Entenda como o ambiente favorece o desenvolvimento da obesidade infantil

Condições genéticas, individuais, comportamentais e ambientais podem influenciar no estado nutricional

Lucas Rocha, da CNN, em São Paulo
Todos devem desfrutar da comida sem sofrer vergonha ou tentar lutar por um certo tipo de corpo ou ideal.
Especialistas destacam que a visão culpabilizadora reforça o estigma da obesidade e dificulta a compreensão do amplo contexto de saúde pública  • Patrick Fore/Unsplash
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A prevenção da obesidade infantil envolve a construção de ambientes saudáveis. Ambientes chamados obesogênicos são locais que não oportunizam ou deixam de favorecer comportamentos fisicamente ativos e escolhas alimentares saudáveis.

Esses espaços abrangem a sociedade como um todo e estão presentes em todas fases da vida dos indivíduos. A consequência é a promoção do ganho de peso excessivo.

Falando especificamente da infância, é preciso pensar nas influências que as famílias recebem para comprar alimentos. Nesse quesito, pesam a condição de acesso a alimentos saudáveis, tanto do ponto de vista físico quanto econômico, por exemplo. Outro ponto fundamental é observar se as mães têm condições de amamentar os bebês ao invés de oferecer fórmulas e se após o aleitamento exclusivo é feita a introdução à alimentação complementar.

O nutricionista Jonas Silveira, professor do departamento de nutrição da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que a ausência do aleitamento já configura um ambiente obesogênico.

“É possível pensar nisso em diferentes momentos na vida da criança, desde campanhas que fragilizam a confiança da mulher para amamentar, a desinformação relacionada à promoção de ultraprocessados para introdução da alimentação da criança e depois a manutenção desses hábitos”, afirma o nutricionista.

"Tão importante quanto não culpabilizar a mulher sobre isso é entender em que contexto ela está inserida, se esse contexto favorece ou não a amamentação. Como, por exemplo, o local de trabalho dela e a garantia da licença maternidade. Se ele estimula a amamentação por meio de ações ou estruturas", completa.

Diferentes espaços

Do ponto de vista físico, podem ser citados os espaços urbanos, as creches e escolas, além do ambiente familiar. Nesse contexto, contam critérios como a disponibilidade de espaços que contribuem para o aleitamento materno, equipamentos de lazer, hortas e cozinhas comunitárias e feiras, por exemplo.

Outros exemplos são a disponibilização, por parte das escolas, além das aulas regulares de educação física, de outras estratégias que podem mobilizar a atividade. A educação alimentar e nutricional também deve fazer parte da grade curricular, por meio de atividades voltadas para a promoção da alimentação adequada e saudável.

Já as cantinas escolares podem contribuir com a limitação na oferta de alimentos ultraprocessados e na priorização do acesso a alimentos saudáveis.

De acordo com o nutricionista, à medida que a criança é exposta aos ambientes obesogênicos ela pode aumentar sua trajetória de ganho de peso.

O nutricionista reforça ainda que é importante identificar estruturas que operam na sociedade para tentar desconstruir os ambientes obesogênicos e reconstruí-los, de modo que eles oportunizem e estimulem escolhas saudáveis para as crianças e toda a população.

“Proteger a infância significa proteger todas as outras etapas do ciclo da vida. A partir do momento em que se começa a pensar em políticas públicas e ações que tentam convergir para cidades saudáveis, a gente acaba protegendo toda a sociedade”, diz.

Riscos da obesidade infantil

A obesidade em crianças e adolescentes é multifatorial, de acordo com o Ministério da Saúde. Condições genéticas, individuais, comportamentais e ambientais podem influenciar no estado nutricional.

O relatório público do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional, com dados de pessoas acompanhadas na Atenção Primária à Saúde (APS), aponta que, até meados de setembro de 2022, mais de 340 mil crianças de 5 a 10 anos de idade foram diagnosticadas com obesidade. Em 2021, a APS diagnosticou obesidade em 356 mil crianças dessa mesma idade.

Atualmente, a região Sul possui 11,52% de crianças obesas nessa faixa etária, maior índice do país. Em seguida aparecem as regiões Sudeste, com 10,41%; Nordeste, com 9,67%; Centro-Oeste, com 9,43%; e Norte, com 6,93% das crianças acompanhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na região.

Especialistas destacam que a visão culpabilizadora reforça o estigma da obesidade e dificulta a compreensão do amplo contexto de saúde pública.

Evidências científicas apontam que crianças com excesso de peso têm mais chances de se tornarem adultos obesos. Como consequência, pode ocorrer o aparecimento de diversas doenças, como diabetes, problemas ortopédicos, distúrbios psicológicos, doenças cardiovasculares e hipertensão, sendo essa última o fator de risco principal para infarto e acidente vascular cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame.

A avaliação da obesidade infantil deve considerar fatores como acesso a alimentos saudáveis, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, entre outros. De acordo com Jonas, a forma como pais, mães ou cuidadores interagem com as crianças poderá influenciar a relação que elas vão estabelecer com a alimentação.

Espaços que favorecem o consumo de alimentos inadequados, excesso de exposição de ultraprocessados, restrições para a criança se alimentar e oferecimento de alimentos como recompensas podem comprometer a habilidade da criança em responder ao controle de saciedade do organismo, contribuindo para o excesso de peso.

Além disso, comentários sobre formas e tamanhos corporais podem convergir, no futuro, em transtornos alimentares e de imagem corporal.

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