Após maior desafio da carreira política, Erdogan deve endurecer regime
Vitória nas eleições após 20 anos no poder coloca o presidente do país em situação confortável para manter a repressão a opositores políticos; Kilicdaroglu, derrotado nas eleições, prevê dias difíceis para a oposição
O presidente Recep Tayyip Erdogan se consagrou no domingo (28) como vencedor das eleições presidenciais da Turquia, provando-se resiliente contra o bloco da oposição e levando seu governo para uma terceira década. Os resultados oficiais mostraram que Erdogan venceu com 52,1% dos votos, enquanto o líder da oposição Kemal Kilicdaroglu ficou com 47,9%.
Apesar do terremoto mortal meses atrás e de uma queda no valor da moeda local, a vitória de Erdogan mais uma vez mostrou a durabilidade do líder. Analistas acreditam que sua força está enraizada não apenas na maneira como ele consolidou o poder ao longo dos anos, mas também na lealdade duradoura da população turca.
“Considerando o desgaste que vem com 20 anos de poder, esta é uma conquista significativa, que expõe o fracasso do bloco de oposição”, disse Can Acun, pesquisador da Fundação para a Pesquisa Política, Econômica e Social (SETA, na sigla em turco), um think tank pró-governo sediado em Ancara.
Oposição fala de “dias difíceis pela frente”
Assim que os resultados preliminares apontaram a sua liderança no pleito, Erdogan já começou a celebrar o triunfo, o que levou Kilicdaroglu a advertir sobre “dias difíceis pela frente”.
Erdogan venceu “nem por vitória esmagadora, nem por margem estreita”, observou Soner Cagaptay, sócio sênior do Washington Institute for Near East Policy, o que provavelmente significa que deve manter tudo como está. No contexto turco, disse ele, isso indica que Erdogan deve intensificar suas políticas econômicas pouco ortodoxas e empreender uma repressão contínua à oposição, especialmente porque vai tentar recuperar a popularidade em Istambul e Ancara – as duas cidades mais populosas da Turquia nas quais perdeu para a oposição.
Murat Somer, professor de ciência política na Universidade Koc em Istambul, espera uma abordagem mais dura de Erdogan em relação à oposição e seus críticos. “É provável que ele prossiga com as políticas econômicas pouco ortodoxas que servem aos seus interesses”, opinou o professor. “Mas ele terá que combiná-las com algumas medidas ortodoxas para resolver a crise da moeda”, ressalvou.
O presidente turco já se autointitulou “inimigo das taxas de juros”, que seriam, na visão dele, a principal causa da inflação. Enquanto Erdogan celebrava a vitória no domingo (28), a lira turca atingiu a baixa recorde de US$ 20,05 (cerca de R$ 100), como informou a Reuters.
Somer também alertou para as consequências da vitória de Erdogan, dizendo que pode encorajar outros líderes mundiais a minar a democracia. “O autocrata populista que quebrou todas as regras e normas democráticas durante a campanha venceu a oposição que se uniu para reconstruir a democracia”, lamentou.
Korhan Kocak, professor assistente de ciência política na Universidade de Nova York em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, preocupa-se com os movimentos de Erdogan após a eleição. “Por mais de dez anos, ele deixou claro que tem um senso majoritário de democracia: aqueles que não pertencem, na sua opinião, à maioria ‘virtuosa’ não têm direito de falar nem de serem levados em conta”, disse Kocak à CNN.
Outros que estiveram na vanguarda das repressões políticas do presidente turco também manifestaram preocupação. Falando à CNN antes dos resultados das eleições, Ceylan Akca, uma parlamentar da cidade de Diyarbakir pelo Partido da Esquerda Verde – aliado do Partido Democrático dos Povos (HDP), pró-Curdo –, expressou medo com o que pode acontecer com a sua agremiação com a vitória de Erdogan. Ela acredita que, encorajado pelas urnas, é muito provável que Erdogan amplifique sua repressão ao HDP e a comunidade curda.
Ainda não se sabe como o presidente vai lidar com a oposição, mas Acun, o pesquisador da Fundação SETA, lembra que “Erdogan sempre foi um líder pragmático, que não age impulsionado pela vingança”. O presidente reeleito provavelmente se concentrará na economia, acrescentou, embora a luta contra o que ele chamou de terrorismo também “possa se intensificar”.
Polarização profunda
Analistas dizem que os resultados das eleições nas duas rodadas demonstram a crescente polarização do país. “A sociedade turca tem sido profundamente polarizada há pelo menos 40 anos, e cada vez mais”, pontuou Judd King, professor adjunto sênior da Universidade Americana em Washington. “O povo ultrassecularista nunca consideraria em suas vidas votar em Erdogan, mais do que os antissecularistas jamais votariam no partido secularista”.
Embora muitos dos críticos de Erdogan sejam prejudicados, outros não viram nenhuma opção viável além do presidente. Ao longo dos anos, Erdogan ganhou a lealdade dos conservadores do país, especialmente nos primeiros dias de seu governo, de acordo com King. A base de apoio do líder turco é diversa, disse ele, acrescentando que é amplamente simpática à religião, mas ideologicamente vai de nacionalistas a aqueles que se opõem ao secularismo. Muitos dos apoiadores de Erdogan ficaram satisfeitos com as suas ações iniciais, especialmente as que garantiram direitos religiosos à maioria muçulmana do país.
A Turquia que Erdogan herdou em 2003 defendia uma forma de secularismo que era mais rigorosa do que a da maioria dos estados ocidentais. O papel da religião em público foi minimizado, com o lenço islâmico para as mulheres proibido em universidades, instituições governamentais e parlamento. As mulheres muçulmanas que buscavam um ensino superior, portanto, tiveram que desistir do hijab ou ir para o exterior para frequentar a universidade.
Ao tomar o poder, Erdogan gradualmente tirou essas restrições. Embora não desafie o secularismo constitucionalmente consagrado no país, a religião começou a desempenhar um papel maior em público, bem como na sua própria retórica.
Os seus movimentos para uma aceitação oficial da religião foram vistos como uma restauração da dignidade dos conservadores da Turquia e lhe renderam uma grande base de apoio.
Para King, mesmo aqueles que não viram o apelo de Erdogan no início “acabaram valorizando-o”, pois ele ganhou lealdade com “anos e anos de prestação de todos esses serviços”.
Os resultados das eleições também podem ser um golpe para aliados ocidentais que esperavam que uma era pós-Erdogan trouxesse a Turquia de volta para seus aliados tradicionais no Ocidente, numa referência à amizade que Erdogan devota ao presidente russo Vladimir Putin.
O professor King disse que, apesar das suas divergências com o Ocidente, os recentes movimentos de política externa de Erdogan podem ter dado à Turquia uma espécie de independência que muitos dos seus apoiadores apreciam. “Esses eleitores reconheceram que o país estava atrasado por muito tempo e Erdogan mudou esse curso”.
Senor Cagaptay acredita ser improvável que a política externa de Erdogan mude. “A estratégia de Erdogan é investir no antagonismo entre Rússia e os EUA para conseguir o que ele quer”, pontuou.