Como a nota de sono prevê seu desempenho na musculação

Entenda como dados de sono, captados por relógios e aplicativos, ajudam a antecipar queda de força, fadiga e risco de lesão nos treinos

Lucas Machado, colaboração para a CNN Brasil
A nota de sono, medida por apps e wearables, ajuda a antecipar queda de força, fadiga e risco de lesão na musculação.
A nota de sono, medida por apps e wearables, ajuda a antecipar queda de força, fadiga e risco de lesão na musculação  • Pexels
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Dormir bem deixou de ser apenas uma recomendação genérica de saúde e passou a ser um dado mensurável. Com a popularização de relógios inteligentes, anéis e aplicativos de monitoramento, cada vez mais pessoas acordam com um número na tela: a chamada “nota de sono”.

Para quem pratica musculação, essa pontuação tem ganhado um novo significado, o de prever, com certa antecedência, como o corpo vai responder ao treino do dia.

Segundo o ortopedista Diego Munhoz, a nota de sono funciona como um termômetro de recuperação física e neurológica. “Ela traduz a qualidade do sono em um índice numérico, geralmente de 0 a 100, calculado a partir de vários parâmetros fisiológicos”, explica.

O que é a nota de sono e o que ela não é

De acordo com Munhoz, a nota de sono é gerada a partir de dados como tempo total dormido, continuidade do sono, quantidade de sono profundo e REM, além de sinais fisiológicos como frequência cardíaca e variabilidade da frequência cardíaca (HRV). Esses dados são captados por sensores de movimento e de batimentos cardíacos presentes em dispositivos vestíveis e interpretados por algoritmos treinados com estudos de laboratório do sono.

O especialista ressalta, no entanto, que a nota não deve ser confundida com um exame médico. “Ela não substitui uma polissonografia nem faz diagnóstico. Mas é um bom indicador de como está a recuperação do organismo, especialmente quando analisada ao longo do tempo”, afirma.

Os parâmetros do sono que mais importam para quem treina força

Para praticantes de musculação, nem todos os dados do sono têm o mesmo peso. Segundo o Munhoz, quatro pilares merecem atenção especial. O primeiro é a duração total do sono. De acordo com o especialista, estudos apontam que dormir entre 7 e 9 horas por noite está associado a melhor função muscular, composição corporal e equilíbrio hormonal.

O segundo é o sono profundo, também chamado de sono de ondas lentas. “É nessa fase que ocorre o maior pico do hormônio do crescimento (GH), fundamental para recuperação e reparo muscular”, explica o médico. Já o sono REM tem papel central na recuperação do sistema nervoso central, na consolidação da memória motora e na coordenação, impactando diretamente a técnica durante o treino.

Por fim, a variabilidade da frequência cardíaca (HRV) funciona como um marcador indireto do equilíbrio entre os sistemas simpático e parassimpático. “HRV mais alta costuma indicar melhor recuperação global”, afirma. O especialista também chama atenção para a latência do sono, o tempo que a pessoa leva para adormecer. “Quando esse tempo é muito longo, geralmente há estresse ou rotina desorganizada, o que compromete a recuperação no médio prazo.”

O que acontece no corpo quando você dorme mal

Segundo o Munhoz, a qualidade do sono influencia diretamente o desempenho na musculação por três grandes vias. A primeira é o sistema nervoso central. “É durante o sono que o cérebro se restaura. Noites ruins aumentam a percepção de esforço, reduzem o foco e prejudicam o recrutamento de unidades motoras de alto limiar, que são as fibras mais fortes e explosivas”, explica.

A segunda via é o metabolismo energético. Dormir mal piora a sensibilidade à insulina e o uso do glicogênio muscular, reduzindo a capacidade de sustentar séries intensas ou treinos mais longos. A terceira envolve o ambiente hormonal e inflamatório. “A privação de sono eleva o cortisol, reduz picos adequados de GH e altera hormônios ligados à fome e saciedade, como leptina e grelina”, diz. O resultado prático é um atleta mais cansado, menos explosivo e com maior dificuldade de rendimento.

O que a ciência diz sobre sono e força muscular

As evidências científicas reforçam essa relação. Segundo Munhoz, uma revisão publicada em 2018 mostrou que a restrição de sono, mesmo parcial, pode reduzir a força máxima, especialmente em exercícios compostos, além de piorar a manutenção do desempenho ao longo das séries.

O médico ainda afirma que estudos mais recentes com atletas e indivíduos treinados também indicam que vários dias consecutivos dormindo pouco levam a menor volume total de treino, pior percepção de recuperação e aumento da fadiga durante exercícios de resistência. Revisões focadas em desempenho esportivo ainda associam a privação de sono à queda de potência, velocidade e coordenação, além de maior risco de lesões.

Dá para prever o treino do dia pela nota de sono?

Apesar da utilidade do indicador, o especialista alerta para interpretações simplistas. “Não existe uma fórmula que diga que uma queda de 20 pontos na nota de sono representa exatamente X% a menos de carga no treino”, explica Munhoz. Isso porque cada fabricante utiliza algoritmos próprios, o que torna as notas pouco comparáveis entre dispositivos.

A recomendação é observar tendências ao longo dos dias, e não um número isolado. “A nota deve ser usada como ferramenta de ajuste, não como sentença”, afirma.

Como usar a nota de sono a favor do treino

Na prática, Munhoz orienta que notas consistentemente baixas sejam um sinal para reduzir carga, volume ou intensidade, priorizando técnica e recuperação. Já em dias de boa pontuação, o corpo tende a responder melhor a treinos mais exigentes. “O ideal é cruzar o dado objetivo da nota com a percepção subjetiva de esforço e fadiga.”