Em meio à crise da poluição do ar, população vai às ruas em Nova Délhi

Medidores da capital indiana atingiram níveis "perigosos"; medidas do governo foram malsucedidas

Esha Mitra e Aishwarya S Iyer, da CNN
Pessoa caminha em Nova Délhi em meio a poluição na capital da Índia  • Reprodução/Reuters
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É fácil perceber quando chega a época da fumaça em Nova Délhi; o ar fica mais escuro, mais pesado e começa a irritar a garganta e a testar os pulmões dos 34 milhões de habitantes da cidade.

A poluição é um problema antigo na capital indiana, a ponto de o famoso Forte Vermelho estar ficando preto, um sinal visível de uma crescente crise política e de saúde que agora leva moradores revoltados às ruas.

“Eu só quero poder respirar de novo”, disse Sofie, de 33 anos, em um protesto perto do Portão da Índia no início deste mês.

“Parece não haver vontade política para resolver o problema”, acrescentou, cercada por dezenas de manifestantes usando máscaras e carregando nebulizadores.

Os sucessivos governos de Délhi têm planos de combate à poluição do ar desde 1996, mas décadas depois, o ar continua insalubre, especialmente nesta época do ano, quando o ar mais frio retém a fumaça e os gases tóxicos de fogos de artifício, queimadas e tráfego intenso da cidade.

A luta para limpar o ar da Índia contrasta com a vizinha China, onde um esforço bilionário e de longa duração para combater a poluição atmosférica notória do país rendeu resultados significativos.

O governo de Nova Délhi insiste que está tomando medidas e, no mês passado, lançou um experimento caro de semeadura de nuvens para dissipar o ar tóxico, mas que foi malsucedido.

Os níveis de poluição agora estão em níveis "perigosos", segundo a IQAir, que regularmente coloca Délhi no topo de sua lista de grandes cidades com a pior qualidade do ar do mundo.

"Imagine o impacto disso nos pulmões de um bebê", disse Vandana Prasad, pediatra presente no protesto.

“As crianças são obrigadas a ir à escola nessas circunstâncias, e nem mesmo o uso de máscaras é recomendado para crianças menores de 12 anos”, disse ela.

“Estamos literalmente matando nossas crianças”, afirmou Prasad.

"Semeadura de nuvens"

Pequenas aeronaves sobrevoaram os céus da cidade no final do mês passado, lançando sinalizadores nas nuvens para dissipá-las com pequenas quantidades de iodeto de prata e compostos de cloreto de sódio.

A Índia já utilizou a tecnologia de semeadura de nuvens para induzir chuva em outras partes do país, mas nunca para conter a poluição. Faz parte de uma promessa dispendiosa feita pelo Partido Bharatiya Janata (BJP) do primeiro-ministro Narendra Modi.

“Quero dizer aos cidadãos de Délhi que o governo instalou canhões antipoluição em prédios altos, realizou medidas de mitigação da poeira com aspersores de água e estamos monitorando as construções em andamento”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Manjinder Singh Sirsa, em um comunicado.

No entanto, “dez anos de danos não podem ser desfeitos em sete meses”, acrescentou Sirsa, tentando transferir a culpa para o governo anterior.

Três tentativas de semeadura de nuvens no mês passado “não obtiveram sucesso” porque não havia precipitação suficiente no ar, de acordo com Manindra Agarwal, diretor do Instituto Indiano de Tecnologia de Kanpur, que trabalhou com o governo no projeto de semeadura de nuvens.

Cientistas afirmam que a semeadura de nuvens só pode induzir chuva quando há umidade suficiente na atmosfera. No dia dos testes, a umidade era de cerca de 15%, disse Agarwal.

Mais dois testes estavam planejados; no entanto, foram adiados, em parte devido à umidade insuficiente nas nuvens, informou o IIT Kanpur em um comunicado.

A capital amanheceu com uma densa camada de poluição no dia 20 de outubro, após os moradores celebrarem o festival das luzes Diwali, soltando fogos de artifício.

Com a deterioração da qualidade do ar, o governo autorizou a semeadura de nuvens, apesar dos alertas de especialistas de que a probabilidade de sucesso era baixa.

“A semeadura de nuvens eficaz requer condições específicas de nebulosidade, que geralmente estão ausentes durante os meses frios e secos do inverno de Delhi”, afirmaram especialistas em uma carta ao ministro do Meio Ambiente.

“Mesmo que houvesse nuvens adequadas, a camada atmosférica seca abaixo delas poderia fazer com que qualquer precipitação formada evaporasse antes de atingir a superfície”, dizia a carta.

O documento foi assinado pelo Departamento Meteorológico da Índia, pela Comissão de Gestão da Qualidade do Ar na Região da Capital Nacional e áreas adjacentes e pelo Conselho Central de Controle da Poluição.

