Entenda os planos econômicos dos candidatos a presidente da Bolívia

Pela primeira vez em duas décadas, país terá governo de direita, mas com diferentes graus de ruptura com administrações anteriores da esquerda

Luciana Taddeo, da CNN, de La Paz
Candidato presidencial pelo partido Alianza Libre, Jorge Tuto Quiroga, discursa durante comício de encerramento da campanha eleitoral em 15 de outubro de 2025  • Lucas Aguayo/Getty Images
Compartilhar matéria

É praticamente consenso entre analistas na Bolívia: independentemente de quem triunfar nas urnas no segundo turno das eleições deste domingo (19), o futuro presidente do país terá a dura tarefa de promover reformas estruturais para começar a tirar o país da profunda crise em que está imerso.

Em um primeiro turno histórico, os bolivianos encerraram quase duas décadas de governos do MAS (Movimento ao Socialismo), partido fundado pelo ex-presidente Evo Morales, e optaram por candidatos de direita: o senador e ex-prefeito Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão, e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, da Aliança Liberdade e Democracia.

Há, no entanto, diferenças nas visões de ambos sobre qual é o remédio para a crise e sobre o nível das reformas que devem ser levadas a cabo. 

Para o sociólogo político Franco Gamboa, docente Fullbright de La Paz, Jorge Quiroga representa uma ideologia liberal de mercado, contrária ao processo político e ao modelo de desenvolvimento econômico implementado pelo MAS nos últimos 20 anos.

Em relação ao outro candidato, Gamboa lembra que, apesar de defender o lema "capitalismo para todos", Rodrigo Paz nunca se definiu como um liberal, nem como defensor da economia de mercado. 

“Ele sabe que é necessária uma reestruturação econômica, mas ao mesmo tempo indica querer manter, de alguma maneira, as principais políticas dos governos anteriores”, diz à CNN.

 

Para o economista Luis Paz Ybarnegaray, ao definir seu projeto político como de centro, o candidato pode captar um forte voto rural e de áreas urbanas populares. 

“Rodrigo Paz pode canalizar mais esse voto, que é enorme na Bolívia e era liderado por Evo Morales e pelo MAS. No primeiro turno, isso decantou nos votos brancos e nulos, que foram muitos, e agora esse voto rural se reorienta”, aponta.

Uma das principais diferenças de abordagens na maneira de contornar a crise é acerca de como conseguir divisas que causam escassez no país. 

Derivada do declínio da produção e exportação de gás natural — que passou de 288,9 milhões em agosto de 2022 para 92,7 milhões em agosto de 2025 —, a falta de dólares se reflete em problemas como falta de combustível, que é importado em quase sua totalidade, e alta da inflação.

Outras consequências foram a indisponibilidade de dólares em bancos para saques de depósitos, imposição de limite ao uso de cartões de crédito no exterior e a conformação de um mercado paralelo de câmbio, no qual a moeda norte-americana é negociada ao dobro da cotação oficial.

Empréstimo do FMI

Sede do FMI em Washington • 09/10/2016. REUTERS/Yuri Gripas/File Photo
Sede do FMI em Washington • 09/10/2016. REUTERS/Yuri Gripas/File Photo

Para Quiroga, para acabar com a escassez de divisas, será preciso negociar com o FMI (Fundo Monetário Internacional) um empréstimo de US$ 2 bilhões a US$ 4 bilhões ainda durante a transição de governo. 

De acordo com o candidato, a urgência se deve ao fato de que “o país não aguenta mais um mês sem combustível”.

Ele também propõe recorrer a outros organismos, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Cooperação Andina de Fomento.

Já Rodrigo Paz afirmou no último debate que não irá recorrer ao FMI para pedir bilhões de dólares para entregá-los a “poderosos”, de maneira que médios e pequenos investidores não sejam beneficiados. 

Segundo ele, é possível ajustar a situação de escassez com US$ 3,5 bilhões em créditos já aprovados para o país pelos fundos de cooperação de vários países, a unificação dos diferentes tipos de câmbio e o estabelecimento de bandas cambiais para a flutuação da cotação do dólar. Paz não especificou a origem dos créditos citados. 

Setor público e empresas estatais

Para combater o déficit fiscal, Rodrigo Paz defende o congelamento de contratações de trabalhadores pelo Estado e a paralisação de atividades de todas as empresas estatais deficitárias e de contratações pelo Estado.

Já Quiroga quer cortar ministérios, eliminar instituições que considera desnecessárias e reduzir a quantidade de trabalhadores do setor público. 

Questionado pela CNN se usaria a "motosserra" no corte de gastos como o presidente argentino Javier Milei, respondeu: "Motosserra, machado, tesoura e tudo o que você encontrar".

Quanto às estatais, seu plano é revisar o funcionamento para torná-las rentáveis, fechá-las, entregá-las aos trabalhadores ou vendê-las. 

Ele também propõe um esquema de “propriedade popular” de empresas públicas, dando ações das estatais para todos os bolivianos maiores de idade, para que recebam dividendos.

Posição sobre o Mercosul

Quiroga afirma ser a favor do livre comércio e contra a imposição de tarifas à importação. “Vou ser muito agressivo na assinatura de acordos de livre comércio e tratados bilaterais de proteção de investimentos”, disse à CNN em agosto.

Na mesma entrevista, ele afirmou que gosta do Mercosul como mecanismo de integração regional, mas não de pertencer à dinâmica comercial do bloco. 

“Da parte comercial não me interessa participar, porque é entrar numa prisão comercial na qual você precisa aumentar taxas externas. É muito protecionista. Eu quero diminuir as taxas, fazer acordos de livre comércio com a Europa, com a Ásia, como o Chile e o Peru fizeram”, disse.

Em seu programa de governo, o ex-presidente afirma ser “melhor encarar o comércio exterior de maneira individual como país para obter vantagens” na exportação.

Já Rodrigo Paz defende o mecanismo regional. “Não nego as relações com diferentes âmbitos de interesse para a Bolívia. Por exemplo, no caso do Mercosul, o ‘Tuto’ nega essa relação, vai rejeitá-la.

No nosso caso, tudo o que está ligado a uma lógica de fronteiras na Bolívia é uma questão fundamental”, expressou, também em entrevista à CNN.

“Somos parte de um continente (...) dentro dele, a Bolívia tem que entender que precisa gerar uma relação com os países fronteiriços”, disse, afirmando que o Brasil é um “peso pesado” da vizinhança.

Subsídios aos combustíveis

Para resolver um dos principais problemas do país, a falta de gasolina e diesel, que tem paralisado a produção, reduzido o transporte de bens e gerado filas quilométricas em postos - ambos os candidatos propõem abrir a livre importação de combustíveis e reduzir subsídios sobre o insumo.

Dinamização da economia

Quiroga quer simplificar o sistema tributário do país para atrair capitais estrangeiros e adotar uma atitude governamental “pró-investimento privado”, liberando exportações e importações.

Já Paz quer iniciar, com seu lema "capitalismo para todos", um programa de crédito barato, redução de impostos e perdão tributário para estimular a economia formal.