Xi e Putin se reúnem em Pequim enquanto tensões com os EUA se agravam
Viagem de Putin seria apenas a sua segunda ida ao exterior neste ano, após visita ao Quirguistão


O presidente russo, Vladimir Putin, e o líder chinês, Xi Jinping, devem discutir a guerra de Israel contra o Hamas nessa semana, quando Putin chegar como convidado de honra a um fórum em Pequim — uma viagem ao exterior excepcionalmente rara para o líder, que está diplomaticamente isolado.
Os dois se reuniram em Pequim para a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, e desenvolveram com confiança a sua visão para uma nova ordem internacional que não fosse mais dominada pelos Estados Unidos e pelos seus aliados democráticos.
Agora, quase dois anos depois, e com as divisões geopolíticas mais rígidas a nível global, os dois autocratas mais poderosos do mundo se preparam para um novo encontro na capital chinesa.
A reunião ocorre sob a sombra do conflito, com a invasão da Ucrânia pela Rússia — lançada apenas três semanas após a última reunião dos líderes em Pequim — e a guerra de Israel contra o Hamas, que agora ameaça escalar a nível regional.
Tanto Pequim como Moscou criticaram as ações de Israel em resposta a um ataque do grupo radical islâmico Hamas na semana passada e pediram um cessar-fogo, na mais recente demonstração dos esforços das duas potências para intensificar a sua liderança alternativa à dos Estados Unidos. Os americanos reafirmam o direito de Israel de retaliar.
Espera-se que chefes de Estado, representantes e delegações de mais de 140 países participem no emblemático evento diplomático de dois dias da China, que começa na terça-feira (17).
O fórum marca 10 anos desde o início da campanha de financiamento global de infraestrutura de Xi, e apresenta ao líder chinês uma oportunidade de projetar as crescentes ambições globais de Pequim.
Uma viagem rara
Putin, que poucas vezes deixou o bloco das antigas nações soviéticas desde o início da sua guerra, é rejeitado pelo Ocidente e procurado por um tribunal internacional por supostos crimes de guerra.
Especialistas dizem que ele também não está disposto a viajar para qualquer lugar onde sinta que sua segurança pessoal não pode ser absolutamente garantida. Ele teria feito sua primeira viagem para fora do território controlado pela Rússia neste ano na semana passada, com uma visita ao Quirguistão.
Mas, apesar das mudanças envolvendo Putin desde a sua última visita a Pequim, os dois líderes têm se tornado cada vez mais alinhados na apresentação de uma visão de mundo alternativa à oferecida pelo Ocidente. China e Rússia procuram trazer mais países para o lado dos seus esforços para alterar um equilíbrio global de poder.
Numa entrevista à emissora estatal da China antes do evento, Putin elogiou Xi, chamando o presidente chinês de “firme, calmo, pragmático e confiável — um verdadeiro líder mundial” e elogiando a sua “abordagem única de lidar com outros países”. O presidente russo disse que o colega não demonstrou imposição ou coerção e proporcionou oportunidades a outros.
Putin e Xi, que frequentemente se referem à sua estreita amizade, encontraram-se 40 vezes na última década, incluindo duas vezes desde o início da guerra na Ucrânia.
Durante a última visita do russo a Pequim, os dois divulgaram uma declaração conjunta de 5.000 palavras declarando uma amizade “sem limites” e sublinhando o seu profundo alinhamento contra o Ocidente.
Participar do fórum será uma oportunidade significativa para Putin “alcançar exposição internacional e mostrar que a Rússia ainda tem um forte amigo na China”, disse Li Mingjiang, professor associado de relações internacionais na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura.
“E, para a China, ter um ator internacional importante como Putin se juntando à reunião de cúpula também é politicamente importante”, acrescentou. Caso contrário, espera-se que o fórum — o evento culminante do ano diplomático de Xi — inclua líderes de nações em desenvolvimento e de rendimento médio menos influentes.
Vídeo: China aumenta apoio à Rússia na Guerra da Ucrânia, diz EUA
Parceria com ressalvas
A invasão da Ucrânia pela Rússia pôs à prova a crescente relação China-Rússia como nenhum outro evento na história recente. Ela colocou Pequim sob forte pressão das nações ocidentais devido aos seus laços estreitos com o seu vizinho do norte e levantando questões sobre se Xi tinha conhecimento prévio do plano de Putin.
Desde então, Pequim reivindicou neutralidade no conflito e apelou à paz nos últimos meses. A China intensificou seus esforços para ser vista como um potencial mediador da paz, já que as preocupações sobre os seus laços estreitos com a Rússia prejudicaram ainda mais as suas relações com a Europa e os Estados Unidos.
