Avanço em migração para os EUA na pandemia esvazia cidade mineira de Alpercata
Falta mão de obra à padaria da cidade, funcionários públicos abandonaram os cargos e os times de futebol local estão ficando sem jogadores
Depois de uma despedida aos prantos, Ana Paula Souza, o marido e o filho de colo partiram para os Estados Unidos, uma de centenas de famílias que deixaram a pequena cidade mineira de Alpercata nos últimos meses.
Alpercata, a 330 quilômetros de Belo Horizonte (MG), envia seus moradores aos EUA há décadas, mas agora que a população local enfrenta uma pandemia que destrói empregos e provoca uma inflação de dois dígitos, a migração da cidade rural com plantios de quiabo se transformou em um êxodo.
Dados municipais levam a crer que centenas de famílias de Alpercata, que abriga cerca de 7.500 habitantes, tiraram os filhos da escola e venderam os pertences neste ano para financiar uma viagem aos EUA. Falta mão de obra à padaria da cidade, funcionários públicos abandonaram os cargos e os times de futebol local estão ficando sem jogadores.
“Alpercata esta ficando vazia”, disse Souza, de 23 anos. “Todo mundo esta saindo de Alpercata”.
Hoje ela mora em Orlando, na Flórida, vendendo bolos para complementar a renda de operário do marido e saldar 15 mil dólares de dívida com um contrabandista de pessoas.
A debandada de Alpercata e de cidades pequenas próximas, sublinha o impacto duradouro da pandemia que já matou mais de 600 mil pessoas no Brasil — cifra só inferior à norte-americana.
Ela também reflete o salto na migração aos EUA de pessoas da América Latina, região duramente atingida pelo vírus. Números recordes de brasileiros, haitianos e venezuelanos estão aparecendo na fronteira sul dos EUA e engrossando as fileiras dos esperançosos saídos de polos de imigração tradicionais, como México e América Central.
Os brasileiros estão em sexto lugar entre os estrangeiros detidos ali no ano fiscal norte-americano de 2021, segundo dados da Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP). Mais de 56.730 foram detidos, o que aumenta a pressão para o presidente norte-americano, Joe Biden, interromper o fluxo.
Não será fácil. O mercado de trabalho aquecido dos EUA e um dólar forte que faz as remessas enviadas ao Brasil durarem mais estão se mostrando difíceis de resistir.
Ondas imigratórias
À diferença de ondas imigratórias anteriores, dominadas por homens jovens pobres que logo voltavam para casa, a atual está atraindo trabalhadores do setor administrativo que será mais difícil o Brasil substituir, disseram autoridades, acadêmicos e a polícia à Reuters. Enfermeiros, engenheiros e até funcionários municipais com estabilidade no emprego estão partindo, muitos sem planos para voltar.
Em Alpercata, quase 5% dos 162 servidores da prefeitura, a principal empregadora da cidade, fugiram para os EUA neste ano, disseram autoridades, citando dados municipais.
Muitos estão levando as famílias, capitalizando uma política de asilo norte-americana que permite que algumas nacionalidades, entre elas a brasileira, permaneçam no país enquanto solicitam residência — um processo legal que pode demorar cinco anos.
No total, 99% das famílias brasileiras que foram apreendidas na divisa sul dos EUA no ano fiscal de 2021 entraram para iniciar processos em tribunais de imigração, segundo dados da CBP.
As consequências podem ser vistas nas escolas municipais de Alpercata, que já perderam 10% de seus 926 alunos neste ano, contou Lucélia Pimentel, a secretária de Educação da cidade. Mais delas partem a cada dia, acrescentou ela.
Muitas destas famílias acabam se unindo a comunidades da diáspora brasileira na Flórida ou em Massachusetts e ocupando alguns dos quase 10,4 milhões de postos de trabalho atualmente desocupados nos EUA.
“Os americanos não gostam de trabalhar, então tem muito trabalho para os imigrantes”, disse Souza, recém-chegada a Orlando.
Cidade está “encolhendo”
Os sinais de que Alpercata está encolhendo saltam aos olhos.
Nas dependências da prefeitura, onde mangas se penduram como enfeites de Natal em um matagal de árvores, uma escavadeira permanecia sem uso no início de novembro. Autoridades disseram que a máquina está parada desde que seu único operador treinado emigrou algumas semanas atrás.
Em seu escritório no segundo andar, o secretário municipal dos Esportes, Jorge Estefesson, mostrou a um visitante uma parede decorada com fotos de antigos times de futebol. Repetindo nomes de memória, ele apontou mais de uma dúzia de jogadores que hoje moram nos EUA.
A maioria dos imigrantes brasileiros chega aos EUA via México, onde ingressam sem vistos como turistas. Alguns pegam voos até cidades da fronteira mexicana e se entregam às autoridades norte-americanas para pleitear asilo. Para deter sua jornada até a divisa, os EUA pressionaram o México a cancelar a dispensa de vistos para brasileiros, como a Reuters noticiou no mês passado. A partir de meados de dezembro, o México passará a exigir o visto brasileiro.
Mas a economia fragilizada do Brasil continua a empurrar as pessoas para o norte, disseram uma autoridade norte-americana e quatro brasileiras à Reuters.
No mês passado, a Reuters noticiou que os contrabandistas brasileiros, conhecidos como “coiotes”, estão aproveitando as mazelas do país em causa própria. A polícia alega que muitos dos maiores coiotes são da região do leste de Minas Gerais que inclui Alpercata.
(Reportagem adicional de Brad Haynes, em São Paulo)