Israel x Irã: Entenda riscos de contaminação nuclear no conflito

Países do Golfo Pérsico se preocupam com ataques que podem afetar toda a região

Andrew MacAskill, Tom Perry, Crispian Balmer, Pesha Magid, Federico Maccioni, Andrew Mills e Jana Choukeir, da Reuters
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Israel diz que está determinado a destruir a capacidade nuclear do Irã em sua campanha militar, mas que também quer evitar qualquer desastre nuclear em uma região que abriga dezenas de milhões de pessoas e produz grande parte do petróleo do mundo.

O temor de uma catástrofe se espalhou pelo Golfo Pérsico nesta quinta-feira (19), quando os militares israelenses disseram ter atingido um local em Bushehr, na costa do Golfo — onde fica a única usina nuclear do Irã — para depois dizerem que o anúncio foi um erro.

Entenda em detalhes os danos causados até agora pelos ataques israelenses e o que os especialistas dizem sobre os riscos de contaminação e outros desastres.

O que Israel atingiu no Irã até o momento?

Israel anunciou ataques a instalações nucleares em Natanz, Isfahan, Arak e contra a capital Teerã. Os israelenses afirmam que o objetivo é impedir que o Irã construa uma bomba atômica. O país nega que esteja buscando uma.

A Agência Internacional de Vigilância Nuclear (IAEA, na sigla em inglês) relatou danos à usina de enriquecimento de urânio em Natanz, ao complexo nuclear em Isfahan, incluindo a Instalação de Conversão de Urânio, e às instalações de produção de centrífugas em Karaj e Teerã.

Israel disse na quarta-feira (18) que tinha como alvo Arak, também conhecido como Khondab, o local de um reator de pesquisa de água pesada parcialmente construído, um tipo que pode facilmente produzir plutônio que, como o urânio enriquecido, pode ser usado para fazer o núcleo de uma bomba atômica.

A AIEA disse que tem informações de que o reator de pesquisa de água pesada de Khondab havia sido atingido, mas que não estava operacional e não relatou efeitos radiológicos.

Militares fazem segurança de usina nucler de Isfahan no Irã • 19/4/2024 WANA (West Asia News Agency) via REUTERS
Militares fazem segurança de usina nucler de Isfahan no Irã • 19/4/2024 WANA (West Asia News Agency) via REUTERS

Quais são os riscos de precipitação radioativa?

Peter Bryant, professor da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, especializado em ciência de proteção contra radiação e política de energia nuclear, explicou que não está muito preocupado com os riscos de precipitação radioativa dos ataques até o momento.

Ele observou que a unidade de Arak não estava operacional, enquanto a unidade de Natanz estava no subsolo e nenhuma liberação de radiação foi relatada.

“A questão é controlar o que aconteceu dentro dessa instalação, mas as instalações nucleares são projetadas para isso”, disse ele. “O urânio só é perigoso se for fisicamente inalado, ingerido, ou se entrar no corpo em enriquecimentos baixos”.

Darya Dolzikova, pesquisadora sênior do grupo de estudos londrino (RUSI, na sigla em inglês), explicou que as ofensivas contra as instalações na extremidade dianteira do ciclo de combustível nuclear — os estágios nos quais o urânio é preparado para uso em um reator — representam principalmente riscos químicos, não radiológicos.

Nas instalações de enriquecimento, o UF6, ou hexafluoreto de urânio, é a preocupação.

“Quando o UF6 interage com o vapor de água no ar, ele produz substâncias químicas nocivas”, informou ela. O grau de dispersão de qualquer material depende de fatores como as condições climáticas, acrescentou.

“Em caso de ventos fracos, é de se esperar que grande parte do material se acomode nas proximidades da instalação; em caso de ventos fortes, o material viajará mais longe, mas também é provável que se disperse mais amplamente.”

O risco de dispersão é menor para instalações subterrâneas.

E quanto aos reatores nucleares?

A maior preocupação seria um ataque ao reator nuclear do Irã em Bushehr.

Richard Wakeford, Professor Honorário de Epidemiologia da Universidade de Manchester, elucida que, embora a contaminação por ataques a instalações de enriquecimento fosse “principalmente um problema químico” para as áreas vizinhas, danos extensos a grandes reatores de energia “são uma história diferente”.

Elementos radioativos seriam liberados por meio de uma pluma de materiais voláteis ou no mar, acrescentou.

James Acton, codiretor do Programa de Política Nuclear do Carnegie Endowment for International Peace, informou que um ataque a Bushehr “poderia causar uma catástrofe radiológica absoluta”, mas que é “improvável que ataques a instalações de enriquecimento causem consequências significativas fora do local”.

Antes de o urânio entrar em um reator nuclear, ele é pouco radioativo, falou ele. “A forma química do hexafluoreto de urânio é tóxica… mas, na verdade, não tende a percorrer grandes distâncias e é pouco radioativo. Até o momento, as consequências radiológicas dos ataques de Israel foram praticamente nulas”, acrescentou, ao declarar sua oposição à campanha de Israel.

Por que os países do Golfo Pérsico estão preocupados 

Para as nações do Golfo Pérsico, o impacto de qualquer ataque a Bushehr seria agravado pela possível contaminação das águas do Golfo, colocando em risco uma fonte essencial de água potável dessalinizada.

Nos Emirados Árabes Unidos, a água dessalinizada representa mais de 80% da água potável, enquanto o Barein tornou-se totalmente dependente da água dessalinizada em 2016, com 100% das águas subterrâneas reservadas para planos de contingência, segundo autoridades.

O Catar é 100% dependente da água dessalinizada.

Na Arábia Saudita, uma nação muito maior, com uma reserva maior de água subterrânea natural, cerca de 50% do abastecimento foi da água dessalinizada a partir de 2023, segundo a Autoridade Geral de Estatísticas.

Enquanto alguns países do Golfo Pérsico, como Arábia Saudita, Omã e Emirados Árabes Unidos, têm acesso a mais de um mar para extrair água, países como Catar, Barein e Kuweit estão aglomerados ao longo da costa do Golfo, sem nenhum outro litoral.

“Se um desastre natural, um derramamento de óleo ou até mesmo um ataque direcionado interromper uma usina de dessalinização, centenas de milhares de pessoas poderão perder o acesso à água doce quase que instantaneamente”,
afirmou Nidal Hilal, professor de engenharia e diretor do Centro de Pesquisa de Água da Universidade de Nova York em Abu Dhabi.

“As usinas de dessalinização costeiras são especialmente vulneráveis a riscos regionais, como derramamentos de óleo e possível contaminação nuclear”, complementou.