“Esta é, honestamente, a pior escolha possível para mitigar a poluição do ar”, disse M. Rajeevan, ex-secretário do Ministério de Ciências da Terra, à CNN.

Segundo Rajeevan, mesmo que a semeadura de nuvens tivesse sido bem-sucedida, seria apenas uma solução temporária, reduzindo a poluição por alguns dias em vez de atacar a raiz do problema.

A CNN entrou em contato com o chefe do governo de Delhi e o ministro do Meio Ambiente para obter comentários.

O Forte Vermelho está ficando preto

A dimensão do problema de Delhi pode ser vista nas paredes do Forte Vermelho, que recebeu esse nome devido ao arenito vermelho usado em sua construção no século XVII.

O Forte Vermelho foi construído pelo imperador Shah Jahan em meados do século XVII e continua sendo uma das atrações turísticas mais famosas da Índia. • CNN Newsource
O Forte Vermelho foi construído pelo imperador Shah Jahan em meados do século XVII e continua sendo uma das atrações turísticas mais famosas da Índia. • CNN Newsource

Um estudo publicado no início deste ano apontou que "crostas negras" estão se formando nas paredes de 20 metros de altura do Forte Vermelho, provenientes de "carbono amorfo e diversos metais pesados" presentes na atmosfera.

“Dada a alarmante situação da qualidade do ar em Delhi, estudar monumentos importantes como o Forte Vermelho é crucial para promover políticas e intervenções de conservação eficazes”, afirmou o estudo.

“É claro que o forte ficou preto”, disse Raman, de 64 anos, que só se identificou pelo primeiro nome e trabalha no local há quatro anos.

“Como não ficaria, com o nível de poluição em Délhi? Há tanta poeira. Depois de apenas um dia ao ar livre, você chega em casa, lava o rosto e vê quanta sujeira preta sai”, afirmou Raman.

“Lembro-me de ter visto o Forte Vermelho na minha primeira viagem a Delhi, há uns 30 anos [...] com certeza era muito mais vermelho naquela época. Mais para a cor de uma maçã. Agora essa maçã apodreceu”, concluiu.

Uma petição foi apresentada ao Supremo Tribunal da Índia no início deste mês, solicitando que a poluição do ar seja declarada uma “Emergência Nacional de Saúde Pública” e pedindo que o tribunal supervisione uma nova estratégia antipoluição, para ser implementada em tempo hábil.

A petição, apresentada em nome de Luke Coutinho, especialista em bem-estar e líder do movimento Fit India de Modi, acusa o governo de não atacar as fontes de poluição industrial e de investir muito pouco na redução das emissões veiculares.

“Medidas temporárias como pulverizadores de névoa, canhões antipoluição e testes de chuva artificial podem oferecer uma garantia simbólica, mas pouco contribuem para mitigar as emissões na fonte”, afirma a petição.

Mortes por poluição

Enquanto isso, relatórios atribuem milhões de mortes nos últimos três anos à poluição na Índia. O relatório State of Global Air 2025 estimou que, em 2023, a Índia foi responsável por quase 30% das mortes relacionadas à poluição do ar em todo o mundo.

“Nossa expectativa de vida está sendo reduzida em 5, 10 anos, mas o governo não está fazendo nada a respeito”, disse Prasad, pediatra que relatou atender crianças de três anos em sua clínica com uma “tosse persistente”.

Ela não descarta a importância da responsabilidade individual.

“Meus vizinhos tinham acabado de ter um bebê e estavam soltando fogos de artifício para comemorar. Eu queria ir lá e dizer a eles que, pelo menos pelo bem do bebê, não deveriam soltar fogos de artifício”, disse ela à CNN.

O protesto no Portão da Índia não durou muito; manifestantes, incluindo mulheres e crianças, foram detidos por não terem permissão para protestar.

Alguns disseram que foram forçados a entrar em viaturas policiais e liberados posteriormente nos arredores da cidade.

A CNN entrou em contato com a Polícia de Délhi para obter um posicionamento.

Com os níveis de poluição do ar em Delhi piorando de “muito ruim” para “severo” na última terça-feira (18), o governo implementou medidas mais rigorosas de controle da poluição como parte de seu Plano de Ação de Resposta Gradual.

De acordo com essa medida, as escolas até o 5º ano operam em modo “híbrido”, com algumas aulas online e outras presenciais. Todas as obras não essenciais foram suspensas e os veículos mais poluentes estão proibidos de circular enquanto a medida estiver em vigor.

Os manifestantes afirmam ter enviado vários pedidos para se encontrarem com o chefe do governo de Delhi, todos negados. Eles dizem que a recusa do governo em dialogar os levou às ruas, e não vão recuar.

"Estamos aqui protestando porque é nossa responsabilidade", disse Prasad, em um dos pelo menos três protestos realizados neste mês.

"Espero que o governo nos ouça", concluiu a pediatra presente nos protestos.

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