Toffoli defende obrigatoriedade do juiz de garantias e propõe um ano para implantação
Para o ministro, CNJ deve supervisionar adoção de regras para adequar o Judiciário ao novo modelo; ele vai terminar seu voto na quinta (10)
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu nesta quarta-feira (9) a criação obrigatória do juiz de garantias com um prazo de um ano para sua implantação.
O período, conforme o ministro, poderia ser prorrogado uma vez e pelo mesmo tempo, desde que tribunais apresentem justificativas e que elas sejam aceitas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O conselho também deverá supervisionar a adoção de medidas para adequar o Judiciário ao novo modelo e definir regras de transição para casos em andamento, conforme a proposta do magistrado.
Toffoli propôs ainda que o juiz de garantias atue até o oferecimento da denúncia, sem decidir sobre seu recebimento ou não. O ministro começou a apresentação do seu voto, mas não concluiu. Ele deve finalizar a leitura na quinta-feira (10).
O Supremo retomou nesta quarta-feira (9) o julgamento sobre a implementação do juiz de garantias: um magistrado que atuaria só na fase de instrução do processo e seria responsável por fiscalizar a legalidade da investigação criminal, autorizando medidas como prisões, quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão.
Esta foi a quinta sessão a tratar do assunto.
O que é
A figura do juiz de garantias foi criada pelo pacote anticrime, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2019. Teve a aplicação foi suspensa em janeiro de 2020 por decisão do ministro Luiz Fux, então vice-presidente do STF.
Fux é o relator de quatro ações que contestam a figura, propostas pelos partidos PSL (hoje União Brasil), Podemos e Cidadania, além de entidades representativas de carreiras jurídicas: Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
Na última sessão que tratou do tema, em 28 de junho, o relator finalizou a apresentação do voto. Ele votou contra a implantação obrigatória do instrumento, que ficaria a critério de cada tribunal do país.
Voto de Toffoli
Após a manifestação do relator, Toffoli pediu vista [mais tempo para análise] e interrompeu o julgamento. Na volta, nesta quarta, ele começou a apresentar seu voto.
Para Toffoli, a criação do juiz de garantias pelo Congresso é “formalmente legítima” e não viola a autonomia e o poder de auto-organização dos tribunais. “O que se está a mudar é a cultura do processo penal”, afirmou.
Ao defender a obrigatoriedade da criação da figura, Toffoli disse que deixar sua adoção “ao sabor das conveniências regionais e da estrita discricionariedade dos entes federativos e dos tribunais implicaria dar a eles o poder de tornar o juiz de garantias ‘letra-morta’”.
Diferentemente do que definiu a lei de 2019 sobre as competências do juiz de garantias, Toffoli entende que a atuação desse magistrado se encerra com o oferecimento da denúncia. O texto aprovado pelo Congresso diz que cabe ao juiz de garantias decidir sobre o recebimento da denúncia.
“A competência do juiz das garantias se encerra com o oferecimento da denúncia, e não com o recebimento, devendo o juiz da instrução ter acesso aos elementos produzidos no inquérito policial ou do procedimento investigativo criminal”, afirmou.
Toffoli também defendeu que o juiz de garantias não atue em processos de competência do Tribunal do Júri, e em casos de violência doméstica e familiar, além dos processos da Justiça Eleitoral.
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“Pela sua natureza, os casos de violência doméstica e familiar exigem disciplina processual penal específica, que traduza um procedimento mais dinâmico, apto a promover o pronto e efetivo amparo e proteção da vítima de violência doméstica”, afirmou o ministro.
Toffoli disse que a aplicação do juiz de garantias em processos eleitorais “merece maior reflexão” e demanda “um estudo maior”.
O ministro também defendeu que seja fixado um prazo de 30 dias para que o Ministério Público encaminhe aos respectivos juízes dos casos todos os procedimentos de investigação criminal, sob pena de nulidade das apurações. O período começaria a contar a partir da publicação da ata de julgamento das ações pelo STF.
“O poder investigativo do MP é legítimo, mas essa atuação não pode ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir inevitavelmente direitos fundamentais. Prever a figura do juiz das garantias para assegurar o respeito aos direitos fundamentais dos investigados na fase pré-processual, mas impedi-lo de atuar nos procedimentos investigativos que ocorrem nas gavetas pelo simples fato de não serem conduzidos pela polícia, mas pelo Ministério Público, é inverter a lógica garantista do novo microssistema que já deveria ser aplicado desde a decisão do RE 593.727”, afirmou.
Relator
Em junho, Fux defendeu que a forma como o juiz de garantias foi estabelecida invadiu a competência dos estados e dos tribunais. O ministro também disse que houve vícios na tramitação legislativa da proposta, como ausência de planejamento ou previsão de impacto orçamentário.
Para o relator, há também violação ao princípio da razoável duração do processo. Fux entendeu que, da forma como foi disciplinado pela lei, a implementação do juiz de garantias pode levar a um maior tempo para a Justiça julgar processos criminais.
Histórico
A aprovação do juiz de garantias guarda embates da tramitação do pacote anticrime. A proposta leva o nome do conjunto de proposições apresentadas pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro.
O texto aprovado, no entanto, é bem diferente do que havia sido proposto pelo ex-juiz da Lava Jato e traz contribuições feitas por uma comissão de especialistas no Congresso coordenada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Moro sempre foi contra a figura do juiz de garantias, mas a medida foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, em um aceno ao Centrão, contrariando a opinião do então ministro.