Desligar uma enzima pode evitar a obesidade causada por excesso alimentar

Desativar enzima CaMKK2 em células imunes protegeu ratos contra obesidade, resistência à insulina e inflamação, abrindo caminho para novos tratamentos

Jorge Marin, colaboração para a CNN Brasil
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A obesidade não se resume a acumular gordura no organismo, mas inclui alterações metabólicas, resistência à insulina e pequenas inflamações  • Freepik
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Talvez um dos enigmas mais complexos da saúde pública contemporânea, a prevenção da obesidade foi obtida pela primeira vez em uma prova de conceito conduzida por cientistas da Universidade de Monash, na Austrália, e da Faculdade de Medicina Baylor, nos EUA.

Ao removerem uma enzima chamada CaMKK2 de células do sistema imune (macrófagos) de ratos de laboratório, os animais ficaram protegidos tanto contra a obesidade, quanto contra a resistência à insulina induzidas por dieta. O achado apresenta um alvo até então inédito para o tratamento dos distúrbios metabólicos.

Ao contrário do que muita gente pensa, a obesidade não se resume a “acumular gordura” no organismo. O processo também inclui alterações metabólicas, resistência à insulina — que faz o corpo acumular mais açúcar no sangue — e pequenas inflamações nos tecidos adiposos, no fígado e nos músculos.

Quando a pessoa ingere excesso de gordura ou açúcar, os macrófagos interpretam essa sobrecarga de nutrientes como um “perigo” ou estresse para o corpo (e é). Como são células do sistema imune, eles ativam uma inflamação local para digerir eventuais células mortas, remodelar o tecido e alertar o corpo sobre o problema.

Contudo, essa inflamação, que é protetora a curto prazo, torna-se um problema quando persiste por muito tempo, pois interfere no metabolismo da glicose e da insulina, gerando resistência e piorando a obesidade. Segundo os autores, a CaMKK2 ativa os macrófagos, ou seja, prolonga essa inflamação prejudicial.

Avaliando o papel da CaMKK2 na regulação da inflamação e no metabolismo

Quando uma pessoa ingere muitos alimentos gordurosos ou açucarados, os macrófagos interpretam o excesso como perigoso ou estressante • Freepik
Quando uma pessoa ingere muitos alimentos gordurosos ou açucarados, os macrófagos interpretam o excesso como perigoso ou estressante • Freepik

Além de atuar como um interruptor nos macrófagos — decidindo se devem manter a inflamação ou encerrá-la —, a proteína CaMKK2 também conecta o sistema imune ao metabolismo, indicando se as células devem queimar ou armazenar combustíveis como glicose e gordura.

Para entender o papel dessa enzima na regulação da inflamação e no metabolismo corporal — quando a obesidade surge por ingestão excessiva de calorias, gordura e açúcar —, os autores criaram geneticamente ratos que não produziam a CaMKK2 nas células mieloides (originadas na medula óssea).

Divididos em dois grupos, ratos sem CaMKK2 e controles normais receberam uma dieta rica em gordura durante semanas. Em seguida, os pesquisadores avaliaram peso, gordura, gasto energético, alimentação, níveis de glicose e insulina, os tecidos adiposo e hepático, expressão gênica e metabolismo dos macrófagos.

Mesmo com a dieta hipercalórica, os roedores sem a CaMKK2 continuaram magros, pois queimaram mais energia sem reduzir o consumo alimentar. Também apresentaram baixos níveis de glicose e insulina, melhoraram a tolerância à glicose, o metabolismo dos tecidos e não acumularam gordura no fígado.

Em um comunicado, os autores explicam que, quando o gene CaMKK2 é retirado dos macrófagos, o tecido adiposo — que é na verdade um órgão que armazena gordura — passa a funcionar de maneira similar ao de pessoas metabolicamente saudáveis, ou seja, queimando energia eficientemente e sem inflamações.

Implicações da manipulação da CaMKK2 para o tratamento da obesidade

Descobrir que a CaMKK2 em macrófagos regula o metabolismo pode dar início a nova geração de medicamentos antiobesidade • wirestock/Freepik
Descobrir que a CaMKK2 em macrófagos regula o metabolismo pode dar início a nova geração de medicamentos antiobesidade • wirestock/Freepik

Descobrir que a CaMKK2 em macrófagos regula o metabolismo pode ser o primeiro passo para uma nova geração de medicamentos antiobesidade. Mais focados que as terapias existentes, inibidores dessa enzima poderiam combater, ao mesmo tempo, ganho de peso, resistência à insulina e inflamação crônica.

Embora estudos anteriores já tenham mostrado que as células imunes participam da obesidade, muitas vezes elas eram vistas como coadjuvantes, apenas reagindo à gordura excessiva. Ao alterar a CaMKK2 nos macrófagos, os autores demonstraram que as células imunes são protagonistas no ganho de peso.

Essa abordagem permite identificar exatamente onde a intervenção é útil e onde poderia ser prejudicial, o que é fundamental para o desenvolvimento de medicamentos mais seguros. Assim, ao compreender os benefícios da remoção da CaMKK2, os pesquisadores podem criar terapias direcionadas, sem prejudicar outros tecidos.

Futuramente, potenciais inibidores de CaMKK2 poderiam potencializar terapias já existentes, como dieta, exercícios e antidiabéticos, reduzindo não só as doses mas também seus efeitos colaterais. A sinergia terapêutica abre caminho para tratamentos mais eficazes e adaptados às necessidades de cada paciente.

Apesar das limitações — necessidade de validação em humanos, confirmação em organismos vivos e ausência de inibidores clinicamente viáveis — o estudo representa um grande avanço. Modular a CaMKK2 em macrófagos preveniu obesidade, resistência insulínica e esteatose hepática, com potencial para beneficiar também aterosclerose, infecções e alguns tipos de câncer.

O estudo foi publicado recentemente na revista Molecular Metabolism.