Remoção de painel sobre soldados negros dos EUA da 2ª Guerra gera polêmica
Memorial na Holanda homenageava militares americanos, incluindo aqueles que ajudaram a enterrar seus colegas

Durante um dos períodos de combates mais sangrentos da Segunda Guerra Mundial na Europa, o então sargento de primeira classe dos Estados Unidos Jefferson Wiggins, de 19 anos, foi designado para enterrar os mortos no sul da Holanda, junto com centenas de outros soldados negros.
O que antes era um pomar de frutas se tornaria o local de descanso final para milhares de militares dos EUA que morreram.
O caso aconteceu no inverno de 1944. Esse era um trabalho difícil e terrível, realizado sob chuva e neve quase constantes, tendo apenas picaretas e pás como ferramentas.
Anos mais tarde, Wiggins relembrou como os soldados sob seu comando na 960ª Companhia de Intendência choravam enquanto baixavam os corpos em suas sepulturas.
O local, na vila de Margraten, situada no sudeste da Holanda, se tornou um dos maiores cemitérios militares americanos na Europa. Ele é administrado pela AMBC (Comissão Americana de Monumentos de Guerra).
Porém, as pessoas que visitam o local não conseguem conhecer a história do trabalho desses soldados há meses.
Em março, a pequena e pouco conhecida agência federal removeu uma exposição do centro de visitantes do cemitério que homenageava as contribuições de soldados negros como Wiggins -- que alcançou a patente de primeiro-tenente e faleceu em 2013 --, e destacava a discriminação que enfrentaram.
Funções dadas a soldados negros na Segunda Guerra Mundial
A maioria dos soldados negros foi limitada a funções que não incluíam o combate durante a Segunda Guerra Mundial.
"Não é uma questão de um painel que tem o nome do meu marido. Essa não é a questão", afirmou Janice, viúva de Wiggins, à CNN.
"A questão é que estes são um grupo de homens que contribuíram para seu país, que, como quase todos os soldados durante a Segunda Guerra Mundial, passaram por grandes traumas e carregaram isso pelo resto de suas vidas", adicionou.
Janice soube da remoção da exposição em outubro por meio de dois cineastas holandeses. Ela afirmou que seu marido "ficaria desapontado, mas não surpreso".
"Ele não era ingênuo sobre o mundo em que vivia", acrescentou.
A ABMC, que supervisiona 26 cemitérios militares permanentes dos EUA, informou à CNN em um comunicado que o painel em questão foi retirado após "uma revisão interna do conteúdo interpretativo" sob a gestão do secretário anterior, Charles Djou.
Também foi dito que atualmente existem outras quatro exposições destacando militares afro-americanos individuais sepultados no cemitério.

Remoção do memorial na Holanda
Charles Djou disse à CNN por e-mail que a remoção do painel foi "realizada através de uma revisão interna da agência por instigação da administração Trump". Ele foi indicado de Biden e afirma ter sido demitido pelo presidente Donald Trump em abril.
A CNN entrou em contato com a Casa Branca e aguarda retorno.
A AMBC, por sua vez, declarou: "O painel foi inicialmente adicionado a pedido do ex-embaixador dos EUA na Holanda".
"Foi determinado pelo secretário anterior, após a revisão interna em março, que embora a citação do tenente Wiggins representasse as imensas contribuições de muitos militares afro-americanos durante a criação do local, partes dos painéis estavam fora do escopo da missão comemorativa da ABMC", argumentou.
Ainda foi acrescentado que "não houve consulta externa ou orientação em relação à sua remoção".
O painel, que foi adicionado a uma exposição no centro de visitantes do cemitério, foi avaliado em US$ 6,7 milhões (aproximadamente R$ 35 milhões) em 2024, tinha o título "Militares Afro-americanos na Segunda Guerra Mundial: Lutando em Duas Frentes".
Ele descrevia como os militares negros, "apesar da contínua luta pelos direitos civis em casa durante uma era de políticas racistas", se alistaram em todos os ramos e enfrentaram "os horrores da guerra".
Janice Wiggins pressionou pela instalação de um painel logo após a inauguração do centro em 2023, quando descobriu que nenhuma das informações ou exposições incluía qualquer menção aos soldados afro-americanos que enterraram os mortos ali.
Ela trabalhou com a ex-embaixadora dos EUA na Holanda Shefali Razdan Duggal e Mieke Kirkels, uma historiadora oral holandesa. O painel foi instalado meses depois.

