Cápsula radioativa do tamanho de uma moeda está perdida na Austrália
O objeto mede cerca de 8 mm e contém Césio-137, o mesmo material radioativo responsável pela contaminação de centenas de pessoas em Goiânia, no Brasil, nos anos 80
É como procurar uma agulha no palheiro: uma cápsula de prata de 8 mm por 6 mm, menor que uma moeda, está perdida em algum lugar ao longo de uma vasta rodovia deserta no maior estado da Austrália.
A mineradora Rio Tinto emitiu um pedido de desculpas na segunda-feira (30) dizendo que estava dando apoio aos esforços do governo estadual para encontrar a cápsula, que contém Césio-137, uma substância altamente radioativa usada em equipamentos de mineração.
A Rio Tinto disse que verificou todas as estradas de entrada e saída da mina de Gudai-Darri, no remoto norte da Austrália Ocidental, onde o dispositivo foi localizado antes de um empreiteiro recolhê-lo para a viagem até a capital do estado, Perth.
As autoridades acreditam que a cápsula, que emite raios gama e beta, caiu da traseira do caminhão, que percorreu uma seção de 1.400 quilômetros da Great Northern Highway – uma distância maior que a costa da Califórnia.
Devido ao tamanho minúsculo da cápsula e às enormes distâncias envolvidas, as autoridades alertam que as chances de encontrá-la são pequenas.
E há temores de que ele já tenha sido levado para longe da zona de busca, criando um risco radioativo para a saúde de qualquer um que encontre o objeto nos próximos 300 anos.
Como desapareceu?
As autoridades estaduais deram o alerta na sexta-feira (27), alertando os moradores sobre a presença de um derramamento radioativo na faixa do sul do estado, inclusive nos subúrbios do nordeste da capital Perth, lar de cerca de 2 milhões de pessoas.
Segundo as autoridades, a cápsula foi colocada dentro de um pacote em 10 de janeiro e recolhida da mina Gudai-Darri, da Rio Tinto, por um empreiteiro em 12 de janeiro.
O veículo passou quatro dias na estrada e chegou a Perth no dia 16 de janeiro, mas só foi descarregado para inspeção no dia 25 de janeiro – data na qual a cápsula foi dada como desaparecida.
“Ao abrir a embalagem, constatou-se que o medidor estava quebrado, faltando um dos quatro parafusos de fixação e faltando também a própria fonte e todos os parafusos do medidor”, informou o Departamento de Bombeiros e Serviços de Emergência da Austrália.
Eles acreditam que as fortes vibrações do caminhão causadas por estradas esburacadas danificaram o pacote – desalojando um parafuso de montagem que o mantinha no lugar.
Qual o perigo?
Especialistas alertaram que o Césio-137 pode criar sérios problemas de saúde para os seres humanos que entram em contato com ele: queimaduras na pele por exposição próxima, doenças causadas pela radiação e riscos potencialmente fatais de câncer, especialmente para aqueles expostos inconscientemente por longos períodos de tempo.
A Radiation Services WA, uma empresa que fornece conselhos sobre proteção contra radiação, diz que ficar a menos de um metro da cápsula por uma hora forneceria cerca de 1,6 milisieverts (mSv), o equivalente a cerca de 17 radiografias de tórax padrão.
Pegar a cápsula causaria “danos graves” aos dedos e tecidos circundantes, disse a empresa em comunicado.
Ivan Kempson, professor associado de Biofísica da University of Southern Australia, disse que o pior cenário seria uma criança curiosa pegar a cápsula e colocá-la no bolso.
“Isso é raro, mas pode acontecer e já aconteceu antes”, disse Kempson. “Houve alguns exemplos anteriores de pessoas que encontraram coisas semelhantes e sofreram envenenamento por radiação, mas eram muito mais fortes do que a cápsula atual que está faltando”.
“Estamos todos expostos a um nível constante de radiação das coisas ao nosso redor e dos alimentos que comemos, mas a principal preocupação agora é o impacto potencial na saúde da pessoa que encontrar a cápsula”.
É normal “perder” material radioativo?
O incidente foi um choque para os especialistas, que disseram que o manuseio de materiais radioativos como o Césio-137 é altamente regulamentado com protocolos rígidos para seu transporte, armazenamento e descarte.
A Rio Tinto disse que transporta e armazena produtos perigosos regularmente como parte de seus negócios e contrata empreiteiros especializados para lidar com materiais radioativos. A minúscula cápsula fazia parte de um medidor de densidade usado na mina Gudai-Darri para medir a densidade do minério de ferro alimentado no circuito de britagem, informou a empresa em comunicado.
