8 de janeiro: “Houve uma mistura de omissão, incompetência e cumplicidade”, diz Barroso à CNN
Presidente do STF cita politização das Forças Armadas e afirma que golpismo foi sepultado, embora “o ódio ainda está presente na vida brasileira”; leia trechos da série especial da CNN sobre os ataques contra os Três Poderes
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou à CNN que houve falha por parte da segurança pública durante o 8 de janeiro.
“Houve uma imensa falha no serviço de inteligência, tanto da polícia quanto dos militares. Ou se não foi falha no serviço de inteligência, foi cumplicidade. O que seria pior ainda. Então houve falha no serviço de inteligência e houve falha das forças de segurança. A PM não estava na rua, nem chegou há tempo razoável. Nem o batalhão da presidencial. Ali houve uma mistura de omissão, incompetência e cumplicidade”, disse.
Para ele, o “golpismo foi sepultado”. No entanto, “o ódio ainda está presente na vida brasileira”. As declarações fazem parte de entrevista ao especial da CNN sobre atos do dia 8 de janeiro. A série de reportagens será exibida ao longo da próxima semana.
O presidente do STF também falou sobre o papel das Forças Armadas no processo que culminou nos movimentos do dia 8 de janeiro. “Na vida, uma instituição pode ser dramaticamente afetada por uma má liderança”, disse o ministro.
Para Barroso, houve um processo de politização das Forças Armadas, conforme ele, já desfeito.
“Acho que houve um processo indevido de politização, já desfeito, diga-se de passagem, mas houve um momento muito difícil. Eu mesmo como presidente do TSE prestigiei as Forças Armadas, porque é uma instituição prestigiada da sociedade brasileira. Convidei-os para participar da Comissão de Transparência para dar transparência e para que ajudassem na segurança, mas, por orientação do comandante, do chefe, eles na verdade ficaram levantando suspeitas de criando suspeitos. Um comportamento muito decepcionante. Fiquei verdadeiramente mal, porém a verdade é que depois eles tiveram que fazer um relatório e dizer: ‘não achamos nada’”, finalizou.
Barroso relembrou do momento em que chegou ao STF naquela noite. “O espetáculo era de tristeza profunda e muita indignação, mas a ministra Rosa [Weber] em pouco tempo produziu uma frase, ela disse: ‘nós vamos reconstruir isso [o plenário do Supremo]’ até 1º de fevereiro”.
O ministro contou que ninguém estava preparado para uma manifestação nas proporções que ocorreram. “Evidentemente foi um dos episódios mais tristes, eu diria da história do Brasil. E certamente o mais triste da história do Supremo, pelo menos do ponto de vista físico”, ressaltou.
Fanatismo nas redes e difusão do ódio
O frequente ataque por parte de autoridades às instituições e o fanatismo nas redes sociais, de acordo com o ministro, teriam fomentado todo o movimento.
“Nós vivemos um período em que lideranças importantes do país atacavam regularmente as instituições e procuravam abalar a sua credibilidade. E ofendiam pessoalmente os seus integrantes. Então acho que isso foi uma parte do processo. A outra parte do processo foi a difusão do ódio. E aí as plataformas digitais, as redes sociais, tiveram um papel misto de campanhas de desinformação com discursos de ódio e frequentemente com mentiras para tirar a credibilidade das pessoas”, afirmou.
Questionado sobre a origem da radicalização, Barroso explicou que houve uma “captura do pensamento conservadorismo” por parte da extrema-direita.
O conservadorismo é uma forma legítima de pensar a vida, como qualquer outra. A democracia tem lugar para liberais, para progressistas, para conservadores. O problema não é o conservadorismo. O problema é a captura pelo extremismo, porque o extremismo é intolerante. O populismo autoritário é anti-institucional.
Luís Roberto Barroso
De acordo com Barroso, o extremismo no Brasil não foi um fenômeno da pobreza, nem da riqueza. “Era um arco que ia dos ressentidos das camadas mais humildes aos ressentidos das camadas mais elevadas. O fenômeno que aconteceu no Brasil não foi um fenômeno elitista, foi um fenômeno de base também. De modo que acho que nós ainda estamos procurando entender o que aconteceu, mas a minha primeira explicação seria a conjugação desses fatores”.
O ministro reforçou que faltou civilidade nos diálogos. “Quando você diverge, você troca argumentos. Às vezes você se convence, às vezes você convence a outra pessoa e, às vezes, cada um vai embora achando que o já achava. Assim é a vida a vida. Na vida democrática, ninguém tem um monopólio da verdade, ninguém tem o monopólio da virtude. Existe alternância no poder. Portanto é preciso encarar isso com naturalidade de modo que é meta do meu mandato derrotar o ódio e retomar a civilidade.”