Julgamento do núcleo 2 começa com tumulto na tribuna e críticas à PF e PGR

Na sessão desta terça foram ouvidas as sustentações da PGR e dos advogados de defesa; julgamento será retomado na próxima terça com votos dos ministros

Gabriela Boechat, da CNN
Julgamento do núcleo 3 da trama golpista na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal)  • Rosinei Coutinho/STF
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A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu nesta terça-feira (09) o primeiro dia de julgamento do núcleo 2 da trama golpista. Na sessão, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e as defesas apresentaram suas sustentações orais.

A procuradoria reforçou o pedido de condenação dos seis réus pelos cinco crimes imputados na denúncia. Para o procurador, o grupo tentou manter Jair Bolsonaro (PL) no poder interferindo na eleição, monitorando autoridades e preparando medidas de exceção.

Já as defesas pediram absolvição dos réus, alegando falta de provas, fragilidade da delação de Mauro Cid e equívocos da PF (Polícia Federal) e da PGR na imputação.

O início da sessão foi, no entanto, foi marcado por tensão. A defesa de Mário Fernandes pediu a participação do ministro Luiz Fux no julgamento, alegando necessidade de paridade com outros núcleos. Alexandre de Moraes classificou o pedido como “absurdo” e lembrou que o regimento impede ministros da Segunda Turma de atuar em julgamentos da Primeira.

"O regimento interno diz claramente que bastam três ministros, e nenhum ministro pode integrar as duas turmas ao mesmo tempo. Isso é tão óbvio que causa espanto o pedido, talvez isso aconteça porque os advogados não estão acostumados a atuar no Supremo", disse o ministro.

Em seguida, a defesa de Filipe Martins pediu a palavra para contestar uma decisão de Moraes que vetou parte dos slides da sustentação oral. O ministro respondia ao pedido quando o advogado voltou à tribuna e o interrompeu. Flávio Dino, que é presidente da Turma, interveio e pediu que o advogado deixasse a tribuna, já que ele não tinha permissão para falar naquele momento. Diante da recusa e insistência da defesa, policiais judiciais precisaram se aproximar e pedir para que ele se sentasse. Veja o momento da discussão:

Este é o último núcleo das ações sobre plano de golpe de Estado a ser julgado pelo STF. Após a oitiva das defesas, a sessão foi suspensa. Ela será retomada na próxima terça-feira (9) com o voto dos ministros, começando com Moraes. Veja o que alegou cada advogado:

Fernando Oliveira

Ex-diretor do MJ, Fernando é acusado de encomendar um relatório de inteligência para orientar blitze eleitorais e, já na Segurança do DF, de omissão nos atos de 8/1.

A defesa de Fernando Oliveira diz que as provas do processo não confirmam a denúncia e que ele não participou da trama golpista. Segundo a defesa, Fernando não tinha poder nenhum sobre a Polícia Rodoviária Federal, não podia interferir em operações e nunca teve contato com Silvinei Vasques, que presidia o órgão na época e também é réu no núcleo.

A defesa afirma ainda que Fernando não se omitiu em suas funções na secretaria de segurança Pública do DF, muito menos era aliado ou próximo de Anderson Torres. A defesa mostrou conversas e áudios de WhatsApp para defender que o réu atuou em diferentes frentes para conter os invasores de 8 de janeiro e proteger os prédios públicos.

Filipe Martins

Ex-assessor de Bolsonaro, Martins é acusado de ajustar e apresentar a minuta do golpe e de participar de reuniões com militares para tentar viabilizar a ruptura institucional.

A defesa do ex-assessor afirma que a Polícia Federal e a PGR foram induzidas ao erro na investigação pelo tenente-coronel Mauro Cid. Segundo o advogado, Filipe foi preso por uma viagem que não fez, acusado com base em uma minuta que o próprio Cid negou em juízo ser a “minuta do golpe” e envolvido em registros de entrada no Palácio que teriam sido alterados ou produzidos de forma irregular.

