Insônia, ansiedade e kits de emergência: Tensão com EUA afeta venezuelanos
População relata impactos diretos causados pela escalada do conflito entre Washington e Caracas

As ruas de Caracas, capital da Venezuela, estão decoradas com luzes de Natal. O som de músicas natalinas tradicionais preenche o ar.
A rotina parece inalterada: crianças indo para a escola, adultos indo para o trabalho, vendedores abrindo suas lojas.
No entanto, por trás dessa fachada, ansiedade, medo, frustração e até mesmo medidas preventivas começam a crescer diante da possibilidade de um ataque, em meio à tensão entre os Estados Unidos e a Venezuela.
Uma mulher que pediu para ser identificada como Victoria, por medo de represálias, vive sozinha na zona oeste de Caracas desde que seus dois filhos deixaram o país e atualmente trabalha no comércio.
Ela descreve sua rotina nos últimos meses como um período marcado pela incerteza, em que cada dia traz algo novo que a preocupa e rouba sua paz de espírito.
Apesar de ter continuado a exercer suas atividades, Victoria confessa que esse estado de alerta, devido à incerteza sobre o que poderia acontecer, tem perturbado seu sono.
Às vezes, ela diz que se levanta no meio da noite e começa a checar as notícias no celular. Victoria faz isso apesar de admitir que não é bom para ela, porque torna mais difícil voltar a dormir depois.
“Há um confronto em curso com o qual nós, cidadãos comuns, não temos nada a ver”, diz ela, se referindo ao conflito entre o governo do presidente Donald Trump e o país. “Tentamos seguir com nossas vidas, tentamos realizar nossas atividades diárias, mas isso é sempre interrompido por toda essa situação, que sem dúvida nos afeta.”
Victoria conta que precisa tomar remédios para dormir para conseguir dormir, que nem sequer quer falar com ninguém e que até sente desconforto físico por causa disso. “Só quem está nessa situação sente isso”, afirma.
Os venezuelanos são “pessoas trabalhadoras e de bom coração. Eles não merecem tudo o que está acontecendo conosco”, ressalta ela.
O impacto emocional
A prolongada tensão política entre a Venezuela e os Estados Unidos tem afetado diretamente a saúde mental dos venezuelanos nos últimos meses.
Essa é a advertência de Yorelis Acosta, psicóloga clínica e social e coordenadora de pesquisa do CENDES (Centro de Estudos para o Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela), que afirma que “não existe uma única maneira de processar o que está acontecendo conosco”.
Acosta explica que a forma como cada pessoa percebe e lida com a crise depende, entre outros fatores, de onde vive e de sua conexão com o ambiente ao seu redor.
“Não é a mesma coisa para um venezuelano de Táchira ou Zulia, que vive na fronteira, e para alguém de Caracas.”
Ela acrescenta que também devemos considerar aqueles que estão fora do país, muitos dos quais sentem que a Venezuela “está em guerra ou completamente militarizada”, quando a realidade é bem diferente.
Segundo a especialista, as percepções variam entre aqueles que preferem se manter afastados e se concentrar em suas vidas cotidianas e aqueles que vivem hiperconectados, às vezes superinformados ou mal-informados, e sofrem com altos níveis de ansiedade e insônia.
Sua principal recomendação diante da sobrecarga de informações é manter uma relação saudável com as notícias e as redes sociais.
“Precisamos nos manter informados, sim, mas por meio de fontes confiáveis e por um tempo limitado. Não podemos passar o dia todo hiperconectados. Também precisamos fazer pausas, nos movimentar, respirar e priorizar nosso bem-estar físico e mental”, orienta Acosta.

Algumas pessoas, como Yanitza Albarrán, concentram-se em manter a rotina e a paz. Ao participar de uma marcha pró Nicolás Maduro em 1º de dezembro, Albarrán disse à CNN que está comprometida com a liberdade, a paz e também com a revolução, que, em sua opinião, é representada pelo líder chavista.
“As mães estão levando seus filhos para a escola, as mulheres estão saindo para trabalhar, lecionando nas universidades. Os agricultores estão plantando, os comerciantes estão vendendo. Nosso país está em paz porque isso é garantido pelo nosso presidente Nicolás Maduro e por todas as Forças Armadas Nacionais”, afirmou, antes de retornar à marcha.
Naquele dia, ao ritmo de “Não à guerra, sim à paz”, o slogan do ditador, várias pessoas marcharam, apoiando a posição do regime: vida normal, Venezuela intocável.
Mas nem todos vivenciam a situação dessa forma, e a crise econômica e a tensão política se agravam com a chegada do Natal.
