Prefeitura do Rio recorre a Hospital de Bonsucesso para conseguir kit intubação
Prefeitura também retirou estoque do Centro Veterinário de Controle de Zoonoses
A falta de sedativos em hospitais públicos no estado do Rio de Janeiro faz com que autoridades busquem medicamentos em outras unidades. A rede municipal de saúde recorreu ao Hospital Federal de Bonsucesso.
Três ambulâncias da Prefeitura do Rio foram à unidade, nessa quinta-feira (15), para buscar o chamado ‘kit intubação’. Os remédios estavam parados desde que uma ala do hospital de Bonsucesso pegou fogo, em outubro de 2020. A informação é de uma fonte da CNN.
O Município também tem adotado outra estratégia para suprir o desabastecimento. O secretário de Saúde, Daniel Soranz, disse que a prefeitura tem recorrido aos sedativos e neurobloqueadores do Centro Veterinário de Controle de Zoonoses.
“Não faz o menor sentido continuar consumindo itens essenciais para intubação, para a saúde humana, nas unidades veterinárias. A gente está usando todo esse material nas unidades que têm um alto atendimento de pessoas com Covid”, disse.
O ‘kit intubação’ é composto por três classes de medicamentos: analgésicos, hipnóticos e bloqueadores neuromusculares. Juntos, eles permitem que uma pessoa seja sedada para ser intubada sem nenhum tipo de sofrimento enquanto estão acometidas por um caso grave, como os de Covid-19.
Das 92 cidades do Estado do Rio, 32 têm risco de ficar sem os remédios necessários para intubar pacientes sem sofrimento. O levantamento é do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (Comsems-RJ). O problema atinge todas as regiões fluminenses. Na capital, cerca de 40 unidades de saúde estão com estoque crítico.
A CNN conversou com um médico que atua na linha de frente do combate à Covid-19, no Hospital municipal Ronaldo Gazolla, na zona norte da cidade. Segundo o profissional, na unidade, que é referência no tratamento contra o coronavírus, não faltam todos os sedativos. “Lá a gente só está com falta de Midazolam e com um pouco mais de restrição em neurobloqueador.”, afirma.
Já no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também falta medicamento para intubar pacientes. A solução encontrada, ainda segundo fontes, está sendo usar Diazepam. A medicação tem efeitos inferiores na comparação com sedativos considerados ideais para esses casos. A medida também tem sobrecarregado a equipe médica, que precisa aplicar uma quantidade maior de sedativo em um intervalo de tempo menor para alcançar o efeito necessário para o procedimento.
O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Alexandre Telles, avalia a manobra como arriscada, o que pode levar o paciente à morte. “Isso pode causar a morte porque o paciente não está bem sedado. Ele não vai descansar, não vai relaxar e quando acordar pode acordar e até tirar o tudo. A gente precisa ter equipamentos para trabalhar da maneira adequada. Os profissionais da saúde estão sendo heróis nesta pandemia.”, afirma.
No Hospital Universitário Pedro Ernesto não faltam sedativos, mas a equipe médica optou por suspender cirurgias eletivas. Nas redes municipal e estadual de saúde, a reportagem identificou escassez no Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari; no Hospital Getúlio Vargas, na Penha; e no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Todas as unidades ficam na Zona Norte da cidade.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, falta ‘kit intubação’ em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Paracambi, na Região Metropolitana, em Nova Friburgo, na Região Serrana, e Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.
Na rede privada, profissionais também relatam a escassez de medicamentos para intubar pacientes com coronavírus e denunciam o aumento de preço para a aquisição de medicamentos necessários para o “kit intubação”.
Para o médico Graccho Alvim, diretor da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (Aherj), a situação é crítica e o aumento nos preços dos remédios atrapalha ainda mais a luta contra a doença.
“Têm medicamentos com aumento registrado de 400%, um deles é a heparina, que atua impedindo a formação de coágulos sanguíneos”, explicou.
O diretor do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), Yuri Salles, explica que a escassez de sedativos não acontece somente no Brasil.
“A gente tem uma distribuição nacional que consegue adequar a nossa necessidade normal muito bem. O problema é que em uma pandemia você tem mais demanda por serviço de saúde do que você consegue atender. Nós demos a orientação para usar de forma inteligente (o medicamento), usar outras opções de anestésicos.”, disse.
Atualmente, a taxa de ocupação de leitos de unidade de terapia intensiva no Rio é de aproximadamente 90% nos hospitais particulares.
Providências para garantir estoque
À CNN, o secretário estadual de saúde do Rio, Carlos Alberto Chaves, afirmou que o cenário no estado “não é de catástrofe, nem de colapso”, e que os remédios que chegam estão sendo distribuídos aos municípios. Na quinta-feira, segundo ele, 55 cidades receberam os medicamentos e as entregas têm sido pensadas para durar até 7 dias. “Cada um dia é um dia. Estamos com processo de compra aberto para normalizar a situação”, afirmou.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que 2,3 milhões de remédios do kit serão distribuídos para os estados a partir dessa sexta-feira (16) e o Rio de Janeiro é um dos estados que receberá a maior quantidade de medicamentos.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que o Ministério da Saúde (MS) definiu que essa compra específica seria centralizada e entrega de acordo com leitos cadastrados no CNES. A pasta e o MS estão organizando o fluxo para que o abastecimento permaneça de modo continuado. A SMS acrescentou que retirou um lote desses medicamentos na central de medicamentos da Secretaria de Estado de Saúde, em Niterói, e os hospitais foram imediatamente abastecidos.
Em relação à retirada de medicamentos no Hospital Federal de Bonsucesso, a secretaria disse não ter essa informação, mas que em casos de urgência ou situação crítica, as ambulâncias têm autorização para fazer retirada de medicamentos nas unidades.
A Superintendência de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (SAFIE) destaca que o suprimento desses medicamentos nas unidades de saúde é de responsabilidade das Organizações Sociais (OS) de cada unidade e/ou do município gestor.
Entretanto, em apoio à crescente demanda do momento, a SES, além da compra já mencionada, também realiza repasses dos medicamentos enviados pelo MS, de forma equânime e com participação do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS), para as unidades e municípios que constam no Plano Estadual de Contingência para Enfrentamento da Covid-19.
O Ministério da Educação também foi procurado para explicar a falta de sedativos no Hospital Federal Clementino Fraga Filho, da UFRJ, mas ainda não enviou resposta.