Brasileiros desenvolvem dispositivo que simula pulmão e nódulos

Ideia é tornar mais acessível no país objeto utilizado para avaliar o desempenho de tomógrafos computadorizados na região pulmonar

Frances Jones, da Revista Pesquisa FAPESP
Na versão antropomórfica do phantom, módulos encaixáveis reproduzem as propriedades dos tecidos pulmonares  • Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP
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Para avaliar a qualidade das imagens geradas por aparelhos de TC (tomografia computadorizada) e definir protocolos na detecção de nódulos, radiologistas, biomédicos e físicos médicos recorrem a dispositivos que funcionam como um boneco de testes. No lugar de realizar estudos em humanos, uma vez que a radiação excessiva pode causar danos à saúde, eles colocam nas máquinas objetos simuladores que permitem calcular a melhor dose para fazer um exame em determinada parte do corpo. Esses objetos são chamados phantoms.

Na Universidade de São Paulo (USP), um projeto liderado pelo físico Paulo Roberto Costa, do Departamento de Física Nuclear do IF (Instituto de Física), resultou em um novo phantom para TC de pulmão, exame para a detecção precoce de um dos cânceres mais letais. Foram mais de 1,8 milhão de mortes decorrentes de câncer de pulmão no mundo em 2022. No Brasil, a doença vitimou 28,6 mil pessoas em 2020.

“Nosso phantom combina funcionalidades tradicionais e bem estabelecidas, adotadas para a otimização de equipamentos de TC, com a possibilidade de produção de imagens com aparência semelhante à região pulmonar humana”, afirma Costa. O dispositivo é híbrido: avalia e quantifica, ao mesmo tempo, parâmetros físicos de qualidade da imagem e características antropomórficas do órgão, como os tipos de tecidos presentes no pulmão. O desenvolvimento, iniciado há cinco anos, teve apoio da Fapesp. O artigo sobre o trabalho foi publicado na revista Medical Physics em agosto.

O phantom criado no IF-USP é baseado em parte em um modelo criado na Universidade Duke, nos Estados Unidos, que depois foi adaptado e hoje é comercializado sob o nome Mercury pela empresa Sun Nuclear — o aparelho não é específico de uma parte do corpo humano. Esse phantom fornece informações quantitativas, como resolução, contraste e ruído da imagem, para testar um tomógrafo, enquanto o dos pesquisadores brasileiros usa técnicas de impressão 3D e resinas para dar um caráter antropomorfo ao dispositivo e gerar imagens tomográficas realistas como as obtidas com pacientes no dia a dia dos radiologistas. Os modelos 3D foram impressos no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas (SP).

“Phantoms comerciais, como o Mercury, têm a vantagem de testar o tomógrafo de maneira abrangente, mas não permitem avaliar com mais especificidade as propriedades singulares de uma parte do corpo”, explica Costa. Por isso, o grupo paulista decidiu focar nas especificidades do pulmão. De acordo com o físico, a qualidade das imagens radiológicas é proporcional às doses de radiação utilizadas – ou seja, altas doses permitem a obtenção de imagens de alta qualidade, enquanto as baixas podem comprometer o resultado clínico. “O equilíbrio entre segurança do paciente e imagem de boa qualidade é difícil de se obter.”

Simulação de um exame de tomografia computadorizada com o phantom criado na USP | Foto: Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP
Simulação de um exame de tomografia computadorizada com o phantom criado na USP | Foto: Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

Colaboração internacional

O trabalho teve a colaboração de radiologistas especializados em imagens de pulmão, entre eles o diretor do corpo clínico do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da FM-USP (Faculdade de Medicina da USP), Marcio Sawamura. “Apoiei a parte médica do projeto. Separamos imagens de pacientes reais para usar como modelo. Selecionamos imagens de nódulos pulmonares e tentamos construir modelos que os reproduzissem. Depois, revisamos as imagens feitas com os diversos materiais usados na simulação dos nódulos para ver quais ficavam mais parecidas com os de verdade”, conta Sawamura.

Parte da validação do dispositivo foi feita no Centro Médico da Universidade Radboud, em Nijmegen, nos Países Baixos, entre 2023 e 2024. Neste período, o phantom foi submetido a medições em dois equipamentos de TC de última geração. “Passei um ano nos Países Baixos com uma bolsa de pesquisa no exterior da Fespep. Nesse período, houve uma intensa troca com o radiologista Bram Gertus para chegarmos a um modelo confiável do phantom”, afirma o físico.

Costa levou na bagagem o phantom, que pesa 60 quilos. “Ele tem uma parte sólida pesada. Quando colocado em pé, parece um bolo de noiva”, comenta. Nessa estrutura principal, feita de polietileno de ultra alto peso molecular, há módulos encaixáveis com cinco diâmetros diferentes, de 12 a 37 centímetros, representando pacientes de diferentes tamanhos. Ela é usada nas duas configurações. Na tradicional, pequenas placas no interior da estrutura captam os dados numéricos que traduzem as principais características do tomógrafo. Como num jogo de encaixe, para a versão antropomórfica, é colocado um outro grupo de inserts, que imita as propriedades dos tecidos da região pulmonar e de diferentes tipos de nódulos.

“Considero um trabalho de excelência e visionário. É muito difícil a construção de um fantoma antropomórfico para simular o pulmão, devido às minúcias de suas estruturas anatômicas”, comenta a física Diana Rodrigues de Pina, do Departamento de Infectologia, Dermatologia, Diagnóstico por Imagem e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), que não participou do desenvolvimento.

O produto em desenvolvimento na USP, diz Pina, cobrirá uma lacuna no país, já que, embora existam phantoms de pulmão para TC disponíveis internacionalmente, eles são de difícil acesso e custo elevado, em torno de R$ 130 mil. Um ponto forte do desenvolvimento nacional, para a física da Unesp, é o fato de ser um dispositivo híbrido. “Ele auxiliará o médico radiologista na avaliação da imagem e permitirá a implementação de protocolos por empresas nacionais que prestam serviços de controle de qualidade em tomógrafos”, diz.

Costa negocia com uma empresa para estabelecer uma parceria visando ao aprimoramento do protótipo. “O atual é uma prova de conceito. Dentro de algum tempo, queremos ter uma versão comercial”, diz o pesquisador. “Agora que demonstramos sua aplicabilidade e o potencial de uso para a otimização de aparelhos de TC, estamos trabalhando em outras ferramentas para aprimorar o estudo de casos para diagnóstico de câncer”, destaca o físico. Uma das inovações previstas será o desenvolvimento de outros modelos antropomórficos para mimetizar pneumonias, infecções e outros achados revelados por imagens tomográficas. O uso de ferramentas de IA para quantificar volumes de nódulos está sendo considerado.

Os bons resultados obtidos com o phantom de pulmão estimularam Costa a se dedicar a dois novos projetos. “Estamos aprimorando um modelo de abdômen, composto por peças impressas em 3D representativas do fígado, do baço e dos rins, para dar início aos testes de validação”, declara. “O outro, um dispositivo para simular o crânio, está em estágio avançado.”

A reportagem acima foi publicada com o título “Simulador de pulmão” na edição impressa nº 357, de novembro de 2025. Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.