Mas a segunda maior economia do mundo também se tornou uma válvula de escape fundamental para uma Rússia dominada por sanções, que agora depende dela para compras de bens e energia. Os dois países também aprofundaram suas interações numa série de áreas desde o início da guerra.
No ano passado, a Rússia e a China registraram um comércio recorde, que continuou a crescer em 2023.
Os dois países expandiram a cooperação em segurança através de mais exercícios militares conjuntos e de um diálogo oficial robusto, dizem os especialistas, e continuaram a aprofundar os laços diplomáticos.
Isso inclui os de Putin e Xi, que no início deste ano escolheu uma visita a Moscou como a primeira viagem ao exterior como símbolo do seu terceiro mandato como presidente da China.
“A China tenta, retórica e simbolicamente, colocar uma certa distância entre ela e a Rússia quando se trata de falar com o público ocidental”, disse Alex Gabuev, diretor do grupo de reflexão Carnegie Russia Eurasia Center, em Berlim.
“(Mas) mesmo que não seja oficialmente apelidada de ‘parceria sem limites’, (a relação China-Rússia) tornou-se, em termos reais, mais sólida, robusta e profunda”, disse ele.
Pressionar pela paz?
O fórum organizado em Pequim acontece no momento em que Israel sinaliza que pode lançar uma invasão terrestre na Faixa de Gaza governada pelo Hamas e apresenta a Putin a oportunidade de desviar a atenção global da sua guerra na Ucrânia, dizem os analistas.
Espera-se que Moscou apresente uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas pedindo um cessar-fogo, sem nomear o Hamas. O representante da Rússia na ONU comparou, na sexta-feira (13), o bombardeio diário de Gaza controlado pelo Hamas por Israel ao cerco brutal de Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial.
No outro extremo do espectro histórico, o presidente dos EUA, Joe Biden, descreveu o ataque do Hamas como o pior massacre de judeus desde o Holocausto.
Veja imagens da guerra entre Israel e Hamas
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Acredita-se que o Hamas esteja abrigando no subsolo um número considerável de combatentes e armas • Reuters
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O conflito entre Israel e Hamas começou em 7 de outubro quando o grupo extremista islâmic disparou uma chuva de foguetes lançados da Faixa de Gaza sobre o país judaico. A ofensiva contou ainda com avanços de tropas por terra e pelo mar • Reuters
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Foguetes disparados em Israel a partir de Gaza • REUTERS/Amir Cohen
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Após os ataques aéreos, o Hamas avançou no território israelense e invadiu a área onde estava acontecendo um festival de música eletrônica; mais de 260 corpos foram encontrados no local • Reprodução CNN
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Carros foram deixados para trás pelos motoristas que tentavam fugir do grupo extremista islâmico • Reuters
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Imagens mostram carros abandonados e sinais de explosões após ataque em festival de música eletrônica em Israel • Reuters
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As forças israelenses responderam com uma contraofensiva que atingiu Gaza e deixou vítimas, inclusive, em campos de refugiados. Israel declarou "cerco total" e suspendeu o abastecimento de água, energia, combustível e comida ao território palestino • 13/10/2023 REUTERS/Violeta Santos Moura
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Destruição em campo de refugiados palestinos em Gaza após ataque aéreo de Israel • Reuters
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Pessoas carregam o corpo de palestino morto em ataque israelense no campo de refugiados de Jabalia, no norte da Faixa de Gaza • 09/10/2023 REUTERS/Mahmoud Issa
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Campo de refugiados palestinos atingido em meio a ataques aéreos israelenses em Gaza • Reuters
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Prédios destruídos na Faixa de Gaza • Ahmad Hasaballah/Getty Images
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Escombros de prédio destruído após sataques em Sderot, no sul de Israel • Ilia Yefimovich/picture alliance via Getty Images
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Delegacia destruída no sul de Israel após ataque do Hamas • REUTERS/Ronen Zvulun
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Palestinos queimam pneus de carros e bloqueiam estradas enquanto entram em confronto com as forças israelenses no distrito de Beit El, em Ramallah, na Cisjordânia • Anadolu Agency via Getty Images
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As Brigadas Izz ad-Din al-Qassam seguram uma bandeira palestina enquanto destroem um tanque das forças israelenses em Gaza • Hani Alshaer/Anadolu Agency via Getty Images
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Bombeiros tentaram apagar incêndios em Israel após bombardeio de Gaza no sábado (7) • Reuters
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Foguetes disparados de Gaza em direção a Israel na manhã de sábado (7) • CNN
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Veja como funciona o sistema antimíssil de Israel • CNN
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Ataque israelense na Faixa de Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Casas e prédios destruídos por ataques aéreos israelenses em Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Shadi Tabatibi
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Tanque de guerra israelense estacionado perto da fronteira de Gaza • Ahmed Zakot/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