A defesa sustenta que não há nenhuma prova contra Filipe além da palavra de Mauro Cid, que deu versões contraditórias e sem credibilidade, e conclui que, diante dessas dúvidas e da ausência de evidências concretas, Filipe deve ser absolvido.

Marcelo Câmara

Ex-assessor de Bolsonaro, Câmara é acusado de coordenar monitoramentos, coletar dados sensíveis e planejar ações violentas contra autoridades, incluindo Moraes.

A defesa sustentou que o coronel atuava apenas em funções administrativas e de logística da Presidência e que, por isso, não tinha autonomia ou dolo para participar de monitoramentos ou de qualquer operação clandestina.

O advogado citou mensagens de WhatsApp que nunca foram respondidas por Câmara; ausência de grupos golpistas no celular do réu e depoimentos de Mauro Cid que indicam que Câmara desconhecia as operações de monitoramento. Pediu que a colaboração premiada utilizada contra outros réus seja aplicada de forma íntegra também em favor de Câmara, buscando sua absolvição.

Marília de Alencar

Ex-diretora do MJ, Marília é acusada de solicitar um relatório de inteligência para favorecer Bolsonaro nas eleições por meio da PRF e, já no governo do DF, de omitir-se diante dos riscos do 8 de janeiro.

A defesa de Marília sustenta que não há qualquer prova de que ela tenha colaborado com Silvinei Vasques nas blitze do segundo turno nem de que tenha se omitido no 8 de janeiro. De acordo com a defesa, o BI solicitado por ela era um boletim de inteligência amplo, voltado a mapear fatores locais como crime organizado e infrações eleitorais, e não um instrumento para orientar blitze.

Sobre o 8 de janeiro, a defesa destaca que Marília havia tomado posse apenas três dias antes, não tinha equipe própria e atuava estritamente na área de inteligência, sem função operacional. Alega que ela montou células de monitoramento, produziu boletins que alertavam para riscos e atualizou as informações em tempo real, fazendo o possível para evitar caos social nas manifestações e tendo sua atuação descrita como “proativa” no relatório do interventor Ricardo Cappelli.

Mário Fernandes

Ex-secretário do governo Bolsonaro, o general é acusado de elaborar o plano que previa matar Lula, Alckmin e Moraes, além de articular com acampados no Quartel-General do Exército.

A defesa sustenta, porém, que não há provas de que Mário Fernandes tenha participado do planejamento do “Punhal Verde Amarelo” ou de qualquer reunião decisiva sobre o plano de golpe. O advogado afirma que a própria colaboração de Mauro Cid desmente a acusação: Cid teria dito que Mário não participou das reuniões, não tratou de monitoramentos e não tinha conhecimento do plano.

O advogado argumenta ainda que a acusação se apoia em coincidências e presunções, sem demonstrar conduta concreta, reunião, mensagem ou qualquer ato de Mário que configure participação em crime material.

Silvinei Vasques

Ex-diretor-geral da PRF, Silvinei é acusado de usar a PRF para dificultar o deslocamento de eleitores contrários a Bolsonaro.

A defesa afirma, porém, que não existe nenhuma prova material de que Silvinei tenha ordenado ou participado de qualquer atuação ilegal da PRF durante as eleições. Argumenta que toda a acusação se baseia em percepções, notícias da imprensa e depoimentos sem dados concretos. De acordo com o advogado, o Boletim de Inteligência (BI) citado na denúncia nunca chegou à PRF e a lógica técnica do órgão, que define pontos de fiscalização com base em acidentes, fluxo e criminalidade, não coincide com o mapa eleitoral citado na denúncia, o que provaria que o BI não orientou nenhuma operação.

A defesa também acusa o Ministério Público e a Polícia Federal de erros: diz que testemunhas sem prova material foram tratadas como peritos, que dados foram apagados por um dos envolvidos e que a versão da acusação mudou ao longo do processo para tentar sustentar a narrativa.