Ação no STF e PEC no Senado colocam educação especial em pauta nacional
Leis estaduais são questionadas por suposta violação ao princípio da inclusão plena; Apaes defendem direito de escolha das famílias e manutenção de instituições

Uma história que poderia ser triste, mas que hoje tem um desfecho de muita alegria. É assim que a professora Eliana Kotsko define a trajetória de seu filho, Rodolfo César Kotsko, e sua relação com a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).
A família fez várias tentativas de matricular Rodolfo no ensino regular, mas o ponto decisivo para Eliana foi quando, aos 3 anos, chegou à escola para buscá-lo e o viu sentado, quieto, no canto da sala.
“Todos os outros alunos estavam recortando, e ele não. Quando eu cheguei e a professora viu que eu estava perto, ela se aproximou dele e começou a recortar junto com ele”, relembra. Segundo Eliana, há segregação e preconceito na escola regular, e muitos professores não conseguem dedicar o tempo e o cuidado necessários aos alunos com deficiência nas salas de aula comuns.
Para Eliana, tornou-se insustentável pensar em Rodolfo frequentando o ensino regular a longo prazo. “Atrapalha o aluno que está lá, que vai prestar vestibular. Não sou inocente de achar que está tudo certo”, confessa.
Com a orientação de uma professora, Eliana cedeu e matriculou Rodolfo na Apae. “Foi a melhor coisa que eu fiz, foi o diferencial na minha vida e na vida da minha família. A partir daí ele socializou, fez amigos, teve o estímulo adequado, se desenvolveu”, comenta. Rodolfo não chegou a ser alfabetizado, mas preenche sua rotina com diversas atividades.
Além das aulas com os professores, ele e os demais atendidos pela associação recebem acompanhamento psicológico, terapia ocupacional e assistência social. Rodolfo também é apaixonado por esportes e pratica natação e futebol — sua grande paixão.
Apesar do grande apoio oferecido às famílias e à comunidade, o acesso à Apae se vê ameaçado. Uma ação apresentada em março ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) solicita uma medida cautelar sobre duas leis sancionadas pelo governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), que garantem recursos para a manutenção das Apaes. No estado, o programa destina R$ 1,9 bilhão para essas instituições.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), por ora, trata apenas do caso do Paraná, mas defensores da causa temem que sirva como um "balão de ensaio" para mudanças na política nacional. Uma medida nesse sentido é considerada catastrófica pelas entidades, que atendem, em todo o Brasil, 1.772.666 pessoas.
A federação autora da ação argumenta que as leis paranaenses sustentam um modelo educacional excludente, contrário aos princípios de inclusão plena defendidos pela política nacional de educação especial do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por outro lado, entidades avessas a essa visão alegam que ela desconsidera as múltiplas complexidades do atendimento especializado.
“O movimento apaeano sempre foi favorável à inclusão escolar. Defendemos que é um direito do aluno e da família. Porém, para o aluno mais comprometido, com dificuldades de compreensão e elaboração de ideias, isso é muito complicado. A sala de aula comum não traria nenhum benefício. A inclusão é um direito, mas, para os mais comprometidos, deve ocorrer em escola especializada”, defende o presidente da Apae Brasil, professor Jarbas Feldner de Barros.
Estrutura
Barros enfatiza que a própria estrutura da escola regular não está preparada. “O professor, os colegas, a grade curricular e pedagógica não estão adequados. É uma inclusão que resulta em exclusão, pois o aluno não consegue acompanhar o desenvolvimento da turma e acaba ficando para trás”, argumenta.
A Apae está presente hoje em 26 estados e no Distrito Federal, com 2.265 unidades, segundo a Federação Nacional das Apaes (Fenapaes). A estrutura robusta conta com 140 mil profissionais das mais diversas áreas: educação, saúde, assistência social, inclusão no mundo do trabalho, esporte, cultura, entre outras.
Um dos principais ganhos das Apaes na educação especial é a possibilidade de troca de experiências, socialização e apoio às famílias. “A socialização é uma consequência da vida escolar. Uma pessoa em uma escola especializada também está socializando”, pontua Barros.
Debate no Congresso
A discussão sobre educação especializada decorre do debate mais amplo sobre inclusão educacional e modelos de apoio às pessoas com deficiência. O ponto central gira em torno da chamada “inclusão plena”, que, na visão de alguns defensores, poderia ser promovida exclusivamente nas escolas regulares, com investimentos redirecionados para ampliar a estrutura de inclusão nesses espaços.
Para aprofundar o debate, o Senado Federal pautou a chamada PEC da Educação Especial. A proposta inclui, como princípio do ensino, a garantia de educação inclusiva em todos os níveis. Para avançar na Casa, a medida precisa passar por cinco sessões de discussão no Plenário.
Quando se preparava para a quarta sessão, a matéria foi retirada da pauta a pedido da senadora e relatora da proposta, Mara Gabrilli (PSD-SP). O motivo foi a necessidade de buscar consenso.
“O princípio de se trabalhar com educação é respeitar as diferenças — elas fazem parte da sala de aula e da vida. E nós esperamos que, com a retomada dos trabalhos em agosto, consigamos pautar a PEC novamente”, disse a senadora à CNN.
A parlamentar tem dialogado diretamente com as entidades para compreender as diferentes perspectivas sobre a questão. Na visão de parte das instituições, a redação atual da PEC prejudica a educação especial e as escolas especializadas, além de gerar insegurança jurídica.
“A última coisa que buscamos é um embate entre famílias sobre o modelo de educação que desejam para seus filhos. Não é nosso foco enfraquecer o trabalho das Apaes. Pelo contrário, trabalhamos para fortalecer essas instituições, que são respeitadas e especializadas em atuar de acordo com as características e necessidades de cada estudante”, afirma Gabrilli.
Nesse sentido, o senador Sérgio Moro (União-PR) apresentou uma emenda à proposta, que vem recebendo amplo apoio — 32 senadores já assinaram a sugestão. A alteração busca dar mais efetividade à política pública educacional e reforçar o amparo constitucional às instituições especializadas.
“Minha percepção é que a maioria das entidades apoia essa proposta redacional, porque ela satisfaz tanto aqueles que defendem a inclusão na escola regular quanto os que defendem a existência das instituições especializadas”, avaliou o senador, que resumiu a emenda ao direito de escolha das famílias.
Moro defende que o Congresso não dependa exclusivamente da decisão do STF e avance nas discussões da PEC. “O Supremo pode acertar e pode errar. A percepção é que [a ADI] é um balão de ensaio no Paraná, e que depois será estendida para outros estados”, conclui.