STF afasta retorno imediato de crianças ao país em casos de violência
Tese firmada considera a existência de indícios concretos de maltratos para evitar o retorno de meninos e meninas estrangeiras

O STF (Supremo Tribunal Federal) definiu nesta quarta-feira (27) que crianças não devem ser devolvidas imediatamente ao país de origem quando houver suspeita de violência doméstica. A decisão avaliou a compatibilidade da Convenção da Haia com a Constituição Federal.
A discussão ocorreu em duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4245 e 7686), que questionavam dispositivos do tratado internacional que facilitavam o retorno de crianças retiradas ilegalmente de seus países.
A convenção estabelece que, em situações de violação do direito de guarda, a criança ou adolescente deve ser prontamente repatriado ao país de origem.
Até então, a única exceção admitida ocorria quando houvesse comprovação de risco grave de que, ao retornar, o menor fosse exposto a perigos físicos ou psicológicos, ou colocado em uma condição intolerável.
No entanto, a maioria dos ministros do Supremo acompanhou o voto do relator, Luís Roberto Barroso, ampliando essa exceção para incluir casos em que existam indícios concretos de violência doméstica — ainda que a criança ou adolescente não seja alvo direto do abuso.
Durante o julgamento, foram apresentadas propostas de teses jurídicas, medidas estruturantes e determinações específicas, consolidadas em uma única para a deliberação.
A deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), um das partes que entrou com a ação no Supremo, celebrou a tese firmada.
"É algo assim extremamente importante que vai proteger as famílias, as mães que estão em situação da Convenção da Haia, mas também avança no entendimento da legislação nacional - na Lei Maria da Penha - porque entende que a violência contra a mulher, violência doméstica, é também uma violência contra a família", detalha.
A tese formada foi a seguinte:
- 1. A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis da subtração internacional de crianças é compatível com a Constituição Federal, possuindo status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, por sua natureza de tratado internacional de proteção de direitos da criança.
- 2. A aplicação da Convenção no Brasil, à luz do princípio do melhor interesse da criança (art. 227, CF), exige a adoção de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças.
- 3. A exceção de risco grave à criança, prevista no art. 13 (1) (b) da Convenção da Haia de 1980, deve ser interpretada de forma compatível com o princípio do melhor interesse da criança (art. 227, CF) e com perspectiva de gênero, de modo a admitir sua aplicação quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica, ainda que a criança não seja vítima direta.


