse que "a comunidade internacional deve responder em conjunto para vencer esta batalha", segundo o comunicado oficial do governo em Pequim. No mês passado, o ministro das Relações Exteriores da União Europeia, Josep Borrell, disse que há uma "batalha global de narrativas" em andamento, na qual "a China está agressivamente transmitindo a mensagem de que, diferentemente dos EUA, é um parceiro responsável e confiável". Em parte, disse Borrell, isso se deve ao destaque de sua assistência a outros países, como o envio de suprimentos médicos e especialistas para ajudar na resposta ao coronavírus. A diplomacia do coronavírus está valendo a pena. Em um tweet (escrito em chinês) neste mês, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, elogiou o governo chinês por ter ajudado seu país, dizendo que o coronavírus estava "aprofundando a ampla parceria estratégica entre os dois países". O presidente da Sérvia, Aleksander Vucic, apareceu na emissora estatal chinesa CGTN beijando a bandeira do país enquanto cumprimentava uma equipe de apoio enviada por Pequim. “O povo sérvio nunca esquecerá essa gentileza. A China é uma velha amiga e continuará sendo por muitas gerações", declarou o presidente.

Não são apenas os aliados tradicionais de Pequim que expressam sua gratidão. Em declarações à imprensa italiana no final do mês passado, o ministro das Relações Exteriores do país, Luigi Di Maio, disse que a resposta ao coronavírus provava a boa saída de seu governo de assinar o acordo de comércio e infraestrutura de Xi. “Aqueles que nos ridicularizaram [na época da assinatura] agora devem admitir que investir nessa amizade nos permitiu salvar vidas na Itália", disse Di Maio, de acordo com o jornal La Stampa. A China tem gradualmente aumentado sua influência entre os estados membros da UE, particularmente os da Europa Oriental. Agora, como o bloco enfrenta as consequências do que parece ser uma resposta frustrada ao coronavírus, Beijing não vai querer perder outra oportunidade de ganhar amigos e favores.

Modelo chinês

A discussão sobre a influência da China geralmente se concentra na vasta economia do país, e certamente os laços comerciais foram úteis no passado para conquistar novos aliados. Mas este não é o único argumento de venda para os novos fãs de Pequim.

Assim como as crises em torno de notícias falsas e desinformação online tornaram mais fácil para a China pressionar seu modelo de soberania da internet – modelo que foi adotado com alegria por governos já interessados em censurar dissidências online –, a pandemia atual também ofereceu uma oportunidade e uma desculpa para implantar o tipo de poder autoritário exercido pelo governo chinês. No mês passado, o Conselho da Europa alertou que a Hungria (há muito tempo o membro menos democrático da UE) arriscou pôr em risco "democracia, Estado de Direito e direitos humanos" em sua resposta ao coronavírus. Estados do Oriente Médio usaram o vírus como uma oportunidade para aumentar a vigilância e o controle de suas populações, enquanto nas Filipinas um grupo de advogados alertou que os poderes de emergência concedidos ao presidente Rodrigo Duterte são "equivalentes à autocracia".

Mesmo assim, para aqueles que pressionam essas mudanças, a China pode ser vista como um forte argumento de que um estado com poder é o que é necessário para responder à pandemia. Independentemente das muitas críticas válidas de como Pequim lidou inicialmente com a crise, o governo parece ter sido capaz de controlar sua epidemia doméstica e de colocar a economia de volta aos trilhos melhor do que muitos outros países.

Enquanto isso, o governo dos EUA apresenta um contraste desconfortável, com um presidente pensando se a ingestão de desinfetantes poderia ser usada para tratar o vírus e incentivando os manifestantes a exigir o fim das medidas de quarentena.

Certamente, os EUA não são o único modelo de democracia, e o sistema norte-americano é de fato um pouco estranho quando comparado a grande parte do mundo desenvolvido. Nem outras democracias lutaram para lidar com o vírus da mesma maneira: muitos dos governos elogiados por suas soluções, como Taiwan, Nova Zelândia, Austrália, Coreia do Sul e Alemanha, são democracias. Como um governo usa o poder – e não como ele o possui em primeiro lugar – parece ser o fator dominante em uma resposta efetiva à epidemia.

Assim como a China "comunista" sempre foi um fantasma conveniente para aqueles que criticam as políticas de esquerda ou um governo forte no Ocidente, também os EUA "democráticos" são um argumento útil para os opositores ao liberalismo na China e em outros lugares.

A marca China pode estar sofrendo como resultado da pandemia, mas não é a única. Beijing também parece ter uma melhor avaliação do que a maioria de seus rivais quanto às oportunidades potenciais apresentadas pela crise atual – para emergir mais forte e influente do que nunca.