Mostra de Frans Krajcberg chega em momento crucial da nossa história, diz curador do MuBE
Em conversa com a CNN, Diego Matos fala sobre o artista que foi uma figura fundamental na história do ativismo e um dos primeiros a abordar a questão ambiental no Brasil
Atualmente nas manchetes, o desmatamento da Amazônia, as mudanças climáticas e a demarcação de terras indígenas são assuntos marcantes – e definidores – nas obras de Frans Krajcberg.
Um artista à frente de seu tempo que, ainda nos anos 1970, escreveu, ao lado de Pierre Restany, crítico de arte e filósofo cultural francês, e do também artista Sepp Baendereck, o Manifesto do Naturalismo Integral, um documento que surge após uma expedição pelo Rio Negro, na Amazônia, e que foi totalmente documentada por meio de fotos, vídeos e um diário.
Nesse manifesto, as primeiras palavras já mostravam a que veio: “A Amazônia constitui hoje, sobre o nosso planeta, o ‘último reservatório’, refúgio da natureza integral”.
Para celebrar o centenário de nascimento de Frans Krajcberg, morto em 2017, aos 96 anos, o Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia, o MuBE, em São Paulo, organizou a exposição “Frans Krajcberg: por uma Arquitetura da Natureza”, uma coletânea de 160 obras do artista, muitas vindas de lugares como o Sítio Natura, em Nova Viçosa, Bahia, onde ele realizou grande parte de sua produção.
A mostra foi organizada em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia (IPAC), e fica em cartaz até o dia 31 de julho.
“Essa exposição está acontecendo em um momento muito particular na nossa história”, afirma Diego Matos, curador do MuBE.
Polonês naturalizado brasileiro, Krajcberg foi um escultor, pintor, gravador e fotógrafo, além de ativista. Seu trabalho é centrado em explorar elementos da natureza, associando arte e defesa do meio ambiente.
No MuBE, os visitantes encontram suas esculturas, criadas a partir de troncos de madeira e raízes carbonizadas recolhidas em desmatamentos e queimadas.
A exposição também marca o início dos trabalhos de preservação, conservação e divulgação de seu acervo e do Sítio Natura, onde ele vivia, e que foram doados por ele ao governo da Bahia.
“O centenário foi no ano passado, mas não houve nenhuma iniciativa até então, a não ser na França, na instituição que leva seu nome em Paris”, conta o curador.
Segundo ele, Krajcberg foi uma figura fundamental na história do ativismo e um dos primeiros artistas a abordar a questão ambiental por meio de seu trabalho. Mas não só isso.
“Ele também fazia parte da formação das vanguardas europeias, conviveu com muitas pessoas que tinham um forte engajamento político lá fora”, conta. “Nos anos 1960, participou do movimento artístico na França chamado de Novo Realismo. Ao mesmo tempo, descobriu o encantamento pela riqueza natural e cultural do Brasil”.
Esse encantamento o levou para vários lugares no Brasil, sempre engajado na questão ambiental. No Paraná, acompanhou a primeira operação em uma fábrica de celulose. Em Minas Gerais, viu de perto a devastação das terras do estado com a mineração. Passou também pela Amazônia, Pantanal até conhecer o sul da Bahia, onde criou o Sítio Natura em 1973.
Conheceu a região por meio do amigo e arquiteto Zanine Caldas e lá plantou milhares de mudas de Mata Atlântica. “As pessoas confundem, mas o trabalho dele começa em um ativismo voltado para a Mata Atlântica”, conta Matos.
Não à toa sua trajetória o levou, anos mais tarde, a ter um papel imprescindível na criação de projetos como o SOS Mata Atlântica. “Lembro que na ECO 92, ele era uma das personalidades mais faladas”, continua o curador.
Desde a abertura da exposição, 400 crianças de escolas públicas de São Paulo já entraram em contato com as obras do artista. Para Matos, esse é caminho.
“Um museu em São Paulo trazendo essa discussão, mostrando a potência da arte enquanto elemento deflagrador de debate, é sorte. É importante levar para dentro do circuito oficial um tema que é onipresente hoje”, diz ele, que também tem uma opinião pessoal sobre o tema.
“Faço das palavras do ativista Sydney Possuelo as minhas. Esse é o pior momento da história brasileira em relação ao tema. Acredito que o Brasil de fato não sabe olhar para a potência que é a Amazônia. Estamos vivendo com as mesmas premissas do século 20.”
Matos, que é arquiteto e paisagista, assumiu a curadoria do MuBE em janeiro deste ano e conta que tem como premissa reativar a proposta inicial do museu, de olhar para a escultura e a ecologia.
“O pensamento escultório mudou muito nos últimos anos, quero que isso compareça de alguma forma na nossa programação. Ao mesmo tempo, quero olhar para as produções brasileiras que ficaram à margem e que merecem destaque na mídia. Mais produções de artistas mulheres e pessoas como o Frans, que não se encaixaram num debate público.”