Venezuela tem a 50ª maior força militar; entenda o poderio bélico do país

Com um exército numeroso e equipamentos majoritariamente russos, a Força Armada Nacional Bolivariana conseguiu se mostrar como uma potência militar regional

Germán Padinger, da CNN
Membros da Milícia Nacional Bolivariana se reúnem após responder ao apelo do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para defender a soberania nacional em meio à escalada de tensões com os EUA05/09/2025  • REUTERS/Juan Carlos Hernandez
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Em um continente com poucas guerras e um escasso militarismo em sua história recente, a Força Armada Nacional Bolivariana da Venezuela (FANB) conseguiu se mostrar, nas últimas duas décadas, como uma potência militar regional que foge ao padrão da região.

Grande parte dessa imagem foi forjada por meio da aquisição contínua de equipamentos russos a partir do governo de Hugo Chávez. Mas mesmo antes, quando o país ainda comprava armas dos EUA, a Venezuela já aparecia como um forte investidor em material bélico.

Sistemas de armas como os caças Su-30, os tanques T-72, os mísseis antiaéreos S-300, Pechora e Buk, os portáteis Igla-S e até os fuzis da família Kalashnikov — todos fabricados na Rússia e projetados na era soviética — deram à FANB uma imagem distinta, repetida pela emissora estatal VTV e nas redes sociais, em comparação com as Forças Armadas da região, em sua maioria equipadas com armamento norte-americano ou europeu.

Agora, o enorme deslocamento aeronaval dos Estados Unidos no Caribe pode colocar à prova a FANB e a imagem de poder que se esforçou para construir em 25 anos de chavismo.

Os EUA enviaram quase uma dezena de navios de guerra, incluindo um cruzador, três destróieres, navios de assalto anfíbio — com uma unidade de infantaria de Fuzileiros Navais a bordo — e um submarino.

Além disso, 10 caças furtivos F-35 foram deslocados para Porto Rico. Uma força formidável que é apenas uma fração do poder militar norte-americano: nesta operação do Comando Sul, liderada por unidades da Marinha — mas sem porta-aviões —, ainda não houve participação do Exército nem da Força Aérea.

Poderio da Venezuela

No papel, a Venezuela possui uma Força Armada bem equipada.

Mas o estado de manutenção dos equipamentos e o treinamento do pessoal são incógnitas em um país que já soma mais de uma década de penúrias econômicas, entre inflação, queda da atividade e redução da produção de petróleo — seu principal produto —, além de um governo no poder há 25 anos sob acusações de violações de direitos humanos e repressão à dissidência.

De qualquer forma, como consequência do colapso econômico e das tensões políticas permanentes, cerca de 7,9 milhões de venezuelanos — muitos deles jovens em idade de prestar serviço militar — abandonaram o país, segundo o ACNUR.

De acordo com o Balanço Militar 2024, do International Institute for Strategic Studies (IISS), após anos de paralisação o governo da Venezuela “retomou recentemente modestos esforços de manutenção e modernização”.

No ranking 2025 elaborado pelo site Global Fire Power, a FANB ocupa a 50ª posição entre 145 países. Os EUA estão em 1º, enquanto vizinhos como Colômbia (46º) e Brasil (11º) superam a Venezuela.

Atualmente, a FANB conta com cerca de 123 mil soldados ativos: Exército (63 mil), Armada (25.500), Aviação Militar (11.500) e Guarda Nacional (23 mil), segundo o IISS. Além disso, há 8 mil reservistas.

O tamanho e a real capacidade das milícias, criadas em 2008 pela Lei Orgânica da FANB, são incertos.

No centro, o Exército Bolivariano

Com 63 mil membros, as forças terrestres são as mais numerosas e históricas, além das mais alinhadas ao governo venezuelano.

O falecido Hugo Chávez, o ministro do Interior e número dois do governo, Diosdado Cabello, e o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, são alguns dos nomes-chave que vieram do Exército.

Potencialmente, são ainda mais: segundo o então chefe do Comando Sul dos EUA, almirante Craig Faller, a FANB teria cerca de 2 mil generais e almirantes em 2019 — “mais que em toda a OTAN”, afirmou no Congresso norte-americano.

A CNN procurou o Ministério da Defesa da Venezuela para confirmar os números, que parecem desproporcionais frente aos cerca de 800 generais nos EUA para Forças Armadas dez vezes maiores, mas não obteve resposta.

“Equador é um convento, Colômbia é uma universidade e Venezuela é um quartel”, diz um famoso ditado atribuído a Simón Bolívar (na verdade de autoria do ensaísta equatoriano Juan Montalvo), que resume a relação dos venezuelanos com o Exército.

