Entenda por que telefonema a Mourão pode complicar Bolsonaro na PGR

A depender do conteúdo da conversa, o caso pode ser entendido como obstrução da Justiça; Gonet não tem prazo para decidir se investiga ou arquiva o caso

Leonardo Ribbeiro, da CNN, Brasília
O ex-vice-presidente da República, Hamilton Mourão  • Marcelo Camargo/Agência Brasil
Compartilhar matéria

Na véspera do depoimento na condição de testemunha de defesa na ação penal que apura suposta tentativa de golpe de Estado, o ex-vice-presidente e senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) conversou por telefone com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no processo.

De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), a conversa entre réu e suas testemunhas por si só não é crime. Mas o conteúdo pode ser questionado, caso, por exemplo, haja uma combinação de respostas a serem dadas em juízo.

O líder do PT na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias, pediu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue a ligação.

Na representação, o parlamentar alega que a postura de Bolsonaro pode configurar obstrução de Justiça e uma tentativa de "embaraçar as investigações" ao influenciar a versão que seria relatada ao Supremo.

À CNN, Mourão confirmou a ligação. “Falamos na véspera sobre os pontos fortes a serem abordados: transição e 8 de janeiro”, disse. Depois, porém, o senador relatou que eles falaram apenas sobre o estado de saúde de Bolsonaro.

A obstrução da justiça, no âmbito do direito penal, consiste em atos destinados a impedir ou dificultar a investigação e a aplicação da justiça em casos envolvendo organizações criminosas.

Esse crime, legalmente denominado "obstrução à investigação de infração penal de organização criminosa", pode ser cometido por qualquer pessoa que, ao tomar conhecimento de uma investigação contra uma organização criminosa, adote medidas para atrapalhar ou embaraçar o processo investigativo.

Supremo aguarda parecer da PGR

A PGR avalia quais as providências cabíveis diante do caso. Auxiliares do procurador-geral da República, Paulo Gonet, dizem que uma das hipóteses na mesa é a convocação do senador para esclarecer os assuntos que foram tratados durante o telefonema.

Outra possibilidade, na leitura desses interlocutores, é deixar a pergunta para o momento do interrogatório dos réus, quando o próprio Bolsonaro poderá se manifestar a respeito do que ambos conversaram.

No entorno de Gonet, a dúvida é em que medida a iniciativa de Bolsonaro teve ou não o objetivo de convencer Mourão a dar uma determinada versão dos fatos sobre a investigação da trama golpista.

Inicialmente, fontes da PGR não viram indícios do crime de coação de testemunha, pois esse delito exigiria uma situação de ameaça ou intimidação, o que não parece ter ocorrido no caso.

Porém, a legislação brasileira prevê de três a oito anos de prisão a “quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Essa poderia ser uma brecha para investigar a conduta de Bolsonaro.

Mourão foi indicado como testemunha pelas defesas de Bolsonaro e dos ex-ministros Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto, todos réus do “núcleo 1” da investigação sobre a tentativa de golpe.