À CPI, Queiroga evita responder sobre hidroxicloroquina e posições de Bolsonaro
Sessão que ouviu o médico cardiologista durou cerca de dez horas; ministro da Saúde se posicionou contra a flexibilização das patentes de vacinas


O terceiro dia de depoimentos na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia de Covid-19 ouviu o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, por cerca de dez horas. O médico cardiologista iniciou a oitiva perto das 10h e só terminou às 20h30.
Durante o depoimento, Queiroga evitou se posicionar em relação ao incentivo do uso da hidroxicloroquina — remédio sem eficácia comprovada contra a Covid — e também não quis fazer “juízo de valor” da gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no combate ao novo coronavírus.
Por volta das 17h30, a sessão foi suspensa a pedido do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para que fosse votada a ordem do dia no plenário do Senado. A comissão retomou os trabalhos às 18h40.
Também estava previsto para esta quinta-feira (6) o depoimento do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres. No entanto, a oitiva do representante da Anvisa foi adiada para a próxima terça-feira (11).
Veja a seguir os principais pontos do depoimento de Queiroga à CPI nesta quinta-feira:
Estados e municípios devem poder fazer lockdown; fechamento ao nível nacional “é muito difícil”
Marcelo Queiroga disse, em resposta ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que é a favor da autonomia de Estados e municípios para decretar lockdown. Embora tenha defendido lockdown em casos específicos, o cardiologista disse que um fechamento ao nível nacional “é muito difícil”.
“Está sendo elaborado um protocolo sobre isso. Estamos assistindo uma queda no número de casos. Estados e municípios estão flexibilizando tudo. Fazemos um pouco de cada uma dessas ações e gera um impacto menor do que tivemos[…] Hoje está diminuindo os casos da doença, há vagas de UTI, assim, estamos assistindo uma reabertura”, disse.
Orientação em relação à cloroquina
Ao ser questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), se teria recebido algum tipo de orientação por parte do presidente Jair Bolsonaro sobre o uso da cloroquina em pacientes com Covid-19, Queiroga negou.
Ele disse também que “não houve pressão” sobre o uso de qualquer remédio e que está em elaboração um protocolo clínico para substituir a atual orientação sobre a droga. Ainda segundo o ministro, ele não autorizou e não tem conhecimento sobre a distribuição do remédio na sua gestão à frente da pasta.
Respondendo a outro questionamento, Queiroga confirmou que presenciou o presidente defender o chamado “tratamento precoce” apenas “em uma única oportunidade”. Conforme o cardiologista, a manifestação pública ocorreu durante uma visita a Chapecó, oeste do estado de Santa Catarina.
“Em manifestação pública, em Chapecó, o presidente fez menção que tinha usado um remédio, mas não citou o nome. Ele defendeu um atendimento imediato naquele momento e disse que tinha tomado um medicamento que, para ele, achava que tinha feito efeito”, disse.
Relação do Brasil com a China
O ministro afirmou que não tem conhecimento sobre uma suposta guerra química vinda da China, por meio do novo coronavírus, como sugerido pelo presidente na véspera – na ocasião, Bolsonaro não citou o nome do país asiático, mas deixou isso subentendido.
“Desconheço indicio de guerra química vinda da China. As relações com a China, pelo que entendo, são excelentes. O Brasil e China são muito sólidos e a relação com embaixador chinês tem sido muito boa[…] O presidente da república não fez menção à China, então espero que as relações continuem muito boas e não tenhamos impacto em tratativas com o país.”
Além disso, ressaltou que vem trabalhando para melhorar a relação com os chineses e declarou que o país é o “melhor parceiro comercial” do Brasil. “Hoje de manhã meu secretário se reuniu com uma farmacêutica chinesa, amanhã eu tenho reunião, junto com o nosso chanceler, e vamos nos encontrar virtualmente com o embaixador chinês”, afirmou.
Necessidade de mais vacinas
Para o cardiologista, o Brasil precisa de mais doses para acelerar o programa de imunização contra a Covid-19, mas destacou que há uma dificuldade mundial para que até doses já contratadas sejam entregues. Ele voltou a dizer que o Ministério da Saúde está na iminência de fechar um novo contrato para o fornecimento de mais 100 milhões de doses pela Pfizer, com entrega de 35 milhões já em setembro. Ainda conforme o ministro, ao todo, o governo tem 430 milhões doses contratadas.