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Imagens se satélite mostram destruição na Faixa de Gaza • Reprodução/Reuters
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Salva de foguetes é disparada por militantes do Hamas de Gaza em direção a cidade de Ashkelon, em Israel, em 10 de outubro de 2023. • Saeed Qaq/Anadolu via Getty Images
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Salva de foguetes é disparada por militantes do Hamas de Gaza em direção a cidade de Ashkelon, em Israel, em 10 de outubro de 2023. • Majdi Fathi/NurPhoto via Getty Images
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Barco de pesca pega fogo no porto de Gaza após ser atingido por ataques de Israel. • Reuters
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Palestinos caminham em meio a destroços de prédios destruídos por Israel em Gaza • 10/10/2023REUTERS/Mohammed Salem
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Palestinos caminham em meio a destroços de prédios em Gaza destruídos por ataques de Israel • 09/10/2023REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Soldados israelenses carregam corpo de vítima de ataque realizado por militantes de Gaza no kibbutz de Kfar Aza, no sul de Israel • 10/10/2023 REUTERS/Violeta Santos Moura
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Destruição em Gaza provocada por ataques israelenses • 10/10/2023REUTERS/Mohammed Salem
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Ataque israelense na Faixa de Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Casas e prédios destruídos por ataques aéreos israelenses em Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Shadi Tabatibi
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Munição israelense é vista em Sderot, Israel, na segunda-feira • Mostafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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Tanque de guerra israelense estacionado perto da fronteira de Gaza • Ahmed Zakot/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
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Chamas e fumaça durante ataque israelense a Gaza • 09/10/2023REUTERS/Mohammed Salem
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Sistema antimísseis de Israel intercepta foguetes lançados da Faixa de Gaza • 09/10/2023REUTERS/Amir Cohen
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Hospital na Faixa de Gaza usa geladeiras de sorvete para colocar cadáveres devido à superlotação do necrotério • Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images
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Fumaça sobe após um ataque aéreo israelense no oitavo dia de confrontos na Faixa de Gaza, em 14 de outubro de 2023 • Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images
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Homem palestino lava as mãos em uma poça ao lado de um prédio destruído após os ataques israelenses na Cidade de Gaza • Ahmed Zakot/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
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Embaixada dos EUA no Líbano é alvo de protestos • Reprodução CNN
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Palestinos protestam na Cisjordânia contra ataques de Israel
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Hospital em Gaza é atingido por um míssil • Reprodução
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Hospital atacado em Gaza • Reprodução
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Palestinos procuram vítimas sob escombros de casas destruídas por ataque israelense em Rafah, no sul da Faixa de Gaza • 17/10/2023REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Cidadã palestina inspeciona sua casa destruída durante ataques israelenses no sul da Faixa de Gaza em 17 de outubro de 2023 em Khan Yunis • Ahmad Hasaballah/Getty Images
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Tanque de guerra israelense • Saeed Qaq/Anadolu via Getty Images
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Ataque de Israel contra Gaza • 11/10/2023REUTERS/Saleh Salem
A China disse que enviará o seu enviado ao Oriente Médio para encorajar conversações e condenou “todos os atos que prejudicam civis”, mas não direcionou explicitamente essa condenação ao Hamas, nem nomeou o grupo nas suas declarações.
Durante uma enxurrada de telefonemas diplomáticos nos últimos dias, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse que as ações de Israel “ultrapassaram o âmbito da autodefesa”.
As declarações de ambos os países contrastam com as dos EUA, que deixaram claro o seu firme apoio a Israel — e sinalizaram que não consideram que este seja o momento apropriado para um cessar-fogo.
Espera-se que Xi e Putin discutam o conflito na sua próxima reunião — onde a guerra da Rússia na Ucrânia provavelmente também estará presente.
Também nesse conflito a China tentou se posicionar como um potencial mediador.
Mas quando surge o interesse da China em pressionar o líder russo a pôr fim à sua invasão, Xi pode ser cauteloso para não tomar qualquer medida que possa prejudicar as relações.
Isto acontece especialmente porque ele provavelmente observa uma potencial mudança nas posições globais sobre o conflito, entre sinais de mudança de atitudes, pelo menos em algumas partes da Europa — e uma próxima eleição nos Estados Unidos no próximo ano poderá desencadear uma mudança significativa no nível de apoio à Ucrânia.
“Até agora não vemos qualquer sinal de que a China esteja disposta a usar a sua vantagem (para pressionar a Rússia)”, disse Li em Singapura.
“Os decisores políticos chineses não querem ver o menor nível de desconfiança entre Pequim e Moscou.”
Veja também: Moscou diz estar em contato com o Hamas
Com informações de Alex Stambaugh, Mengchen Zhang e Richard Roth