O Exército é chefiado pelo major-general Johan Alexander Hernández Lárez, subordinado ao comando político de Maduro e Padrino López e ao comando operacional do general em chefe Domingo Antonio Hernández Lárez.

Entre o armamento russo adquirido nos últimos anos estão 92 tanques T-72B1, similares aos que combatem hoje na Ucrânia, e 123 blindados de transporte BMP-3, que equipam brigadas blindadas ao lado de 81 tanques AMX-30 comprados anteriormente da França.

Na artilharia, destacam-se sistemas russos como os canhões autopropulsados Msta-S e os lançadores de foguetes Smerch.

Aviação militar concentra tecnologia

Com 11.500 membros, a Aviação Militar é a menor das forças, mas ganhou maior relevância nas últimas décadas graças à compra de material russo que a destacou na região. É comandada pelo major-general Lenín Lorenzo Ramírez Villasmil.

O destaque está nos Sukhoi Su-30MK2, caças bimotores de alto desempenho desenvolvidos nos anos 1980 pela União Soviética, sem equivalentes na América Latina.

Em setembro, em meio à escalada de tensões com os EUA, a FANB divulgou vídeos de dois Su-30 armados com mísseis antinavio Kh-31 — também russos —, exibindo seu sistema de armas mais avançado.

Ainda assim, houve acidentes: quatro dos 25 Su-30 entregues ao país caíram. Segundo a ONG venezuelana Control Ciudadano, os acidentes revelam a “opacidade” dos relatórios oficiais e possíveis “problemas de obsolescência, manutenção e falta de peças”.

Os Su-30 operam ao lado de alguns poucos e antigos caças F-16 comprados dos EUA antes da chegada de Chávez, que marcou a guinada geopolítica rumo à Rússia e depois à China.

Além dos esquadrões aéreos, a defesa antiaérea foi uma das principais áreas de investimento da Venezuela: o país opera 12 baterias de mísseis S-300 de longo alcance, 9 sistemas Buk e 44 Pechora de médio alcance, além de numerosos lançadores portáteis Igla-S, segundo o IISS.

Serbin Pont ressalta que a Venezuela possui um sistema de defesa aérea avançado, mas que, em caso de conflito, provavelmente seria o primeiro alvo a ser neutralizado.

Baixa capacidade da força armada

Entre as três principais forças da FANB, a Armada — cuja área de operações é o Caribe — foi a mais deixada de lado nas compras de armamento e é hoje a de menor capacidade.

O almirante Ashraf Suleimán Gutiérrez comanda os 25.500 membros da Armada Bolivariana, que atualmente conta apenas com uma fragata classe Mariscal Sucre (fabricada na Itália) e um submarino tipo 209 (alemão) em sua frota, segundo o IISS.

Também dispõe de nove navios de patrulha oceânica e costeira, quatro deles comprados da Espanha.

“A Armada perdeu muitos meios que tinha antes do chavismo e eles não foram totalmente substituídos. As corvetas compradas da Espanha nunca receberam armamento, até que, há alguns anos, foram equipadas com mísseis antinavio chilenos e iranianos, mas ainda sem sistemas viáveis de defesa antiaérea”, afirmou Serbin Pont.

E as milícias?

Em meio à escalada com os EUA, Maduro deu destaque às milícias em seus discursos e aparições públicas.

“Vou ativar um plano especial para garantir a cobertura com mais de 4,5 milhões de milicianos em todo o território nacional. Milícias preparadas, ativadas e armadas”, declarou em agosto, dias após o deslocamento naval norte-americano.

Essas milícias “camponesas e operárias” viriam de “todas as fábricas e centros de trabalho do país”, explicou Maduro. “Mísseis e fuzis para a classe trabalhadora, para que defenda nossa pátria”, acrescentou.

Serbin Pont distingue entre as milícias tradicionais, formadas por reservistas com experiência militar, e as exibidas pelo governo em transmissões da VTV e redes sociais, cujo papel na defesa seria “quase inexistente”.

“Essas pessoas não têm capacitação suficiente. Não há uma estrutura armada real para mobilizar esses elementos, e eles não seriam eficazes em combate. Acredito que sirvam muito mais como rede de inteligência e ameaça repressiva contra a população civil, já que se baseiam numa rede que penetra toda a sociedade”, explicou.

Se a Venezuela tem meios militares para se defender, dificilmente seriam essas milícias. Mas anos de crise econômica e política também colocaram em dúvida a capacidade de Forças Armadas que sempre pareceram sólidas e mantêm um vínculo profundo com o chavismo.