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    Rússia afirma ter “libertado” o sul da Ucrânia, mas centenas fogem todos os dias

    Civis relatam situação de cidades e vilas com ocupação russa; resistência ucraniana continua

    Angus WatsonIvan WatsonOlha KonovalovaDan Hodgeda CNN

    Civis que escaparam da cidade de Kherson, controlada pela Rússia, no sul da Ucrânia, dizem que suas casas se tornaram irreconhecíveis desde que as tropas de Moscou começaram a ocupar a região no início de março.

    Depois de quatro meses vivendo sob o domínio russo, o agricultor Andrei Halilyuk viajou a pé, de ônibus, carro e um bote de borracha sobre um rio para chegar à cidade de Kryvyi Rih, controlada pela Ucrânia. O avô levou 12 horas em estradas às vezes cheias de minas terrestres.

    Ele chama os invasores de “bárbaros”. “Não há outra palavra para eles”, diz ele, descrevendo os combatentes pró-Rússia da região de Donetsk.

    Segundo relatos, há soldados bêbados carregando armas e granadas, saqueando propriedades e brigando entre si nas ruas.

    “Como é possível que as crianças estejam lá se estão andando bêbados com armas e granadas na aldeia. Como uma criança pode ver isso?”, Halilyuk pergunta.

    A falta de disciplina e confusão entre mercenários, separatistas e soldados em quem a Rússia confiou para atacar a Ucrânia contribuiu para o caos de sua ocupação.

    Halilyuk afirma que, em sua aldeia, combatentes da República Popular de Donetsk, pró-Rússia, se voltaram contra tropas russas enquanto tentavam roubar o carro de um homem local. O que resultou foi uma discussão feroz à mão armada entre dois grupos que deveriam estar do mesmo lado.

    “Eles quase atiraram um no outro”, conta. “Eles estavam brigando entre si. Eles engatilharam suas armas um para o outro”, complementa.

    “E eles vieram para nos libertar. De quem? Pedimos isso? Pedimos para você vir aqui?”, indaga.

    Todos os dias, cerca de 400 pessoas chegam a Kryvyi Rih vindas dos territórios ocupados pela Rússia e da zona de conflito, gratas por alcançar a relativa segurança da cidade industrial a cerca de 64 quilômetros ao norte da linha de frente.

    No total, mais de 61 mil pessoas se refugiaram lá desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro.

    Uma autoridade local em Kryvyi Rih disse à CNN que os administradores começaram a imprimir documentos para os deslocados no dia em que o conflito começou, prevendo o êxodo em massa que se seguiria.

    “Eu acordava todas as manhãs com explosões e tiros, depois ia dormir à noite com mais explosões e tiros”, relata Halilyuk.

    “Aqui está quieto. Sim, há sirenes de ataque aéreo de vez em quando, mas não é como se você estivesse na cama balançando para frente e para trás”, pontua.

    Kherson resiste

    Um contra-ataque ucraniano ao sul empurrou Kryvyi Rih para fora do alcance da artilharia russa, de acordo com a administração militar local. Mas nenhum lugar neste país está a salvo de ataques de mísseis russos.

    Agora, a Ucrânia está lançando seus próprios mísseis em Kherson – fazendo uso de equipamentos militares doados, como o sistema americano de foguetes móveis HIMARS, para atacar profundamente o território inimigo.

    Os militares dizem que os ataques a depósitos de munição russos e postos de comando em Kherson facilitaram a retomada de aldeias, aproximando-se de civis que, segundo eles, estão trabalhando para expulsar os invasores.

    Quando as tropas russas tomaram Kherson pela primeira vez, os moradores se reuniram com veículos blindados com protestos – brandindo a bandeira azul e amarela da Ucrânia.

    Agora, a ocupação cortou as comunicações da cidade com o mundo exterior, mas o governo ucraniano afirma que ainda existe um movimento de resistência local. Pichações anti-russas e efígies de tropas russas lembram os ocupantes de sua existência.

    “As pessoas têm um entendimento de que a liberação do território acontecerá, que os colaboradores e ocupantes não ficarão lá para sempre”, avaliou Nataliya Humeniuk, porta-voz do comando militar ucraniano no sul.

    “As pessoas não querem trabalhar com eles. Não querem ensiná-los o que fazem, não querem tratar seus soldados. Não querem. Isso é resistência”, ressalta.

    Forçado a ser russo

    Lar de cerca de 300 mil pessoas antes da guerra, Kherson é o maior centro populacional que a Rússia capturou nos cinco meses de campanha. Lá, a administração regional recém-instalada informou repetidamente que realizará um referendo sobre se tornar um membro “de pleno direito” da Federação Russa.

    Os Estados Unidos acreditam que esse esforço da Rússia para anexar formalmente a região de Kherson, bem como partes de Zaporizhzhia, Donetsk e Luhansk, pode acontecer antes do final deste ano.

    O rublo seria estabelecido como a moeda oficial e os ucranianos seriam forçados a solicitar a cidadania russa, informou a Casa Branca na terça-feira (19).

    O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, pareceu confirmar essas intenções em 20 de julho, quando disse que os objetivos geográficos de Moscou agora se estendiam além de Donetsk e Luhansk, mas também para a “região de Kherson, Zaporizhzhia e vários outros territórios”.

    Em Kherson, o rublo já está em circulação e os formulários oficiais são distribuídos em russo – quer os habitantes locais falem o idioma ou não.

    O endocrinologista local Maksim Ovchar relata que ajudou seus vizinhos de língua ucraniana traduzindo esses formulários, mas se recusou a trabalhar para a administração imposta.

    “Perdi meu emprego. Minha casa. Alguns dos meus amigos eu perdi, eles (foram) assassinados pelos russos”, diz ele.

    O jovem de 26 anos encontrou uma equipe da CNN em um centro de recepção para deslocados em Kryvyi Rih, onde caiu em prantos, admitindo que estava envergonhado por estar auxiliando nos formulários.

    “Eles queriam me cooptar, me tornar membro da administração da ocupação em saúde pública. Eu era o último endocrinologista da cidade e provavelmente da região. Porque todos fugiram”, afirma.

    Dr. Ovchar diz que foi detido duas vezes por sua rebeldia, com russos armados ameaçando sua família antes de fugirem de Kherson com sua avó. Ovchar escolheu o dia 7 de julho para viajar, quando, segundo ele, as tropas comemoravam bêbadas o aniversário de uma vitória militar mais antiga em Luhansk, no leste da Ucrânia.

    Fuga bloqueada

    Muitas das principais rotas de Kherson foram fechadas pelo exército russo. Na cidade fronteiriça de Zelenodolsk, a uma hora de carro ao sul de Kryvyi Rih, centenas de bicicletas abandonadas indicam fugas improvisadas.

    Imagens recentes de drones capturadas por um soldado ucraniano mostram uma coluna de mulheres, crianças e idosos caminhando por uma estrada empoeirada em busca de segurança. Carros foram baleados em outras estradas, dizem fugitivos. A cidade foi bombardeada pelos russos em vários dias desta semana.

    No centro de recepção Kryvyi Rih, o rosto do Dr. Ovchar se contorce de lágrimas e raiva quando ele admite que seu ódio pela guerra da Rússia o levou a questionar seu próprio Juramento de Hipócrates.

    Médicos ucranianos trataram soldados russos feridos quando chegaram ao hospital após uma briga com a resistência local. Agora, ele diz, ele os mataria se tivesse a chance.

    “Apesar do medo e de eu ser médico, não posso me permitir fazer mal a uma pessoa, mas vou lhe dizer honestamente que mataria um russo se eu tivesse uma arma”, destaca.

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