"Mankeeping": entenda sobrecarga feminina ao cuidar das emoções dos homens

Termo recente define comportamento já antigo de mulheres assumirem o papel de terapeutas dos homens com que se relacionam; especialistas explicam as consequências disso

Gabriela Maraccini, da CNN
"Mankeeping" é um termo recente criado para descrever o trabalho emocional e psicológico que muitas mulheres exercem ao “manter” o bem-estar dos homens com quem se relacionam  • Daniel de la Hoz/GettyImages
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Por gerações, as mulheres assumiram o papel de cuidadoras emocionais e do bem-estar dos homens com quem se relacionam -- seja parceiro, irmão, amigo ou pai. Lembrá-los de consultas médicas, ouvir desabafos, controlar gatilhos de raiva, resolver conflitos por eles e incentivá-los a se abrirem emocionalmente são alguns exemplos desse trabalho. Um termo criado recentemente define esse comportamento: "mankeeping", uma junção "man" (homem) e "keeping" (manutenção).

A pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Stanford, na Califórnia, EUA, foi quem criou a expressão que viralizou recentemente na internet. "É quando a mulher se sente responsável por administrar, gerenciar os sentimentos, crises, inseguranças e até o equilíbrio mental do homem, como se ela tivesse que garantir que tudo fique bem para que, assim, o relacionamento funcione, dê certo, perpetue", analisa Pamela Magalhães, psicóloga e terapeuta de casal e família, à CNN.

Para a especialista, isso vai além do carinho e da parceria saudável, podendo trazer uma espécie de sobrecarga silenciosa. "Muitas vezes a mulher se distancia de si mesma ao assumir esse papel de sustentação emocional, esquecendo os próprios contornos, limites e necessidades, passando por cima de si", afirma.

A psicóloga clínica e pesquisadora Ramani Durvasula diz que esse fenômeno é uma extensão do que a socióloga Arlie Hochschild já descrevia nos anos 1980 como “trabalho emocional”, originalmente vinculado ao ambiente de trabalho e depois aplicado às relações afetivas.

"Hochschild alertava que, dentro das famílias heterossexuais, o trabalho emocional é desigualmente distribuído, recaindo, majoritariamente, sobre as mulheres, o que eu vou chamar de assimetria de gênero", explica Ana Tomazelli, psicanalista e presidente do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino (Ipefem), à CNN.

Termo é novo, mas o comportamento não

Embora o termo "mankeeping" seja recente e tenha ganhado popularidade nas redes sociais, o comportamento que ele nomeia é bastante antigo. Por várias gerações, as mulheres foram condicionadas, cultural e historicamente, a serem a figura que sabe amar, que entende o outro, que é compreensiva e que "aguenta mais", do ponto de vista de Magalhães.

"Só que hoje, com mais consciência emocional, redes sociais e acessos às informações que a gente tem, esse comportamento está sendo nomeado e questionado. A diferença, neste momento, é que falamos mais sobre isso", afirma a psicóloga. "Nós olhamos para essas dinâmicas e percebemos o quanto elas se repetem de forma automática, muitas vezes disfarçadas de amor ou maturidade", completa.

Além disso, existe também um aspecto relacional por trás desse comportamento. Muitas mulheres acreditam que, ao "salvar" emocionalmente o parceiro, serão valorizadas e amadas, e o relacionamento durará mais tempo. A isso, soma-se o mito do “homem em construção” — uma crença difundida culturalmente de que cabe à mulher “ensinar” ao parceiro como amar ou amadurecer emocionalmente, segundo Tomazelli.

Outro fator que pode estar associado ao "mankeeping" é a falta de educação emocional masculina. "A socialização emocional dos meninos ainda é marcada por tabus, estigmas e omissões. Pesquisas do APA (American Psychological Association) mostram que, desde cedo, os meninos são desencorajados a expressar emoções como tristeza ou medo, enquanto são incentivados a reagir com raiva ou indiferença", explica a psicanalista, que acrescenta que essa "analfabetização emocional" masculina gera adultos com dificuldades em nomear, processar e comunicar suas emoções.

Impacto na saúde da mulher pode ser profundo

O "mankeeping" pode trazer uma sobrecarga emocional para a mulher, com consequências profundas para o bem-estar mental, segundo as especialistas.

"Quando a mulher se responsabiliza pela dor e pelas questões emocionais do outro, ela se anula, se esgota, se silencia, começa a sentir que nunca é suficiente, que nunca é o bastante, que o relacionamento é sempre uma batalha e que, se ela parar, tudo desmorona", analisa Magalhães.

Essas sensações podem gerar ansiedade, angústia, depressão, baixa autoestima, esgotamento emocional e sentimento de solidão e carência.

"Há, ainda, o risco de negligência consigo mesma: muitas mulheres deixam de investir em seus próprios projetos, amizades e autocuidado para atender às demandas emocionais do parceiro. Essa sobrecarga emocional crônica também pode afetar o sono, o apetite, a produtividade e o senso de valor pessoal", completa Tomazelli.

Como romper com o "mankeeping"?

O desequilíbrio entre o "oferecer e entregar muito" da mulher e o "receber pouco" do homem pode trazer consequências negativas para o relacionamento, gerando, inclusive, um ciclo tóxico: a mulher pode se ressentir por não ter suas próprias necessidades atendidas, e o homem pode desenvolver uma postura passiva e dependente, de acordo com Tomazelli.

"Além disso, esse padrão impede que os homens desenvolvam autonomia emocional — um fator essencial para que possam amadurecer e corresponsabilizar-se pelas dinâmicas do casal", afirma.

A boa notícia é que, se for da vontade da mulher, é possível romper com esse comportamento sem abandonar o parceiro ou deixar de oferecer apoio a ele. O segredo para isso, segundo as especialistas, é estabelecer limites saudáveis.

"Você pode escutar, acolher, porque é super importante, mas também precisa saber o momento de dizer 'olha, eu te apoio, mas você precisa buscar ajuda, terapia, caminhos para se entender'. É sair do lugar de terapeuta e ocupar o lugar de parceira", diz Magalhães.

Tomazelli também lista algumas dicas, mas reitera que a mulher não deve assumir essa responsabilidade sozinha. As estratégias incluem:

  • Nomear o padrão: conversar abertamente sobre a sobrecarga emocional que a mulher sente e como isso afeta a relação;
  • Estabelecer limites emocionais: por exemplo, recusar-se a assumir o papel de mediadora constante ou lembrar o parceiro de todas as suas responsabilidades afetivas;
  • Incentivar terapia individual e de casal: para que ambos possam desenvolver repertório emocional e lidar com conflitos de maneira mais madura;
  • Reequilibrar os papéis: dividir tarefas emocionais, como lidar com crises familiares, tomar a iniciativa em conversas difíceis ou refletir sobre os próprios sentimentos.

"Essa mudança exige coragem, mas pode fortalecer o vínculo e promover relações mais saudáveis, empáticas e adultas", finaliza Tomazelli.