Família diz que jovem médico tirou a vida após fazer 200 horas extras em um mês
Mãe e irmão pediram mudanças nas relações trabalhistas no Japão, que tem cultura do excesso de trabalho
- Aviso: Existe ajuda se você ou alguém que você conhece estiver lutando com pensamentos suicidas ou problemas de saúde mental. Ligue 188 para entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida.
A família de um médico japonês de 26 anos, que morreu por suicídio no ano passado após trabalhar mais de 200 horas extras em um único mês, implorou por mudanças no país, há muito atormentado pela cultura do excesso de trabalho.
Shingo Takashima trabalhava como médico residente em um hospital na cidade de Kobe quando se suicidou, em maio de 2022, segundo a emissora pública local NHK.
De acordo com os advogados da família, Takashima trabalhou mais de 207 horas extras no mês anterior à sua morte e não tirou um dia de folga durante três meses, informou a NHK.
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O hospital Konan Medical Center negou essas acusações em entrevista coletiva na semana passada.
Mas, em junho, o órgão governamental de inspeção do trabalho considerou a sua morte um incidente relacionado com o trabalho devido às suas longas horas de expediente, de acordo com a NHK – destacando as imensas pressões exercidas sobre os profissionais de saúde.
O Japão luta há muito tempo contra uma cultura persistente de excesso de trabalho, com funcionários de vários setores relatando horas de trabalho punitivas, alta pressão dos supervisores e anuência para com a empresa, de acordo com o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar.
O stress e os danos à saúde mental que se seguiram causaram até um fenômeno chamado “karoshi”, ou “morte por excesso de trabalho” – levando à criação de uma legislação destinada a prevenir mortes e lesões causadas por horas de trabalho excessivas.
Numa coletiva de imprensa na sexta-feira passada (18), a família de Takashima descreveu o que disse ser um jovem levado ao desespero e expressou o seu pesar pela sua morte.
Antes de seu suicídio, disse sua mãe, Junko Takashima, o médico pontuava que “era muito difícil” e que “ninguém o ajudaria”, segundo vídeo publicado pela mídia local na entrevista coletiva.
“Ninguém está cuidando de mim, ele ficava me dizendo. Acho que o ambiente o colocou no limite”, afirmou ela.
“Meu filho não se tornará um médico gentil, nem será capaz de salvar pacientes e contribuir para a sociedade”, acrescentou. “No entanto, espero sinceramente que o ambiente de trabalho dos médicos melhore para que o mesmo não aconteça novamente no futuro”, complementou a mãe.
O irmão de Takashima, que não foi identificado, também falou na coletiva de imprensa, dizendo: “Não importa como olhemos para as horas de trabalho do meu irmão, 200 horas (extras) é um número inacreditável, e, em primeiro lugar, não creio que o hospital esteja adotando uma abordagem sólida à gestão do trabalho”.
Em uma coletiva de imprensa na semana passada, o Centro Médico Konan recuou. “Muitas vezes [os médicos] passam o tempo estudando sozinhos e dormindo de acordo com suas necessidades fisiológicas”, disse um porta-voz.
“Devido ao elevado grau de liberdade, não é possível determinar com precisão o horário de trabalho”, destacaram.
Procurado pela CNN, um porta-voz do hospital disse: “Não reconhecemos este caso como horas extras e deixaremos de comentar sobre isso no futuro”.
Vários casos de excesso de trabalho chegaram às manchetes nacionais e globais ao longo dos anos. Em 2017, por exemplo, as autoridades japonesas concluíram que uma repórter política de 31 anos, que morreu em 2013, tinha sofrido de insuficiência cardíaca por passar longas horas no trabalho.
Ela havia trabalhado 159 horas extras no mês anterior à sua morte, segundo a NHK.
O problema continua a ser especialmente grave no setor dos cuidados de saúde. Um estudo de 2016 descobriu que mais de um quarto dos médicos hospitalares em tempo integral trabalham até 60 horas por semana, enquanto 5% trabalham até 90 horas e 2,3% trabalham até 100 horas.
Outro relatório, publicado este ano pela Associação das Faculdades de Medicina do Japão, concluiu que mais de 34% dos médicos são elegíveis para um “nível especial de horas extras que excedem o limite máximo de 960 horas por ano”.
As reformas da legislação laboral e da regulamentação das horas extras em 2018 registaram alguns pequenos progressos, com o governo reportando no ano passado que a quantidade média de horas anuais trabalhadas por pessoa tem “diminuído gradualmente”.
No entanto, embora o número de horas de trabalho reais tenha diminuído, as horas extras têm flutuado ao longo dos anos, acrescentou.