Análise: Acordo em Gaza sai quando parecia não ser possível; o que esperar?
Negociações mediadas pelos EUA resultam em acordo para libertação de reféns, marcando possível virada no conflito

Nota do editor: Brett McGurk é analista de Assuntos Globais da CNN. Ao longo de duas décadas, ocupou altos cargos na Casa Branca e no Departamento de Estado. Mais recentemente, liderou negociações para garantir a libertação de reféns e um cessar-fogo em Gaza, coordenando também a defesa de Israel contra ataques de mísseis e supervisionando todos os aspectos do engajamento dos EUA no Oriente Médio e Norte da África em momentos de crise e desafios agudos.
A notícia da conclusão do acordo para cessar-fogo na Faixa de Gaza traz esperança pela primeira vez em meses para as famílias dos reféns detidos pelo Hamas, israelenses com entes queridos que estão combatendo na linha de frente e palestinos em meio à destruição da guerra.
O acordo exige a libertação de todos os reféns, vivos e mortos, seguido de um longo processo que visa a recuperação de Gaza sem o controle do Hamas.
Então, o que devemos entender sobre este acordo e esperar para os próximos dias?
A arte do acordo
A diplomacia é uma tarefa solitária. O ex-senador George Mitchell, após negociar os Acordos da Sexta-feira Santa para encerrar o conflito na Irlanda do Norte, descreveu "700 dias de fracasso e um dia de sucesso".
Em minha experiência, isso é ainda mais verdadeiro quando a missão envolve negociações para libertar reféns e encerrar uma guerra regional que envolveu o Oriente Médio após a invasão do Hamas a Israel há dois longos anos.
Esta é uma das razões pelas quais o acordo alcançado sobre Gaza é um triunfo massivo e inequívoco.
Este ano começou com alguma esperança após o acordo para um plano em três fases para libertar reféns e, por fim, encerrar a guerra.
O plano, com apoio do governo de Donald Trump, foi um raro exemplo de cooperação entre os partidos Republicano e Democrata nos Estados Unidos.
Mas ele desmoronou em março, e os últimos seis meses foram alguns dos piores em toda a guerra.
Considere que até algumas semanas atrás não havia negociações em andamento. Israel havia acabado de lançar sua maior ofensiva da guerra, e o Catar havia abandonado seu papel de mediador após um ataque israelense em sua capital visando a liderança externa do Hamas.
França e Reino Unido buscaram suas próprias iniciativas para reconhecer um Estado palestino sem exigir nada do Hamas, dos palestinos ou dos israelenses.
O Hamas elogiou essa abordagem, enquanto muitos no Congresso dos EUA se mostraram a favor de uma legislação para cortar a ajuda militar a Israel.
Contra essa tendência, o governo Trump apresentou sua própria estrutura de acordo, que exigiu que o Hamas libertasse todos os reféns de uma só vez ou enfrentasse "aniquilação".
O plano, conforme anunciado anteriormente, exige que o grupo radical ceda o controle em Gaza em favor de uma força de segurança interina e desmobilize suas armas, e que Israel renuncie a qualquer reivindicação de anexar ou ocupar o território palestino.
Ele também indica um caminho baseado em condições para estabelecer um Estado palestino no futuro.

O presidente dos EUA e sua equipe conseguiram um apoio unânime dos Estados do Oriente Médio e de maioria muçulmana para este plano, ajudando a isolar ainda mais o Hamas, enquanto também pressionavam Israel a aceitar seus termos.
Trump chegou a ameaçar o Hamas novamente com aniquilação caso recusasse aceitar o plano. Então, pediu que Israel interrompesse os ataques após o grupo palestino responder com um sim ambíguo.
Foi uma boa diplomacia respaldada pela aplicação de poder, incentivos e prazos. E parece ter funcionado.
Sim, esta estrutura se baseia no que foi desenvolvido no governo de Joe Biden e pretendia ser a segunda fase do acordo de janeiro, mas é preciso dar crédito.
Trump e sua equipe, liderada por Steve Witkoff e Jared Kushner, superaram críticas para forjar um acordo que pode encerrar esta terrível guerra, junto com um caminho para uma paz mais duradoura. Isso por si só é uma conquista que merece ser celebrada.
Agora, o que devemos esperar nos próximos dias, e será que o plano pode funcionar como pretendido?
O Hamas continuará sendo o Hamas?
No acordo de janeiro, o Hamas emergiu de sua fortaleza subterrânea de túneis, um labirinto mais longo e extenso que o sistema de metrô de Manhattan.
Os combatentes apareceram vestidos com equipamentos militares completos, uniformes limpos, e uma demonstração de permanência como a única força de segurança em Gaza.
O grupo andou com reféns e carregou o caixão de um bebê israelense, provocando o país a reiniciar a guerra e abandonando qualquer perspectiva séria para uma segunda fase de cessar-fogo.