A Radiation Services WA diz que substâncias radioativas são transportadas por toda a Austrália Ocidental diariamente sem problemas. “Neste caso, parece haver uma falha das medidas de controle normalmente implementadas”, disse, acrescentando que nada teve a ver com a perda da cápsula.
Pradip Deb, professor e oficial de segurança contra radiação da RMIT University em Melbourne, disse que a perda da cápsula foi “muito incomum”, pois as regras de segurança australianas exigem que sejam transportadas em caixas altamente protetoras.
O nome da empresa de logística usada para transportar o dispositivo não foi divulgado, disse a Rio Tinto.
Como está a busca?
As autoridades estão tentando encontrar o dispositivo com equipamento especializado de detecção de radiação instalado em veículos que dirigem lentamente para cima e para baixo na rodovia em ambas as direções a 50 km/h.
“Levará aproximadamente cinco dias para percorrer a rota original”, disse o DFES em comunicado na segunda-feira.
Dale Bailey, professor de ciência de imagens médicas da Universidade de Sydney, disse que a velocidade lenta é necessária para dar ao equipamento tempo para detectar a radiação.
“Detectores de radiação em veículos em movimento podem ser usados para detectar radiação acima dos níveis naturais, mas a quantidade relativamente baixa de radiação na fonte significa que eles teriam que ‘varrer’ a área de forma relativamente lenta”, disse ele.
As autoridades alertaram o público a não ficar a menos de cinco metros do dispositivo, mas reconheceram que seria difícil vê-lo à distância.
“O que não estamos fazendo é tentar encontrar um pequeno dispositivo pela visão. Estamos usando detectores de radiação para localizar os raios gama”, disseram funcionários do DFES.
Mas há temores de que ela não esteja mais na zona de busca – as autoridades dizem que a cápsula pode ter se alojado no pneu de outro veículo, levando-a a uma distância maior, ou mesmo dispersada por animais selvagens, incluindo pássaros.
“Imagine se fosse uma ave de rapina, por exemplo, que pegasse a cápsula e a levasse para longe da área de busca (original) – há tantas incertezas e isso representará mais problemas”, disse Dave Sweeney, analista de política nuclear e ambiental advogado da Australian Conservation Foundation.
“Esta fonte obviamente precisa ser recuperada e protegida, mas há tantas variáveis e simplesmente não sabemos o que pode acontecer.”
O que acontece se não encontrarem?
O Césio-137 tem uma meia-vida de cerca de 30 anos, o que significa que, após três décadas, a radioatividade da cápsula cairá pela metade e, após 60 anos, cairá pela metade novamente.
Nesse ritmo, a cápsula pode permanecer radioativa pelos próximos 300 anos, disse Deb, da RMIT University.
“O Césio-137 é normalmente uma fonte selada – ou seja, se não for quebrada, não contaminará o solo ou o meio ambiente… Se a cápsula nunca for encontrada, não contaminará ou transferirá radioatividade para o solo circundante”, acrescentou Deb.
Kempson, da University of Southern Australia, disse que, se permanecer perdida em uma área isolada, “será improvável que tenha muito impacto”.
A Rio Tinto, uma das maiores gigantes da mineração do mundo, opera 17 minas de minério de ferro na região de Pilbara, na Austrália Ocidental. As atividades de mineração da empresa causaram polêmica no passado, incluindo a destruição em 2020 de dois antigos abrigos rochosos em Juukan Gorge, levando a um pedido de desculpas e à renúncia do então CEO Jean-Sébastien Jacques.
O acidente com Césio-137 no Brasil
Uma situação semelhante ocorreu no Brasil, em 1987, e afetou direta e indiretamente centenas de pessoas. Um aparelho de radioterapia abandonado na cidade de Goiânia, em Goiás, foi quebrado e fragmentos de Césio-137 se espalharam pelo ambiente, na forma de pó azul brilhante.
Diversos locais foram contaminados e a fonte foi levada para um depósito de ferro-velho. Sem o conhecimento do risco, o dono do depósito distribuiu o material brilhante entre amigos e parentes, que o levaram para suas casas.
As pessoas que tiveram contato com o material radioativo passaram a apresentar sintomas de contaminação, até que a esposa do dono do depósito levou a peça para a Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde, onde ela foi identificada.
Foram identificados e isolados sete focos principais, onde houve a contaminação de pessoas e do ambiente com altas taxas de exposição. No total, 249 pessoas apresentaram significativa contaminação interna e/ou externa.
Quatro deles foram a óbito, oito desenvolveram a Síndrome Aguda da Radiação (SAR), 14 apresentaram falência de medula óssea e uma pessoa sofreu amputação do antebraço.