STF vai além das atribuições ao analisar exceções à regra de imunidade das plataformas, dizem especialistas

Presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu a criação de um algoritmo para monitorar conteúdos ofensivos; magistrados podem julgar recursos que flexibilizam o Marco Civil da Internet nos próximos meses

Lucas Schroeder e Pedro Jordão, da CNN, em São Paulo
Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília
Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília  • José Paulo Lacerda/Estadão Conteúdo - 20.out.2010
Compartilhar matéria

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou, na segunda-feira (9), que a Corte estuda duas exceções à atual regra de imunidade das plataformas digitais, determinada pelo Marco Civil da Internet, que regula a rede de computadores no Brasil.

De acordo com a legislação atual, plataformas como Facebook, X (antigo Twitter), YouTube, dentre outras, só podem ser responsabilizadas civilmente caso não cumpram ordens judiciais visando remoção de conteúdo.

Conforme declarou Barroso, as empresas deveriam ser obrigadas a remover conteúdos criminosos, de ofício - ou seja, sem a necessidade de iniciativa ou participação de terceiros.

A segunda exceção ocorreria no caso de violações de direitos fundamentais. Assim, bastaria uma notificação privada, como observado hoje com o compartilhamento de imagens íntimas ou violação de direitos autorais.

O Supremo se prepara para julgar nos próximos meses dois recursos que flexibilizam o Marco Civil da Internet.

"Tem que ter um algoritmo programado para enfrentar comportamentos criminosos e tem que ser algoritmo, porque não há controle humano possível sobre o volume de postagens que existe", defendeu Barroso durante a conferência "Digitalização e Democracia", realizada na Universidade Goethe, em Frankfurt, na Alemanha.

A fala de Barroso foi divulgada anteriormente pelo jornal Folha de S. Paulo. Na ocasião, o ministro declarou ainda que a regulação das redes é "imperativa e imprescindível".

A CNN ouviu especialistas que avaliaram a ideia proposta pelo presidente do Supremo.

"Questão deve ser discutida e decidida pelo Legislativo", defende advogado

Alexander Coelho, advogado especializado em Direito Digital e Proteção de Dados, reconhece a importância da regulamentação da internet no Brasil através do Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014), mas pontua que não cabe ao STF "criar novas legislações".

"A proposta de criar exceções ao Marco Civil para obrigar empresas a remover comportamentos e conteúdos criminosos, de ofício, assim como para casos de violações claras de direitos fundamentais, é uma questão que deve ser discutida e decidida pelo Legislativo", destaca Alexander.

A criação de novas leis e regulamentações, como a implementação de um algoritmo para monitorar comportamentos criminosos, está dentro da competência do Congresso Nacional
Alexander Coelho, advogado especializado em Direito Digital e Proteção de Dados

O especialista acrescenta ainda que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem respeitar suas funções a fim de garantir a separação entre eles.

"Se há interesse em contribuir ou debater a criação de exceções ao Marco Civil da Internet, o caminho adequado é por meio do processo legislativo, com a participação dos representantes eleitos pelo povo no Congresso. É importante que a sociedade civil, especialistas sobre o tema e cidadãos estejam envolvidos no debate para garantir que as decisões tomadas sejam equilibradas e respeitem os princípios do Estado de Direito", complementa o advogado.

Algoritmo pode gerar censura prévia, diz especialista

Na avaliação de Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF), a discussão do tema se deve à omissão do Congresso Nacional em se debruçar sobre a questão.

Contudo, o especialista se mostra reticente quanto à criação de um algoritmo para monitorar conteúdos ofensivos.

Se o algoritmo tivesse a finalidade de impedir uma publicação, então ele seria uma forma de censura prévia
Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo IDP-DF

"Hoje, a Meta [empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp], breca várias publicações que eles classificam ofensivas, só que a forma deles é limitando o público", avalia Acacio.

STF não pode determinar exceções à lei, avalia advogada

Segundo Priscila Pamela dos Santos, advogada criminalista do Prerrogativas, o STF pode, por exemplo, entender que houve danos à imagem de uma pessoa em razão de uma publicação nas redes sociais.

"Nesse caso, o STF pode julgar que, comprovado o dano à pessoa, ela deve ser ressarcida", indica Priscila.

No entanto, "o que ele não pode é estender isso e dizer que há duas exceções à lei. Isso é extrapolar os limites".

Cada vez mais a gente vai dando poderes e municiando o Supremo para largar os poderes que foram constitucionalmente assegurados
Priscila Pamela dos Santos, advogada criminalista do Prerrogativas

"O STF pode julgar o caso concreto a partir disso, mas não estender esse efeito para todos os casos de forma indistinta. Aí tem que ser via Congresso", completa a advogada.

Veja também - CCJ aprova PEC que limita decisões monocráticas no STF