"No Kings": Entenda os protestos contra Donald Trump nos EUA

Mais de 2.500 atos foram mobilizados em todos os 50 estados americanos neste sábado

Lauren Mascarenhas e Josh Campbell, da CNN
Pessoas participam de protesto "No Kings" contra políticas do presidente dos EUA, Donald Trump, na Times Square, Nova York, EUA
Pessoas participam de protesto "No Kings" contra políticas do presidente dos EUA, Donald Trump, na Times Square, Nova York, EUA  • REUTERS/Shannon Stapleton
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Enquanto o presidente Donald Trump chegava ao seu desfile militar em Washington, DC, em junho, ao som de uma salva de 21 tiros e de membros da plateia cantando “Feliz Aniversário”, cerca de 5 milhões de pessoas em todo o país foram às ruas para protestar contra seu governo. Agora, em meio a uma paralisação do governo federal e à tentativa de Trump de implantar tropas da Guarda Nacional em cidades americanas, milhões saíram para a segunda rodada de protestos.

Mais de 2.500 manifestações — cerca de 450 a mais que as planejadas em junho — forma convocadas para sábado em todos os 50 estados, na segunda rodada dos protestos “No Kings” (“Sem Reis”), que têm como objetivo rejeitar amplamente o que os organizadores descrevem como a agenda “autoritária” de Trump.

Alguns líderes republicanos classificaram os protestos como antiamericanos. O presidente da Câmara, Mike Johnson, alegou, sem provas, que os comícios deste sábado contribuíram para a paralisação do governo.

Quando a primeira rodada de protestos “No Kings” ocorreu, Trump havia acabado de atravessar os cinco primeiros meses de seu segundo mandato, emitindo centenas de ordens executivas e outras medidas que miravam a cidadania por nascimento, proteções para pessoas transgênero, manifestantes estudantis, e iniciativas federais de diversidade, equidade e inclusão, entre outras.

A tensão sobre as batidas de imigração atingiu seu auge em Los Angeles, quando Trump federalizou a Guarda Nacional da Califórnia contra a vontade do governador Gavin Newsom — uma medida que especialistas classificaram como uma escalada sem precedentes e perigosa do poder presidencial.

Durante o verão, o governo “dobrou a aposta”, dizem os organizadores dos protestos.

Agentes do ICE, sob pressão para cumprir metas de prisões, realizaram operações em todo o país, às vezes enfrentando fortes protestos de comunidades locais. Trump pediu ao Departamento de Justiça que processasse seus oponentes políticos, como o ex-diretor do FBI James Comey e a procuradora-geral de Nova York Letitia James. O governo também processou o The New York Times por difamação e suspendeu (depois restabeleceu) o programa “Jimmy Kimmel Live!”.

Além disso, o governo intensificou a tentativa de enviar tropas federais para cidades lideradas por democratas, como Washington, Memphis, Chicago e Portland.
Líderes locais e estaduais resistiram aos envios da Guarda Nacional, e batalhas judiciais continuam em andamento.

Alguns políticos republicanos rotularam os protestos como “manifestações de ódio à América”. O senador Roger Marshall afirmou que “manifestantes profissionais” e “agitadores” comparecerão, enquanto Johnson sugeriu que os participantes seriam “pró-Hamas” e “pessoas da Antifa”.

Mas as manifestações foram amplamente pacíficas, como pediam os organizadores com o objetivo de contrastar com as recentes demonstrações de força do governo.

Possibilidade de mais força militar

“Teremos que chamar a Guarda Nacional”, disse Marshall recentemente sobre os protestos de sábado. “Esperamos que seja pacífico. Mas duvido.”
A CNN procurou a Casa Branca para comentar sobre a possibilidade de envio da Guarda Nacional.

O governador do Texas, Greg Abbott, ordenou na quinta-feira que a Guarda Nacional estadual enviasse tropas para Austin antes de um protesto que seu gabinete caracterizou como “ligado à Antifa”.

Os democratas texanos foram rápidos em condenar a medida.

“Enviar soldados armados para reprimir protestos pacíficos é o que reis e ditadores fazem — e Greg Abbott acabou de provar que é um deles”, disse Gene Wu, líder da minoria na Câmara dos Representantes do Texas.

A organização Indivisible Project, responsável pelos protestos, treinou dezenas de milhares de pessoas em segurança e técnicas de desescalada, e os organizadores estão trabalhando diretamente com cidades que têm presença da Guarda Nacional para garantir que estejam preparadas, disse sua diretora-executiva, Leah Greenberg.