Memórias do serviço militar
Jefferson Wiggins esperou até o final dos anos 2000 para revisitar as memórias do seu tempo de serviço, as quais ele relataria a Kirkels para uma entrevista após descobrir que era o último integrante negro que se sabia estar vivo de sua unidade.
A primeira pessoa que enterraram foi uma jovem alemã, relembrou Wiggins na história relançada em 2025.
Seu corpo havia sido mutilado por tiros de metralhadora; sua cabeça deformada pela explosão de uma granada.
Conforme as forças Aliadas avançavam, mais e mais corpos de jovens americanos chegavam em caminhões para Wiggins e seus homens os sepultarem.
Muitos haviam sido mortos durante operações aerotransportadas no leste ou durante os avanços em território alemão.
"Havia uma chegada permanente de corpos, o dia inteiro. Incluindo domingos, sete dias por semana. Ainda hoje acho difícil ler no jornal que os soldados 'deram suas vidas'... Todos aqueles rapazes em Margraten, suas vidas foram tiradas deles", afirmou Wiggins..
"E lá estávamos nós - este grupo de americanos negros tendo que lidar com estes corpos de americanos brancos", acrescentou ele.
"A dura realidade era que tínhamos que enterrar aqueles soldados, embora não pudéssemos sentar na mesma sala que eles quando estavam vivos", concluiu.
Para Wiggins, lembrar o que viu era um ato doloroso, mas necessário.
A esposa Janice afirmou que ele frequentemente lhe dizia que "as pessoas deveriam saber".
As contribuições dos soldados negros durante a guerra foram frequentemente negligenciadas — e em alguns casos perdidas para sempre.
Um incêndio no Centro Nacional de Registros de Pessoal em 1973 destruiu milhões de arquivos.
"Ele nunca quis que a história fosse sobre ele. Ele via sua história como um veículo", declarou ela.
Jefferson Wiggins, filho de um meeiro que mentiu sobre sua idade para se alistar no Exército, se tornou um educador vitalício e ativista dos direitos civis. Ele tinha 87 anos quando faleceu.
Remoção do memorial causa revolta
Theo Bovens, político holandês que lidera o projeto Libertadores Negros na Holanda, falou à CNN que políticos locais e regionais solicitaram à ABMC a reinstalação do painel.
Ele pediu também a reinstalação de outro memorial que destaca o técnico de 4ª Classe George H. Pruitt, um soldado negro de Camden, Nova Jersey, que morreu tentando salvar um companheiro que havia caído em um rio na Alemanha.
A ABMC informou à CNN na segunda-feira (10) que o painel de Pruitt está "temporariamente fora de exibição, mas não fora de rotação".
A parte da exposição que apresenta Pruitt e outros militares afro-americanos no cemitério, segundo a agência, possui painéis que foram "projetados para serem removidos e rotacionados".
Janice Wiggins disse à CNN que os painéis nunca foram destinados a fazer parte de uma exposição itinerante ou rotativa e foram planejados para ser uma parte permanente das exposições do Centro de Visitantes.
O prefeito de Eijsden-Margraten, no sul do país, solicitou formalmente à ABMC a reinstalação dos painéis. Ele insistiu que a comunidade valoriza as contribuições dos soldados americanos negros que ajudaram a libertar a Holanda dos nazistas há 80 anos.
O governo da Província de Limburg afirmou que espera fazer um apelo direto ao embaixador dos EUA na Holanda, Joe Popolo Jr..
"Os painéis expostos retratavam uma história que nunca devemos esquecer e com a qual podemos aprender muito — especialmente agora, quando as divisões globais estão sendo cada vez mais ampliadas", afirmou o órgão.



