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    Prefeitura de São Paulo faz moradores de rua desmontarem barracas durante o dia

    Moradias improvisadas só podem ser armadas na região central da capital paulista no período da noite

    Gonçalo Junior, do Estadão Conteúdo

    A mochila do ajudante geral Rodrigo Silva estava mais pesada que o normal nesta sexta-feira (11) na Praça da Sé, região central de São Paulo. Além de duas camisetas e uma bermuda, ela tinha a missão de guardar a barraca onde vive o cearense de 32 anos. Obviamente não coube: metade ficou para fora. Rodrigo conta que vai esperar a “poeira baixar” para instalar a barraca de novo.

    A poeira foi levantada na quinta-feira (9), quando a Prefeitura de São Paulo realizou um movimento para impedir o uso das barracas de camping na região da Sé durante o dia, de acordo com os moradores de rua. As moradias improvisadas só podem ser armadas à noite. Com isso, as pessoas ficaram perambulando pelas ruas do centro ou decidiram se deslocar para outros bairros, como Canindé e Bom Retiro.

    Essa ação ocorre três dias depois de o prefeito Ricardo Nunes (MDB) ter declarado que vai remover as barracas. “A gente precisa ter uma ordenação na cidade, uma organização. Nunca pôde ter barraca [pela legislação]. Houve uma exceção durante a pandemia. A Prefeitura está dando as condições para as pessoas se deslocarem para os locais de acolhimento com dignidade”, afirmou o prefeito. “Estamos ampliando nossos acolhimentos a médio e longo prazo.”

    Além disso, o novo subprefeito da Sé, coronel Álvaro Batista Camilo, propôs a remoção de barracas de pessoas que negarem oferta de acolhimento. A Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito civil para investigar as orientações.

    Na quinta-feira, a intervenção do poder municipal se estendeu pela Praça da Sé e pelo Pátio do Colégio. Locais próximos, como o Largo de São Bento e a Praça do Patriarca, ainda abrigavam fileiras de barracas. A marquise do Minhocão, onde se concentram dezenas de pessoas em situação de rua, também permanece ocupada pelas moradias improvisadas.

    Moradores na região contam que a ação foi tensa, mas que não houve conflito. Rodrigo teme que a Prefeitura não permita o retorno para aquelas ruas nem no período noturno, como foi anunciado pelos funcionários da Prefeitura.

    Com o mesmo medo, outros decidiram procuram outro lugar para morar, como a dona de casa Angela Pereira, de 35 anos. Vivendo nas ruas do Centro há três meses, depois de se divorciar do marido, ela carregava as roupas e a barraca em direção ao Canindé. “A barraca é minha casa agora”, conta.

    Normalmente associadas ao turismo, as barracas se tornaram o símbolo do crescimento da população de rua em São Paulo. Em dois anos, essa população cresceu 31%, de acordo com a Prefeitura.

    O último censo apontava 31.884 pessoas nas calçadas, praças ou sob viadutos. As moradias refletem um novo perfil: famílias que perderam emprego durante a pandemia e não conseguem mais pagar aluguel. Elas cresceram 230% entre 2019 e 2021, de acordo com a Prefeitura. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram relatados 6.778 pontos.

    Críticas

    A iniciativa da Prefeitura provocou reações contrárias. O deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) entrou com representação no Ministério Público de São Paulo na quarta-feira (8) para impedir a retirada das barracas.

    Além de citar o prefeito Ricardo Nunes, Boulos menciona o subprefeito da Sé, coronel Alvaro Batista Camilo, que informou, em entrevista ao portal “Metrpoloes”, que as equipes de fiscalização voltarão a recolher barracas de moradores de rua e, se for preciso, será usada munição química. “A ideia é trabalhar com inteligência para evitar que chegue ao ponto de ocupar o território. Vai chegar o momento que vai precisar usar munição química? Vai”, disse Camilo.

    Não há vagas para acolher todas as pessoas em situação de rua. Essa é a opinião do padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo e que há anos realiza ações de acolhimento à população em situação de vulnerabilidade. “As pessoas estão perambulando e mudando de local. Elas não têm para aonde ir. Onde são as casas para a população de rua morar?”

    O sociólogo Paulo Escobar vê na ação do poder municipal uma tentativa de apagamento da pobreza da capital paulista. “Para quem não tem casa, a barraca é sua moradia. É uma política higienista, vertical e que não ouve o morador de rua, que é uma população plural e diversa. É mais do mesmo, uma ação sem uma política de moradia”, critica o membro do Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga.

    O que diz a Prefeitura

    Em nota, a Subprefeitura da Sé informa que “não se trata de operação específica, mas de ação de zeladoria que ocorre rotineiramente em todas as regiões da cidade”. “Para a população em situação de rua, além da oferta de acolhimento, abrigamento, alimentação e de serviço de saúde, a gestão municipal também cumpre o decreto 59.246/2020, que compatibiliza o direito da população que vive em situação de rua com a necessidade de limpeza, manutenção e fluidez do espaço urbano.” O poder municipal informa que não são recolhidos bens pessoais.

    O decreto define também o que pode ou não ser objeto de apreensão. Poderão ser recolhidos objetos que caracterizem estabelecimento permanente no local público, principalmente quando impedir a livre circulação de pedestres e veículos, tais como camas, sofás, colchões e barracas montadas ou outros bens duráveis que não se caracterizem como de uso pessoal.

    A Secretaria Municipal das Subprefeituras informa que “repudia abusos e quando há denúncias estas são averiguadas e arbitrariedades são punidas de acordo com a lei e de forma administrativa”. “Os profissionais que atuam no serviço diariamente são orientados sobre os princípios da lei e o respeito ao cidadão.”

    A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social pontua que, no mês de janeiro de 2023, realizou 691 atendimentos na Praça da Sé e arredores. Desses, 396 resultaram em encaminhamentos para os serviços de acolhimento, 70 para Núcleos de Convivência e 225 orientações para serviços da rede socioassistencial.

    Durante as abordagens são ofertados encaminhamentos aos serviços da rede socioassistencial da Prefeitura, bem como apresentadas as demais políticas públicas do Município, com o objetivo de criar vínculo, promover a saída das ruas e o retorno familiar.

    Em 2022, o governo do Estado de São Paulo ofertou seis prédios da antiga Fundação Casa para a criação de mais 600 novas vagas para a população em situação de rua. As duas primeiras unidades, cada uma com capacidade para 100 vagas destinadas a famílias, foram entregues nos meses de agosto e setembro, no Itaim Paulista, zona leste. Em 2023, serão entregues outros quatro equipamentos que funcionarão em antigos prédios da Fundação Casa.

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