Especialistas veem disputa por herdeiros do bolsonarismo após prisão

Cientistas políticos ouvidos pela CNN Brasil divergem quanto a cenários sobre o que acontecerá com o movimento liderado pelo ex-presidente

Anna Júlia Lopes, da CNN Brasil, Brasília
Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro  • Valter Campanato/Agência Brasil
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Com a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o futuro do chamado “bolsonarismo”, movimento de extrema direita liderado pelo ex-mandatário, pode ficar em xeque.

Na avaliação de cientistas políticos ouvidos pela CNN Brasil, há mais de um cenário possível, mas todos envolvem a disputa de quem, de fato, ocupará o lugar de Bolsonaro.

Condenado a 27 anos de prisão pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por participar de plano de golpe de Estado e tornado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ex-presidente deve estar fora da disputa eleitoral de 2026.

No entanto, para Christian Lynch, autor do livro “O populismo reacionário: ascensão e legado do bolsonarismo”, a escolha de quem assumirá a liderança do bolsonarismo deve passar pelo ex-chefe do Executivo.

Na avaliação de Lynch, a família Bolsonaro não quer “perder aquilo que teve” e, por esse motivo, o clã não vai deixar de se posicionar nas próximas disputas.

Segundo o cientista político, não é apenas Jair Bolsonaro que quer manter a influência da família, o que explicaria o motivo de o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ter ido até os Estados Unidos para falar da situação do pai para a Casa Branca.

Para ele, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é quem assumirá o controle da família agora que o ex-presidente está preso. Conforme mostrou a CNN Brasil, Flávio tem se estabelecido como principal interlocutor familiar e se destacado como potencial representante da direita nas eleições presidenciais de 2026.

“A família Bolsonaro fica em pânico porque eles não querem entregar a liderança, não querem entregar o saco de votos do pai para o centrão”, explica.

Quanto à disputa, os cientistas políticos Odilon Neto e Eduardo Heleno compartilham da mesma visão.

Para Neto, coordenador do Observatório da Extrema Direita, o que está em questão é um “campo de disputa dentro do próprio campo bolsonarista”.

Na opinião dele, o embate foge, inclusive, do controle da família Bolsonaro. Contudo, ele afirma, o clã ainda exige uma espécie de “pedágio” para que aquele que vier a ocupar a cadeira do ex-presidente seja aceito.

Lynch avalia que Bolsonaro irá apoiar aquele que prometer “tudo” para ele, como o indulto, um perdão presidencial da sua pena; a nomeação de ministros publicamente bolsonaristas ao Supremo; e a anistia para os envolvidos no plano de golpe e no 8 de janeiro. “O negócio dele imediato é sair da cadeia”, conta.

Heleno, pesquisador de temas como democracia e Forças Armadas, também acredita que a disputa envolverá todos os “herdeiros” de Bolsonaro, sejam os filhos, sejam os intérpretes do bolsonarismo.

Possíveis cenários

Para Lynch, um dos cenários possíveis para o bolsonarismo é a tomada de controle e narrativa pelo centrão. Ele avalia que, ao mesmo tempo, em que o bloco não tem um interesse genuíno em Bolsonaro e na sua liberdade, o grupo quer absorver o eleitorado que antes apoiava o ex-presidente.

“O centrão tem agenda própria. O que esse pessoal quer é fazer com que o Bolsonaro apoie o candidato deles. Eles querem dissolver o voto da extrema direita bolsonarista em torno de um desses candidatos”, conta. Quando se refere aos candidatos, ele cita os nomes dos governadores do Paraná, Ratinho Jr. (PSD); de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil); e, sobretudo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo.

Ex-ministro de Bolsonaro, Tarcísio é visto como uma figura mais moderada, ao mesmo tempo em que sua imagem ainda é associada ao ex-mandatário, diz o especialista: “Ele é um candidato ideal do centrão, porque o centrão acha que ele parece bolsonarista, mas que, na verdade, ele é ‘centrônico’”.

De forma mais concreta, o cientista político fala ainda em uma possível chapa com Tarcísio à frente e Flávio como vice, já que acha “improvável” que o centrão apoie uma candidatura com o nome Bolsonaro disputando a cadeira do Palácio do Planalto.

O professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) cita também um eventual rompimento entre a família Bolsonaro e o centrão. Nesse cenário, o clã do ex-presidente lançaria um dos seus para presidenciável. Ele avalia que, embora haja chances de se dividirem no 1º turno no caso de uma candidatura assim, os dois grupos devem se juntar novamente no 2º turno.

Lynch também não descarta a possibilidade de surgimento de um “outsider”, uma figura supostamente de fora da política, assim como Bolsonaro se vendia – embora tivesse sido deputado federal por mais de 20 anos.

Para Eduardo Heleno, o cenário de maior possibilidade é a queda do bolsonarismo. De acordo com ele, há chances de o movimento não ser mais a escolha da direita para a Presidência da República.

Ele avalia que movimentos “extremistas” como o bolsonarismo geralmente são atrelados a dois pontos: a crise econômica e o carisma político.

“Devemos entender que um dos principais combustíveis da extrema direita e do bolsonarismo é o ressentimento, às vezes travestido em indignação, às vezes travestido em ódio puro. Outro elemento importante é o discurso de alerta, como se o país, a sociedade e a economia estivessem sob ameaça de um suposto avanço do comunismo”, declara.

Na avaliação de Heleno, com a retomada do crescimento econômico, da renda e do emprego no país, são “cada vez menos plausíveis” as condições para o sucesso do bolsonarismo sem Jair Bolsonaro.

Especialista em estudos sobre a militarização e a radicalização dos militares no Brasil, o cientista político acredita que, até mesmo dentro da categoria, o movimento deve perder popularidade. Ele diz que, mesmo assim, o bolsonarismo ainda persistirá “com força” nos quartéis, mas que está “longe de ser uma unanimidade”, principalmente depois de Bolsonaro perder o apoio de generais influentes na reserva, como o general Santos Cruz.

Embora veja como baixas as chances de o bolsonarismo ter sucesso a nível nacional sem o seu principal representante, o professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) acredita que, nos estados e municípios, a retórica bolsonarista ainda deve continuar em alta.

Narrativas do bolsonarismo

Para conseguir se manter, o bolsonarismo deverá se apoiar em pautas exploradas pelo ex-presidente, como a segurança pública e as chamadas pautas de costumes, que envolvem, principalmente, questões relacionadas à sexualidade. É como avalia o historiador Odilon Neto.

Surfando na popularidade da megaoperação realizada no Rio de Janeiro, a direita voltou ao destaque, depois de meses com a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em alta.

Para Neto, questões envolvendo os militares e a segurança pública, são “fundamentais” para a articulação do bolsonarismo com o eleitorado.

“A questão da segurança é muito importante não apenas pela questão da segurança pública e do apelo às polícias, que é uma parte componente do próprio bolsonarismo e do eleitorado, mas também a ideia de medo, de securitização, de militarização do cotidiano político brasileiro”, conta.

Na avaliação do historiador, as figuras do campo bolsonarista que tentarem ocupar o lugar de principal expoente do movimento também podem se aproveitar das pautas conservadoras, aproximando-se do público evangélico.

Além disso, ele diz, o ataque às instituições e ao governo federal também será uma das estratégias a ser utilizada pelos “herdeiros” do ex-presidente.