Em outras regiões, organizadores estão educando manifestantes sobre seus direitos, caso tropas apareçam inesperadamente.

“Não esperamos que haja necessidade de implantação da Guarda Nacional, mas, se o governo Trump tentar fazer isso para intimidar protestos pacíficos, estaremos preparados”, disse Deirdre Schifeling, da ACLU, em uma reunião de organizadores durante a semana.

“O que esperamos é que milhões de pessoas em todo o país se reúnam para se opor ao autoritarismo, à corrupção e aos ataques contra nossos vizinhos e nossos direitos”,
acrescentou Greenberg à CNN.

Protesto "No Kings" contra as políticas do presidente Donald Trump atrai multidões nos EUA • REUTERS/Alyssa Pointer
Protesto "No Kings" contra as políticas do presidente Donald Trump atrai multidões nos EUA • REUTERS/Alyssa Pointer

Os organizadores esperam ampliar o impulso dos protestos de junho e dos movimentos Hands Off! e 50501 desta primavera, confiantes de que o movimento cresceu em resposta às ações do governo.

Para líderes locais que tentam resistir ao que chamam de intervenção federal excessiva, o sábado pode representar uma oportunidade de enviar uma mensagem.

Segundo Elizabeth Goitein, diretora do Programa de Liberdade e Segurança Nacional do Centro Brennan, os protestos podem levar o governo a enviar mais tropas às cidades.

O memorando usado por Trump para enviar as primeiras tropas federais a Los Angeles pode ser utilizado para tomar medidas semelhantes em todo o país, explicou ela.

“Sob esse memorando, tropas podem ser enviadas mesmo se os protestos forem totalmente pacíficos”, disse Goitein, chamando isso de “um ataque direto às liberdades da Primeira Emenda”.

E qualquer ato de violência isolado por parte de manifestantes poderia reforçar o argumento do governo para convocar as tropas, acrescentou. “O governo pode usar os protestos deste fim de semana como justificativa para enviar tropas? Tudo indica que sim.”

Protesto de amplo alcance

Com a paralisação do governo afetando empregos e a vida cotidiana, alguns republicanos sugeriram que os protestos são uma distração que agrava o impasse.

Quando perguntado sobre o fim da paralisação, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou nesta semana: “Há quem diga que estão esperando pelo menos até este maluco protesto No Kings neste fim de semana… Sem reis significa sem salários.”

Greenberg classificou a crítica como “ridiculamente transparente”, afirmando que os protestos foram planejados em setembro, antes da paralisação, e que são “um movimento amplo”, com diversas identidades e pontos de vista políticos.

Ela também rebateu a ideia de que os protestos sejam antiamericanos: “No Kings é um valor tão americano quanto se pode imaginar. É tão americano quanto torta de maçã.”

“Meu marido e eu estávamos no evento principal na Filadélfia em junho — o berço da nação, e por isso o escolhemos —, e conduzimos o público no Juramento de Fidelidade”, acrescentou.

Greenberg fundou a rede progressista Indivisible com o marido Ezra Levin, em 2016, em resposta à primeira eleição de Trump. O movimento cresceu e hoje reúne milhares de grupos locais, que atuam de forma autônoma, mas coordenada com a equipe nacional.

A rede inclui as organizações sem fins lucrativos Indivisible Project e Indivisible Civics, que promovem protestos e treinamentos, e o Indivisible Action, um comitê político voltado à eleição de candidatos progressistas.

Greenberg reconhece que grupos como o Indivisible, por se posicionarem publicamente contra Trump, podem se tornar alvos do governo.

Após a morte do ativista conservador Charlie Kirk, o Indivisible assinou, com mais de 500 ONGs, uma carta aberta denunciando o uso do poder governamental para perseguir organizações liberais e ameaçar os direitos da Primeira Emenda.

Trump atacou recentemente o investidor bilionário George Soros, acusando-o de financiar “protestos violentos” e pedindo acusações de crime organizado contra o filantropo. A Casa Branca afirmou que o Indivisible é um “grupo ativista de esquerda” que recebeu mais de US$ 7,6 milhões de Soros.

A fundação de Soros, Open Society Foundations, tem financiado o Indivisible há anos, junto a diversas outras causas progressistas. O Indivisible Project recebeu quase US$ 8 milhões em contribuições no ano fiscal de 2023.

“Temos plena consciência de que há esforços em andamento para destruir a oposição organizada, para retaliar e perseguir quem se opõe a Trump e sua agenda”, disse Greenberg. “Temos consciência disso, mas acreditamos que só há um caminho: continuar exercendo nossos direitos constitucionais.”

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