Imigrantes negros recebem média de um a dois salários mínimos, diz observatório
Dados são do Observatório das Migrações Internacionais; para especialistas, é no campo de trabalho que o racismo estrutural se manifesta

O congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, assassinado no Rio de Janeiro, era estudante de arquitetura, mas precisava fazer ‘bicos’ para ajudar a complementar a renda e pagar o aluguel da casa onde vivia com a família, em uma área pobre da cidade.
Dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) mostram que os imigrantes negros que vêm ao Brasil, como Moïse, ganham uma média de um a dois salários-mínimos.
Segundo o OBMigra, ligado à Universidade de Brasília e ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, os imigrantes do chamado Norte Global, comunidade de países mais ricos como Inglaterra e Estados Unidos, acumulam rendimentos mais altos em comparação aos do Sul Global, que inclui países da África, como a República Democrática do Congo, terra natal de Moïse.
Dados levantados pelos pesquisadores André Simões João Hallak Neto, colaboradores do Observatório, apontam que brancos, em maioria europeus, receberam salários muito superiores aos dos negros em 2020.
Para se ter uma noção, enquanto os europeus receberam um valor médio mensal de R$ 16.631, os imigrantes africanos, em sua maioria negros, somaram uma média R$ 2.698.
Refugiados e solicitantes do reconhecimento da condição de refúgio têm rendimentos ainda mais baixos que os demais imigrantes. Os salários dos mais jovens, como Moïse, que tinha 24 anos, têm uma queda ainda mais acentuada em comparação aos imigrantes na faixa etária dos 40 aos 65 anos.
Os imigrantes negros que conseguem acessar o mercado de trabalho ainda são mais cotados para vagas que demandam trabalho braçal, como frigoríficos, atividades de limpeza em espaços públicos e no setor do comércio e restaurantes, conforme observado no estudo de André Simões João Hallak Neto.
Desigualdade atrelada à cor da pele
Referência em estudos sobre migrações transnacionais, Mohammed Elhajji, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressalta que a desigualdade está atrelada à discriminação pela cor da pele.
“É no campo do trabalho que o racismo estrutural do país se manifesta. Têm vários casos de africanos negros formados, que falam no mínimo três línguas, mas que só conseguem empregos subalternos e sub-remunerados”, destacou.
Contra o racismo, o pesquisador defende que estudos migratórios apontam para ganhos materiais significativos devido à imigração.
“É capital humano, capital simbólico, diversidade cultural. Outro fator importante, hoje, apesar dos discursos xenófobos existentes no mundo, ao mesmo tempo em que há uma verdadeira disputa por competências, não se pode esquecer da questão da previdência", disse.
"O Brasil, como muitos outros países, está entrando na curva de envelhecimento da população. A chegada de jovens trabalhadores, quando inseridos no mercado, constitui um ganho efetivo”, argumenta Elhajji.
Desigualdade no ambiente de trabalho
A desigualdade racial no trabalho não aparece apenas para trabalhadores imigrantes, mas é realidade do cenário corporativo brasileiro.
Apesar da narrativa pela diversidade, que tomou força nos últimos cinco anos, um levantamento da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial aponta que 93% da alta liderança no país ainda é constituída por pessoas brancas.
Os dados foram colhidos em parceria com o Data Zumbi, instituto de pesquisas da Universidade Zumbi dos Palmares, com o mapeamento das ações afirmativas e a inclusão racial em 42 grandes empresas.
Raphael Vicente, diretor da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, destaca que a sociedade brasileira avançou muito pouco ou quase nada nesse cenário corporativo.
“O negro em geral continua na base. Somos 56% da população brasileira e ainda menos de 4% em cargos de liderança. Precisamos quebrar paradigmas e mitos em busca de mostrar a importância de levar a inclusão racial para dentro das empresas”, reforça.