Tribunais brasileiros dobram menções à LGPD em decisões em um ano
Estudo aponta consolidação da lei e utilização contínua com o Código de Defesa do Consumidor

Um levantamento do JusBrasil e do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), obtido com exclusividade pela CNN, divulgado nesta terça-feira (1º), mostra que as menções da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) em decisões de tribunais brasileiros dobraram no período de um ano.
Mais de 15 mil decisões consideraram a norma e o resultado demonstra um amadurecimento da aplicação da lei no país, segundo os pesquisadores.
Conforme o estudo, entre outubro de 2023 e outubro de 2024, o número de decisões judiciais que citam a norma saltou de 7.503 para 15.921. Em 33% das deliberações, a LGPD foi considerada o tema central.
O relatório se trata da quarta edição do "Painel LGPD nos Tribunais", uma iniciativa do Cedis-IDP (Centro de Direito, Internet e Sociedade) em parceria com o JusBrasil, com apoio do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
A análise considerou uma amostragem de mais de 2.000 decisões em tribunais estaduais, de primeira e segunda instância, e nos tribunais superiores. A pesquisa envolveu 49 pesquisadores voluntários.
Em vigor no Brasil desde setembro de 2020, a legislação é um marco legal que estabelece regras sobre a coleta, uso, tratamento e armazenamento de dados pessoais.
A LGPD garante aos cidadãos maior controle sobre suas informações, definindo direitos como acesso e correção, e exige o consentimento para o uso dos dados. O descumprimento pode gerar multas e sanções, incentivando as empresas a protegerem a privacidade e a segurança digital dos usuários brasileiros.
À CNN, Mônica Fujimoto, uma das coordenadoras do estudo e professora no IDP, conta que o avanço do uso da LGPD nas decisões judiciais representa um processo natural para a difusão e consolidação da lei no país.
"Desde a primeira edição, nós observamos uma importância muito grande de diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e a LGPD. Existe uma tendência ano a ano de aplicação dessas duas normas", explica.
Fujimoto diz que, por parte dos autores das ações, existe uma demanda crescente por incidentes de segurança, como em casos de fraudes por vazamentos de dados.
Conforme a coordenadora científica do estudo, existe ainda uma lacuna na presença da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) nos processos analisados, que pode ser justificada na medida que o órgão ainda está em processo de estruturação.
"No nosso espaço amostral, não identificamos encaminhamentos de casos para ANPD, nem utilização dos entendimentos da autoridade. Então, por ser uma legislação nova e uma autoridade recente, que está em processo consolidação da estrutura institucional, ela ainda não vem sendo instigada e chamada aos autos", detalha Fujimoto.
Tendências e lacunas
Segundo o estudo, as tendências observadas incluem a alta incidência de casos envolvendo os setores financeiros, de bancos de dados cadastrais e o setor público. Em especial, aos casos de responsabilizar as instituições financeiras por vazamento de dados, que ocasionou golpes dos clientes.
O relatório identificou no setor público muitas ações de dano moral sobre a oferta de empréstimos consignados após concessão de benefícios previdenciários, como nas fraudes envolvendo o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
No entanto, os resultados não foram favoráveis aos beneficiários lesados, por falta de comprovação de nexo causal de vazamento a partir de bases públicas.
Outra tendência de jurisprudência é acerca da utilização de provas de geolocalização para controle de jornada de trabalho, com o TST (Tribunal Superior do Trabalho) reconhecendo sua possibilidade sob certas restrições. Porém, a maioria dos pedidos foi indeferida por falta de comprovação.
Os pesquisadores também constatam haver uma consolidação do entendimento de que as redes sociais têm o dever de garantir os direitos dos titulares em casos de invasão de contas, exigindo o restabelecimento de perfis e a correção/exclusão de dados.
Segundo o estudo, existe a necessidade de demonstração do nexo causal entre incidentes de segurança e os danos alegados, com precedentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Segundo a pesquisadora Mônica Fujimoto, embora as decisões citem a LGPD, é necessário que as sentenças judiciais avancem sobre a aplicação da lei.
"Desde o ano passado, a gente já consegue ver que há um avanço expressivo da difusão da lei e na importância para a garantia de direitos, porque ela está sendo buscada em juízo", ressalta.