Contrariando especialistas, associação reage contra cancelamento de eventos
Associação Brasileira de Empresas de Eventos divulgou carta aberta defendendo o não cancelamento de eventos, shows e congressos no país; especialistas afirmam que momento é de restringir aglomerações
A Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc) divulgou um manifesto nesta quarta-feira (12) se posicionando contra os cancelamentos de eventos no país. A entidade afirma que “eventos, como feiras e congressos, têm a organização e o controle necessários para garantir uma participação segura” e que não houve aumento de casos por conta dessas reuniões. Atualmente, Bahia, Ceará, Amazonas, Piauí, Maranhão, Amapá, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul estão entre os estados que retomaram medidas restritivas.
A associação destacou a preocupação em “reviver março de 2020” — quando a pandemia começou e diversas restrições foram implementadas, e afirmou que, através dos eventos-testes, “foram criados ambientes monitorados, propícios para os negócios, a capacitação, para dar visibilidade a marcas e produtos, e não para a contaminação”.
Ainda segundo a entidade, a retomada do setor ao longo da pandemia resultou na recomposição de equipes e criação de novos postos de trabalho. Apesar de se dizer “terminantemente contrários” ao cancelamento de eventos, a Abeoc ressaltou que é necessário continuar com o avanço da vacinação e com os protocolos sanitários, como uso de máscaras e álcool em gel. Além disso, a entidade reconheceu o avanço da Ômicron, mas destacou que o número de mortes não está aumentando.
“Temos visto um crescimento nas taxas de contaminação, mas que não tem refletido no número de óbitos. E mais: mundo afora a opção tem sido manter a economia funcionando para não agravar, também, o desemprego e a miséria que cresceram com a pandemia. É um andar junto, consciente, em busca de novas soluções”, escreveu a associação na carta divulgada.
O que dizem os especialistas
No entanto, ao contrário do que diz a associação, médicos infectologistas ouvidos pela CNN concordam que este é o momento para novas restrições e não é razoável que os eventos continuem acontecendo, especialmente diante do avanço da Ômicron no país e no mundo.
Para Jaques Sztajnbok, chefe da UTI do Hospital Emílio Ribas, apesar de a Ômicron ter se mostrado menos letal do que as outras variantes, a grande quantidade de casos e a velocidade de propagação desta nova cepa podem resultar no colapso do sistema de saúde do país.
“Hoje a pressão sobre o sistema de saúde na área de emergência é muito grande. Como essa é uma variante que infecta muito rápido, mesmo que eu tenha ‘apenas’ 0,5% dos infectados indo para a UTI, esse percentual dentre milhões de contaminados é um número bastante expressivo que pode levar o sistema de saúde a um colapso”, alertou.
Segundo o médico intensivista, o momento requer a retomada de medidas restritivas mais rígidas, que incluem o eventual cancelamento de eventos que gerem aglomerações.
“Do jeito que a pandemia está progredindo, com essa taxa de infecção, o momento é de restringir qualquer situação que comprometa o distanciamento social. Qualquer evento que leve à aglomeração de pessoas, especialmente em locais fechados, tem que ser visto com cautela neste momento. A vacinação não impede o contágio, impede o infectado de desenvolver formas graves da doença. Não há como prevenir contágio apenas estipulando a entrada de vacinados. Então quaisquer festas que corroborem com o aumento de novos casos eventos precisam, sim, ser cancelados”, destacou.
Para o infectologista José Pozza Junior, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), o debate sobre eventos se concentrou no Carnaval. Para ele, é o momento errado para se discutir uma festa que vai acontecer daqui a quase dois meses. Segundo ele, é preciso pensar no agora.
“O que temos mais ouvido de discussão é se vai ocorrer o Carnaval ou não. Sendo que ele está programado para daqui a um mês e meio, mas a transição está ocorrendo agora. É hoje. Então, pra mim, é um pouco inexplicável estarmos debatendo sobre um evento que ainda vai acontecer, mas, por outro lado, permitindo a realização de shows e eventos privados com as aglomerações que sabemos que acontecem. Se a tentativa de reduzir transmissão quiser ter algum impacto, as medidas devem ser tomadas agora”, comentou Pozza.
Já de acordo com o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, o país vive hoje o pior momento da pandemia em termos de registros de novos casos, que só não é pior devido ao avanço da vacinação. Kfouri ressaltou o alerta feito por Sztajnbok em relação ao percentual de evolução para casos graves.
“Por mais que as vacinas desempenhem papel fundamental, uma pequena porcentagem de um número muito grande de casos é bastante significativo e pode nos levar à sobrecarga hospitalar e, consequentemente, ao aumento de mortes. Esses impactos não são desprezíveis. Temos que endurecer as medidas não farmacológicas. Basear flexibilização em números de vacinados é equivocado. Agora é hora de não termos aglomerações, para evitar aumento ainda maior de infecções. Agora é o momento de endurecer as medidas”, pontuou.
Kfouri destacou que as medidas devem ser iguais para todos e citou o exemplo do Réveillon no Rio, afirmando que não adianta fechar a praia e deixar festas privadas acontecendo normalmente. O diretor da SBIm disse entender o lado econômico dos setores, mas reforçou que a ciência deve ser ouvida.
“Os impactos econômicos devem ser considerados. Porém, para nós médicos, o momento epidemiológico tem que prevalecer em relação a estes eventos que geram aglomerações e novas contaminações”, finalizou.
Eventos mantidos no Rio de Janeiro
Apesar dos alertas e do avanço dos casos da Ômicron, a maioria das casas noturnas do Rio de Janeiro está mantendo suas programações de shows. Tradicionais locais de eventos como o Circo Voador, Fundição Progresso, Vivo Rio e Espaço Hall estão com as agendas de shows cheias neste mês e, por enquanto, com as festas mantidas.
A exceção, por enquanto, foi o Festival Universo Sapanta, que receberia mais de 150 atrações em apresentações ao longo de todo o mês de janeiro. A organização do evento emitiu comunicado avisando o cancelamento do festival, diante do aumento do número de casos de Covid-19 na cidade do Rio.
Em São Paulo, o avanço da Ômicron levou ao cancelamento de eventos nas tradicionais casas Studio SP e Cine Joia.