Iniciativa criada por brasileiro acelera pesquisas contra câncer infantil
Medulloblastoma Initiative, criada pelo gaúcho Fernando Goldsztein, financia estudos que prometem transformar tratamento de um tipo raro de tumor cerebral

Aos nove anos, o filho do empresário gaúcho Fernando Goldsztein começou a sentir dor de cabeça e vômitos sem motivos aparentes. Após um período procurando ajuda médica e realizando exames, o jovem, chamado Frederico, foi diagnosticado com meduloblastoma, um tipo de tumor maligno cerebral.
Mas chegar à confirmação do diagnóstico, em 2015, não foi um processo fácil. "Não é regra geral, mas, às vezes, os médicos seguem uma tendência de não realizar exames de imagem de imediato para descartar um tumor cerebral, porque é considerado uma doença rara", observa Goldsztein em entrevista à CNN. "Mas, infelizmente, acometeu o meu filho e ele foi diagnosticado após um certo período", afirma.
As opções de tratamento para meduloblastoma incluem cirurgia para remoção do tumor e uso de quimioterapia e radioterapia. No entanto, após tentativas para curar a doença, Goldsztein ouviu dos médicos que não havia tratamentos eficazes para seu filho. "Eles falaram que não tinha o que fazer porque meu filho tinha ficado naqueles 20 a 30% dos pacientes que não respondem ao tratamento. O tumor tinha voltado e não havia cura", conta. "Mas desistir do meu filho não era uma opção."
Sem aceitar o prognóstico ruim, Goldsztein resolveu, por si só, ir atrás da cura para seu filho e para milhares de outras crianças que também são acometidas pela doença. O empresário construiu, a partir dessa experiência, um modelo de pesquisa que une ciência de ponta, financiamento direto e cooperação internacional. O resultado do seu trabalho foi a criação da Medulloblastoma Initiative (MBI), em 2021.
Em apenas 30 meses, a MBI arrecadou US$ 11 milhões (cerca de R$ 59 milhões) e estabeleceu parcerias com 17 prestigiadas instituições dos Estados Unidos, Canadá e Alemanha, acelerando descobertas que antes levavam mais de uma década para chegar aos pacientes. A chave para a aceleração foi o Consórcio Cure Group 4, desenvolvido ao lado do neurocirurgião pediátrico Roger Packer, nos Estados Unidos.
"As instituições trabalham de forma colaborativa e totalmente sinérgica. Cada um forma um pedaço do quebra-cabeça. Não existem silos [de informação], não existe trabalho duplicado. Essa sinergia faz com que as nossas pesquisas consigam ter um ritmo maior do que se cada um dos laboratórios estivesse fazendo seu trabalho de forma isolada", explica Goldsztein.
A iniciativa chegou a ser reconhecida pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) como um modelo de financiamento de pesquisas de doenças raras que pode ser aplicado para outras doenças, e não somente o meduloblastoma.
"Um diferencial importante do MBI é o censo de urgência. Iniciativas como a nossa, que partem de famílias, não são incomuns nos Estados Unidos, mas muitas delas são criadas como tributos a pacientes que já partiram. No meu caso, eu criei a MBI para salvar meu filho e outras crianças. Isso confere a ele um senso de urgência único, em que cada dia e cada semana contam para realizarmos estudos com foco em achar a cura dessa doença", afirma.
Nos próximos meses, a MBI dará início ao primeiro ensaio clínico com imunoterapia avançada, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, que estimula a própria resposta imunológica contra células tumorais.
Outro estudo em andamento desenvolve uma vacina contra meduloblastoma baseada em tecnologia de RNA mensageiro, semelhante à utilizada na vacina contra a Covid-19, com potencial de distribuição global.
"Não é uma questão de 'se', é uma questão de 'quando' encontraremos a cura", afirma Goldsztein.
Entenda o que é meduloblastoma
O meduloblastoma é um tumor agressivo que se desenvolve no cerebelo, região do cérebro responsável pelo equilíbrio e pela coordenação motora. Embora raro na população geral, é o câncer cerebral maligno mais comum na infância, representando cerca de 20% dos tumores cerebrais pediátricos.
"A maioria dos diagnósticos ocorre entre os 5 e 9 anos, com uma leve predominância em meninos. Embora possa ocorrer em adultos, esses casos são muito menos frequentes", explica o hematologista e oncologista pediátrico Cláudio Galvão de Castro Junior, conselheiro da MBI.
Os sintomas podem incluir dor de cabeça matinal persistente, vômitos sem causa aparente, alterações de equilíbrio e visão, e, em bebês, aumento acelerado do perímetro da cabeça. "É importante que pais e profissionais de saúde fiquem atentos. Esses sinais podem parecer inespecíficos no início, mas a detecção precoce faz toda a diferença no prognóstico", alerta Galvão.
O tratamento padrão combina cirurgia, radioterapia e quimioterapia, mas ainda impõe efeitos colaterais severos, como déficits cognitivos, alterações hormonais e perda auditiva. "A medicina está caminhando para terapias mais direcionadas. Estudos atuais buscam reduzir a dose de radiação em crianças de baixo risco, além de explorar imunoterapias e novas drogas direcionadas, capazes de aumentar a sobrevida e, principalmente, a qualidade de vida", complementa o especialista.


