Maurício Pestana: consciência que constrói pontes
Uma das funções da liderança dentro de um governo em curso é olhar para o futuro, ponderar e agir positivamente, confiando na assertividade, e não na catástrofe
É chegado mais um mês da consciência negra, e com ele veremos muitas manifestações, números estarrecedores da questão racial no Brasil como: aqui, um trabalhador negro ganha em média a metade de um trabalhador branco, se for mulher, recebe menos ainda. Neste mesmo contexto, a morte de jovens negros é mais que o dobro de jovens brancos.
E também ouviremos bastante que negros têm mais dificuldade de acesso à educação de qualidade, de moradia e de saúde. Isso tudo nos levando a crer que as coisas aqui não mudam e estamos fadados a ser realmente a escória do mundo no quesito relações raciais. Afinal, nesta terra, morre um George Floyd a cada 23 minutos, e as coisas permanecem inalteradas.
A passagem que tive pelo serviço público na qualidade de secretário da Igualdade Racial, na cidade de São Paulo, me fez mudar essa retórica. Primeiro, estar no governo, e principalmente no cargo de secretário, significa propor políticas de mudanças, executar orçamento e acreditar que realmente as coisas podem mudar. Resumindo, ponderar e agir positivamente, confiando na assertividade, e não na catástrofe, ou seja: olhar para o futuro. Afinal, essa é uma das funções da liderança dentro de um governo em curso.
Nesta perspectiva, acreditei e pude assinar a lei de cotas na cidade de São Paulo, que destina 20% dos cargos que vão de estagiário ao de secretário na administração pública municipal, presenciando assim milhares de empregos como os de professores, diretores de escola e até o cobiçado cargo de procurador do município sendo ocupado por pessoas negras pelo processo das cotas.
As mudanças não ficaram só no setor público. Provoquei o setor privado e promovi o primeiro encontro deste setor no país com o setor público para ações de promoção de pessoas negras no mundo corporativo, que deu base para o início de muitas mudanças neste setor como, por exemplo, os programas de trainee em empresas.
Até hoje, esses programas se multiplicam, o que me deixa feliz quando encontro jovens executivos negros frutos dessa política, criada a menos de uma década e hoje servindo de inspiração para programas semelhantes. Um projeto que nasceu subsidiado pelo governo municipal, com o título de São Paulo Diverso, hoje caminha sozinho e se transformou no Brasil Diverso, totalmente independente, envolvendo e patrocinado pelo setor privado.
Temos ainda uma longa estrada a percorrer até que a equidade racial no Brasil seja uma realidade. Sabemos das disparidades e do quanto as pessoas negras cotidianamente são privadas dos mais simples e fundamentais direitos, como uma educação de qualidade ou o direito de ir e vir em determinados territórios do país, ou até mesmo de ser promovido em um cargo pelo simples fato de serem negras.
Porém, olhar para frente com o otimismo vigilante é nada mais que a simplificação mais profunda de uma frase de Martin Luther King, que disse certa vez sobre a escolha entre o amor e o ódio: “eu decidi ficar com o amor. O ódio é um fardo muito grande para carregar”. Isso é a essência da consciência negra e humana, que deveria ser disseminada neste momento de reflexão.