“É preciso ter mais doses para acelerar [o programa de vacinação]. Precisa de mais ativismo do nosso governo, que tem ocorrido sob liderança do ministro [das Relações Exteriores], Carlos França. Temos dialogado permanentemente com embaixada da China, da Índia, do Reino Unido, dos EUA[…] Temos que adotar o pragmatismo para ter os insumos que são fundamentais. Estamos em diálogo com todas as instâncias que podem nos ajudar nisso”.
Vacinação como saída para a crise
Logo no início da sessão, Queiroga defendeu que as vacinas são a solução para o fim da pandemia. Para ele, o Brasil é reconhecidamente um país com competência para vacinar sua população e elogiou o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), principais produtores nacionais de vacinas.
Ao ser questionado sobre a data de vacinação da população brasileira, o médico afirmou que a expectativa é que “acima de 18 anos, até o final do ano, todos sejam vacinados”. No entanto, para isso acontecer, é necessário “que todas as doses contratadas cheguem”.
Declarações de Bolsonaro sobre vacinação
Na opinião do ministro, as reiteradas declarações do presidente Jair Bolsonaro contrárias às vacinas contra Covid-19 – como a frase em dezembro de 2020 dizendo que não se responsabilizaria se alguém “virasse jacaré” após tomar a vacina da Pfizer – não prejudicam a campanha nacional de imunização.
Queiroga afirmou que não faria juízo sobre as opiniões de Bolsonaro, já que essa não seria sua função, mas afirmou que o presidente apoia a campanha de vacinação contra o novo coronavírus.
“Essa são posições externadas pelo presidente da República que eu penso que não tem impacto na campanha de vacinação. A população brasileira, mais de 85%, em pesquisas, mostram que querem receber a vacinação e o governo enviou uma Medida Provisória ao Congresso alocando mais de R$ 20 bilhões para aquisições de vacinas”, disse o ministro.
Autonomia do Ministério da Saúde
Na oitiva, Queiroga afirmou à CPI que recebeu autonomia do presidente para escolher os membros de sua equipe à frente do Ministério da Saúde e disse não sofrer pressão de nenhum membro da família Bolsonaro.
“Recebi autonomia para isso e todos os meus secretários foram escolhidos confirme critérios técnicos[…] são pessoas de perfil técnico e achei por bem mantê-los. Mas tenho autonomia para tirá-los a qualquer momento, desde que seja por interesse público e por direcionamento da nossa gestão[…] Nossa gestão é autônoma”.
Fortalecimento do SUS
Para o cardiologista, o Brasil deveria ter fortalecido o Sistema Único de Saúde (SUS) antes da pandemia do novo coronavírus para evitar o colapso, como visto em algumas regiões, e também para diminuir o número de vítimas da doença. Antes, ele havia dito que não tinha uma resposta exata para a situação que o Brasil passa porque a crise atual é causada por um “vírus com uma imprevisibilidade extrema, que tem capacidade de mutações”.
“Os senhores sabem as condições que o SUS estava o sistema antes dessa pandemia: unidades de terapia intensiva (UTI) lotadas, dificuldades nos pronto-atendimentos, problemas com médicos especialistas. Isso é o que faltou, sobretudo para atender pacientes com síndromes respiratórias agudas graves”.
Quebra de patentes
Queiroga classificou a questão da quebra de patentas como “sensível” e afirmou temer que o Brasil não tenha condições de, mesmo com a quebra, produzir as vacinas no país. Segundo ele, isso poderia interferir de maneira negativa no aporte de imunizantes que venham de fora.
“O governo depende dos laboratórios para receber as vacinas, até agora a maioria das vacinas foi do Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz. Na Fundação poderemos produzir vacina no futuro. Estamos construindo um cenário muito bom para a produção de vacinas no futuro”.
Volta às aulas
Questionado pela senadora Leila Barros (PSB-DF) sobre a volta às aulas, o cardiologista revelou que esteve com um representante da Unicef no último domingo (2) para tratar do assunto. “A minha opinião pessoal é a favor do retorno das aulas”, disse.
Segundo o ministro, saúde e educação “são prioridades absolutas do Estado brasileiro”. “O ministério [da Saúde] irá liderar o assunto com o ministério da Educação, mas isso será tratado com os secretários de Educação. Vamos avançar nesse debate. Eu vou ligar para ele [ministro da Educação, Milton Ribeiro] amanhã”
(Com informações de Bia Gurgel, Larissa Rodrigues, Guilherme Venaglia e Murillo Ferrari)