Desta vez, o acordo exige que o Hamas renuncie ao poder, e tais demonstrações grotescas e de força seriam uma clara violação do acordo.
Um primeiro sinal sobre se este acordo promissor pode levar a um novo começo para os moradores da Faixa de Gaza sem o Hamas é como o grupo administrará a libertação dos reféns.
Se for semelhante ao acordo de janeiro, será um mau sinal, e Israel pode ficar mais inclinado a retomar a guerra assim que seus reféns forem devolvidos.
Portanto, cabe aos países com influência sobre o Hamas, principalmente Catar, Egito e Turquia, garantir que a implementação ocorra tranquilamente, com entregas gerenciadas discretamente e supervisionadas pelo Comitê Internacional do CICV (Crescente Vermelho / Cruz Vermelha).
O Hamas e o que resta dele como organização militar precisa permanecer fora de vista se o objetivo é estabelecer condições para uma paz duradoura.

Haverá uma fase dois?
A fase dois deste novo acordo é basicamente tudo o que acontece após o Hamas ter devolvido os reféns em troca da libertação de prisioneiros palestinos.
O acordo prevê o estabelecimento de uma força de segurança interina e uma estrutura política provisória em Gaza.
Nada disso foi estabelecido ainda, e isso pode levar meses sem pressão e liderança constante dos Estados Unidos.
No governo Biden, o Comando Central dos EUA desenvolveu planos para uma força de segurança internacional interina dentro de Gaza. As forças americanas não estariam no território palestino, mas forneceriam apoio logístico e outras formas de suporte a partir do Egito e outros lugares.
É provável que esses planos estejam sendo reexaminados agora, e vários países já ofereceram forças para a estrutura de segurança interina.
No entanto, construir tal coalizão de segurança também leva tempo, e, durante esse período, o Hamas provavelmente tentará reafirmar sua autoridade, mesmo que silenciosamente, através da intimidação dos palestinos.
Portanto, é fundamental que os Estados Unidos ajam rapidamente para garantir compromissos de tropas e estabelecer a estrutura de comando e as regras de engajamento para esta fase interina. Não fazer isso pode desperdiçar a promessa do momento atual e aumentar os riscos de reacendimento da guerra.
Da mesma forma, a entidade política descrita no acordo precisa ser nomeada, e haverá debate e controvérsia sobre cada nome a ser incluído.
Mais uma vez, apenas os Estados Unidos podem impor disciplina e ajudar a estabelecer rapidamente essas estruturas.
Por fim, o plano prevê um programa de reconstrução apoiado e financiado internacionalmente. Isso também requer liderança. Felizmente, os EUA sabem como fazer isso.
Um exemplo é Mosul, a cidade iraquiana que foi quase destruída na batalha de um ano para expulsar o Estado Islâmico há dez anos. Lembro-me de estar em meio aos escombros logo após a batalha, questionando se a cidade poderia ser reconstruída ou sequer se recuperar.
Mas os EUA, por meio de uma coalizão global, reuniram a organização e os recursos para iniciar o processo e, agora, dez anos depois, até mesmo as mesquitas e igrejas históricas que foram destruídas na batalha foram restauradas.
O mesmo processo e mais será necessário para Gaza, e deve começar agora, junto com uma coalizão de países prontos para contribuir com recursos e experiência.
No momento, o crucial é colocar todos esses processos em movimento e não permitir que os sabotadores, incluindo os remanescentes do Hamas, se reconstituam e se recuperem.
Foco nas famílias
Como um dos negociadores dos únicos dois cessar-fogos anteriores da guerra de Gaza, conheci muitas das famílias dos reféns e compartilhei seu sofrimento e, em alguns casos, o luto por entes queridos perdidos para o Hamas.
Ao saber do acordo, essas famílias foram meu primeiro pensamento, e não parei de pensar nelas desde então.
Vinte famílias devem ser reunidas com entes queridos que sofreram por mais de dois anos nas condições mais horríveis imagináveis, no subsolo, acorrentados, sufocando, na escuridão.
Quase 30 outras serão reunidas com os restos mortais de seus entes queridos, aqueles mortos pelo Hamas no dia 7 de outubro e depois.
Essas famílias inocentes e os reféns que em breve retornarão para casa merecem admiração e apoio mesmo depois desta próxima semana.

Caminho para a paz?
É muito cedo para concluir que este acordo levará a uma paz mais duradoura. Muita coisa pode dar errado, e Israel terá eleições para um novo governo em algum momento do próximo ano, o que pode desviar o foco da diplomacia regional.
Mas o potencial agora existe. Em 7 de outubro, há dois anos, o Hamas pretendia reunir seus parceiros em uma guerra multifrente contra Israel
Por um tempo deu certo, mas esses parceiros – Irã, Hezbollah, Houthis, milícias iraquianas e o regime Assad na Síria – foram, um a um, derrotados ou significativamente enfraquecidos.
Sem dúvida, isso abre uma oportunidade histórica para uma paz mais ampla e integração no Oriente Médio, tema que será debatido nos próximos meses.
Mas por enquanto, vamos nos concentrar nesses primeiros passos hesitantes e celebrar as cenas de reféns saindo de Gaza – todos eles – junto com as imagens de palestinos celebrando o alívio da guerra iniciada pelo Hamas.
É um dia que muitos acreditavam que nunca chegaria e que foi alcançado pela antiga arte da diplomacia persistente.