“Para alguns, dezembro é época de celebração. Mas para outros, é uma lembrança de ausência. Muitos sentem falta de familiares que estão no exterior ou enfrentam a perda de entes queridos”, afirma a psicóloga Acosta.
E isso se torna ainda mais complexo em uma Venezuela cada vez mais isolada.
A ansiedade é agravada pelo isolamento.
Em meio à crescente tensão, em 21 de novembro, a FAA (Administração Federal de Aviação dos EUA) recomendou “extrema cautela” ao sobrevoar a Venezuela e o sul do Caribe devido ao que considera “uma situação potencialmente perigosa”.
Após esse alerta, várias companhias aéreas suspenderam seus voos de e para o país. As autoridades venezuelanas, depois de concederem a essas empresas 48 horas para retomar as operações, decidiram revogar suas licenças de voo no país.
Ao ler a notícia, Victoria sentiu um "desabamento total" e uma "profunda tristeza". Várias portas se fecharam para uma viagem que ela descreve como parte de um plano de vida estabelecido como consequência da migração, neste caso, a de seus filhos.
"O reencontro é sempre planejado à custa de sacrifícios financeiros", diz ela.
O anúncio quase acabou com a possibilidade de visitar sua filha na França, algo que ela não faz há dois anos e que representava a oportunidade de passar o Natal com eles no país pela primeira vez.
“Senti como se o mundo estivesse desabando sobre mim quando soube da notícia”, confessa, acrescentando que sente um grande medo ao ver as conexões cada vez mais limitadas do país com o mundo.
Ela ainda está explorando opções via Colômbia, Panamá ou Curaçao para se reunir com sua família, embora também tema que, ao persistir, esteja correndo um risco ao viajar de avião nas circunstâncias atuais.
Muitos agora enfrentam as dificuldades de um reencontro familiar para as festas de fim de ano, já que quase oito milhões de venezuelanos vivem no exterior, e dezembro costuma ser a época ideal para ver seus entes queridos.
Luis Rosas é um engenheiro que mora no Brasil. Ele havia planejado passar parte de dezembro na Venezuela para comemorar o aniversário de 80 anos de sua mãe.
Conforme a data se aproximava, em vez de alegria, ele se sentia preocupado e constantemente questionava se fazia sentido viajar, dada a situação atual. Ele acrescentou que também estava preocupado com sua família, amigos e, principalmente, com sua mãe.
Para Rosas, apesar da instabilidade nacional, a família, e em particular a mãe, é sempre o principal incentivo para voltar para casa e se reconectar com as suas raízes.
“Infelizmente, uma situação como essa gera ansiedade, frustração e inquietação. Porque, no fim das contas, são situações que fogem ao nosso controle, mas que afetam tudo”, diz ele.
Por fim, após analisar a situação e também considerando a segurança de sua família e de seu filho, o engenheiro decidiu não viajar para a Venezuela neste Natal, apesar de toda a frustração que isso acarreta.
Medidas Preventivas
O medo não afeta as pessoas apenas emocionalmente, mas, em alguns casos, leva a medidas concretas. A CNN obteve circulares de algumas escolas particulares de Caracas, dirigidas a pais e responsáveis, solicitando que cada aluno que frequentará a escola durante o ano letivo receba um “kit de emergência individual”.
O kit deve conter água, alimentos não perecíveis, itens de higiene e medicamentos, se necessário, além de lanternas.
A justificativa para esse pedido é que ele se destina ao caso de o estudante precisar pernoitar no campus por qualquer motivo, especialmente em caso de terremoto.
No entanto, um representante que falou com a CNN e pediu anonimato por medo de possíveis represálias acredita que a comunicação visa preparar-se para outros cenários relacionados às tensões entre Caracas e Washington.
Desde que os ataques dos Estados Unidos contra embarcações no Caribe e no Pacífico começaram em 2 de setembro, Trump tem insinuado repetidamente a possibilidade de uma operação em território venezuelano, embora não tenha sido dito se isso se concretizará ou quando poderá ocorrer.
Esse clima de incerteza levou algumas empresas a também tomarem medidas preventivas.
Diversos empresários que falaram com a CNN, e que preferiram permanecer anônimos por medo de represálias, disseram que monitoram constantemente as condições das estradas em diferentes partes do país para garantir a distribuição de seus produtos, além de realizarem treinamentos de comunicação com seus funcionários para alertá-los em caso de qualquer situação extraordinária.
Eles também reconheceram que aumentaram o número de notícias que recebem diariamente, várias vezes ao dia, para avaliar continuamente a situação.
Assim, pouco a pouco, começam a surgir fissuras na rotina dos venezuelanos, e uma preocupação cada vez maior emerge, dada a incerteza sobre quais serão os próximos passos nessa escalada de tensão e como eles afetarão a vida dos cidadãos.



