Análise: Voto nulo na Guatemala foi protesto contra o sistema, dizem especialistas; pode ocorrer no 2º turno?
Candidatos disputam Presidência do país neste domingo (20) representando ideia de continuidade do governo e mudança
Na Guatemala, o vencedor do primeiro turno eleitoral foi o voto nulo. Essa opção obteve mais votos do que qualquer uma das 20 chapas presidenciais apresentadas e obteve mais votos do que qualquer candidatura: foram 966,389 votos nulos (17,38%).
A insatisfação com o sistema político foi o grande tom do primeiro turno, segundo analistas ouvidos pela CNN.
Eles também apontaram o clima tenso na Guatemala antes do segundo turno, que será disputado no domingo (20) por Sandra Torres, candidata do partido de direita Unidade Nacional da Esperança (UNE) e a surpresa eleitoral deste ano (por não ter aparecido como favorito nas pesquisas), Bernardo Arévalo, do partido Semilla.
Antes do primeiro turno, em 25 de junho, ocorreu no país a suspensão de várias candidaturas presidenciais: as de Carlos Pineda, do partido Prosperidade Cidadã; a de Roberto Arzú, do Podemos; e o candidato à vice-presidência Jordan Rodas, do Movimento de Libertação dos Povos, que foi aposta da candidata Thelma Cabrera.
As suspensões levou esses líderes políticos a questionarem a transparência do processo eleitoral e defender o voto nulo.
“O voto nulo é um voto de protesto. O guatemalteco comum está chateado com a política da Guatemala”, disse à CNN Alberto Aragón, analista político da Aragón y Asociados, na Cidade da Guatemala, observando que, independentemente de os governos terem sido de esquerda ou de direita, nenhum deles “atendeu às necessidades dos povos”.
O voto nulo “é um voto de protesto contra o sistema, nem mesmo contra os candidatos, mas contra o próprio sistema”, acrescentou Aragón.
Considera-se voto nulo no país quando a cédula tem uma marcação que não define claramente o voto a candidato ou opção partidária.
Pode ser uma marca grande na cédula, marcando várias candidaturas, ou outra marca para vários candidatos ao mesmo tempo. Ou ainda se mensagens são escritas nas cédulas. O voto nulo não é o mesmo que voto em branco, que é quando se abstém de marcar a cédula.
A estratégia dos que promoveram o voto nulo foi conquistar maioria dos votos. É que, caso mais da metade dos votos fossem nulos, o Tribunal Supremo Eleitoral teria que fazer uma nova eleição.
“Tantos votos nulos foram em rejeição à manipulação do processo por parte do governo, que queria garantir um segundo turno entre concorrentes ‘confiáveis’, que dariam continuidade ao esquema de governo dominado pela corrupção e pela impunidade”, disse Manfredo Marroquín à CNN, analista político diretor da Ação Cidadã e representante da Transparência Internacional na Guatemala.
Desta vez, apesar de o voto nulo ter obtido 966.389 votos, ele representou apenas 17,38% dos votos. A candidata Sandra Torres (UNE) obteve 881.592 votos (15,86%) e o candidato Bernardo Arévalo 654.534 votos, 11,7%.
Como o nulo não obteve mais de 50%, haverá um segundo turno no dia 20 de agosto, mas, desta vez, espera-se que os votos nulos e em branco ocorram em menor quantidade do que no primeiro turno.
“Para o segundo turno, a expectativa é que o percentual de votos nulos e em branco seja drasticamente reduzido. Isso porque grande parte de quem votou nulo se identifica com o candidato Arévalo, que é percebido como um candidato fora do pacto de governantes corruptos” disse Marroquín.
VÍDEO – Ex-presidente da Guatemala é condenado por corrupção
Situação política tensa antes do segundo turno
A situação política antes do segundo turno na Guatemala foi repleta de ações judiciais, desrespeito ao tribunal e até mesmo uma clara violação de um mandato do Tribunal Constitucional pelo Ministério Público.
Em meados de julho, o Tribunal Constitucional da Guatemala pediu às autoridades eleitorais, ao Ministério Público e ao Judiciário que respeitassem o processo rumo ao segundo turno das eleições presidenciais.
O Tribunal disse, na época, que um amparo constitucional anulou a ordem da 7ª Vara Criminal, que havia ordenado ao Registro de Cidadãos do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) a suspensão da situação jurídica do partido Semilla por supostas irregularidades em seu registro. O partido negou.
Também em julho, o Ministério Público foi aos escritórios de Recursos Humanos do TSE em busca da ficha de emprego de Eleonora Castillo, subdiretora do Registro Cidadão que atua como diretora interina do TSE.
O mandado de prisão contra ela era por suposta obstrução da justiça, ao não efetivar a suspensão do partido Semilla, conforme confirmado pelo Ministério Público à CNN.
Os magistrados do Tribunal afirmaram em declaração que, uma vez que o despacho emitido pelo Tribunal está suspenso, todos os procedimentos subsequentes não devem produzir efeitos.
E, embora o Ministério Público tenha dito que não pretende impedir o segundo turno ou desqualificar nenhum candidato na disputa, a verdade é que persistem dúvidas quanto à legitimidade do processo.
Reta final
“Esta é uma eleição em que há muitas coisas em jogo”, disse à CNN Daniel Zovatto, diretor da Idea Internacional para a América Latina.
Zovatto concorda com outros analistas ouvidos pela CNN que a candidata Sandra Torres, que já disputou as eleições de 2015 e 2019 e não venceu, representaria a continuidade, enquanto Arévalo representaria a mudança.
“Arévalo é a figura de um antissistema tradicional como o entendemos, é um antissistema do sistema corrupto de impunidade que prevalece na Guatemala e que abre as portas para uma verdadeira mudança fundamental”, disse Zovatto à CNN.
“Aqui estão dois candidatos que estão propondo e querendo dizer coisas muito diferentes: Sandra Torres, na minha opinião, significaria a continuidade, talvez disfarçada, do pacto corrupto e da impunidade. Bernardo Arévalo implicaria a esperança de que a Guatemala retome o caminho da democracia e que acabe com essa situação mafiosa em que se encontra”, disse Zovatto.
A CNN entrou em contato com a campanha de Torres para comentar, mas não recebeu resposta.
“Apesar da redução de candidatos no segundo turno, de 20 chapas para apenas 2, a situação não é fácil para eles devido à ainda grande desconfiança em torno do processo eleitoral e da política guatemalteca”.
“Portanto, temos [candidatos] que tiveram uma votação muito fraca”, disse Aragón à CNN, observando que a vitória de um dos dois pode ocorrer “com apoio popular muito baixo para se sentir seguro como governante”.
*Publicado por Pedro Jordão, da CNN em São Paulo, com informações de Merlin Delcid y Carolina Melo, da CNN em Espanhol