Microplásticos são encontrados no sêmen humano, dizem cientistas

Descoberta levanta dúvidas sobre possíveis impactos na fertilidade e na saúde reprodutiva

Kristen Rogers, da CNN
Foto aproximada de microplásticos nas mãos de uma pessoa
Microplásticos que são consumidos em alimentos contaminados podem migrar do intestino para o cérebro, segundo estudo recente  • Khanchit Khirisutchalual/GettyImages
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Cientistas detectaram microplásticos — fragmentos minúsculos e onipresentes, hoje encontrados nos mares, na água potável, nos alimentos e, cada vez mais, em tecidos vivos — no sêmen humano e no fluido folicular, segundo uma nova pesquisa.

Um pequeno grupo de 25 mulheres e 18 homens participou do estudo, publicado na terça-feira (1) no periódico Human Reproduction. Microplásticos foram detectados em 69% das amostras de fluido folicular e em 55% das amostras de sêmen. O fluido folicular é o líquido que envolve o óvulo dentro do folículo ovariano.

 

A pesquisa é apresentada como um abstract — um resumo breve de um estudo concluído — e ainda não foi revisada por pares. Ela foi divulgada em Paris, durante o 41º Encontro Anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia.

“Estudos anteriores já sugeriam essa possibilidade, então a presença de microplásticos no sistema reprodutivo humano não é totalmente inesperada”, diz o autor principal do estudo, Emilio Gómez-Sánchez, diretor do laboratório de reprodução assistida da Next Fertility Murcia, na Espanha, em comunicado à imprensa. “O que nos surpreendeu, no entanto, foi o quão disseminada essa presença é. Não se trata de um achado isolado — parece ser algo bastante comum.”

Microplásticos são fragmentos de polímeros que variam de tamanho, indo de menos de 5 milímetros (0,2 polegadas) até 1 micrômetro (1/25.000 de polegada). Polímeros são compostos químicos formados por longas cadeias de unidades moleculares repetitivas chamadas monômeros, conhecidos por sua flexibilidade e durabilidade. A maioria dos plásticos é composta por polímeros sintéticos.

Plásticos com tamanho inferior ao limite dos microplásticos são chamados de nanoplásticos, medidos em bilionésimos de metro.

“Os microplásticos entram no corpo principalmente por três vias: ingestão, inalação e contato com a pele”, explicou Gómez-Sánchez. “A partir daí, podem entrar na corrente sanguínea, que os distribui por todo o corpo, inclusive para os órgãos reprodutivos.”

Em estudos anteriores, esses fragmentos também foram detectados em diversas partes do corpo ou fluidos, como pulmões, placenta, cérebro, testículos, tecido nasal na base do cérebro, pênis e fezes humanas.

“Décadas de estudos, assim como a FDA (agência reguladora dos EUA), apontam que os microplásticos não representam uma ameaça, pois a exposição é extremamente baixa e eles são atóxicos”, afirma por e-mail Chris DeArmitt, fundador do Conselho de Pesquisa sobre Plásticos.

Entretanto, embora se saiba pouco ou nada sobre os possíveis efeitos dos microplásticos na saúde humana, os produtos químicos utilizados na fabricação de plásticos — que muitas vezes se desprendem desses materiais — estão associados a riscos à saúde, como distúrbios hormonais, alguns tipos de câncer, doenças respiratórias e irritações na pele.

Análise de fluidos corporais

Os participantes do estudo eram pacientes e doadores da Next Fertility Murcia. As mulheres estavam em processo de captação de óvulos (aspiração folicular) para reprodução assistida, enquanto os homens passaram por análises seminais. As amostras foram armazenadas e congeladas em vidro e depois incubadas por dois dias antes de serem analisadas com uma técnica de imagem que combina microscopia e laser infravermelho.

Os pesquisadores também analisaram os recipientes usados para coleta e armazenamento das amostras, a fim de garantir que não estivessem contaminados com microplásticos. O resumo da pesquisa não informa de que material eram feitos esses recipientes.

A análise revelou nove tipos de microplásticos nos fluidos reprodutivos. Mais de 50% das amostras de fluido folicular continham poliamida (PA), poliuretano (PU) e polietileno (PE), enquanto politetrafluoretileno (PTFE) e politereftalato de etileno (PET) foram encontrados em mais de 30% dessas amostras. Polipropileno (PP), cloreto de polivinila (PVC) e ácido polilático (PLA) apareceram em mais de 20% das amostras. Nas amostras de sêmen, 56% continham PTFE.

A poliamida sintética é conhecida como náilon, usada em tecidos, plásticos e peças automotivas. O poliuretano é aplicado em revestimentos, espumas e adesivos, presentes em móveis, construções, calçados e mais. Polietileno e polipropileno são comuns em embalagens, construções e produtos de consumo, como brinquedos e utensílios de cozinha.

O PTFE é amplamente usado em panelas antiaderentes, enquanto o PET está presente em recipientes de alimentos e bebidas. O PVC é utilizado na construção civil, embalagens e na área médica. Já o PLA aparece principalmente em embalagens de alimentos, implantes médicos e objetos impressos em 3D.

Na maioria das amostras, foram encontrados apenas uma ou duas partículas, mas em outras foram detectadas até cinco, segundo Gómez-Sánchez. As concentrações de microplásticos foram mais altas no fluido folicular do que no sêmen. No entanto, os níveis gerais de microplásticos em ambos os fluidos foram relativamente baixos quando comparados com os de partículas não plásticas — cujas naturezas não foram divulgadas no resumo.

“Infelizmente, não é surpreendente”, diz por e-mail Matthew J. Campen — pesquisador que participou das descobertas de microplásticos no cérebro e nos testículos.

Apesar de preliminar, a pesquisa “abre caminho para estudos mais avançados sobre a relação entre exposição a plásticos e fertilidade”, acrescenta Campen, que não participou do novo estudo e é professor titular de ciências farmacêuticas na Universidade do Novo México.

Perguntas importantes permanecem

O estudo confirma achados anteriores sobre a presença de microplásticos nos fluidos reprodutivos e levanta novas questões importantes, como o caminho que esses microplásticos percorrem do intestino até as gônadas, segundo Campen.

“Isso sugere que um mecanismo natural está sendo sequestrado”, comentou. “Também seria importante avaliar plásticos em escala nanométrica.”

Pessoas tentando engravidar naturalmente ou por fertilização in vitro talvez não precisem se preocupar, já que os achados ainda são preliminares, segundo Gómez-Sánchez.

“Não sabemos se eles afetam diretamente a capacidade de um casal conceber e levar uma gestação a termo”, afirma. “A reprodução é uma equação complexa, e os microplásticos são apenas uma variável nessa equação.”

Os especialistas também destacam que, por enquanto, os resultados não podem ser relacionados a desfechos gerais de saúde.

“Até agora, os efeitos dos microplásticos em humanos foram extrapolados, em sua maioria, de estudos com animais, nos quais os microplásticos foram administrados em concentrações elevadas”, afirma Gómez-Sánchez. “Atualmente, não temos evidências diretas sobre seus impactos em humanos.”

Betsy Bowers, diretora-executiva da EPS Industry Alliance, reforçou essas ressalvas e destacou que os estudos com animais não indicam riscos em níveis regulares de exposição. A EPS (poliestireno expandido) Industry Alliance é uma associação comercial norte-americana do setor.

A maior presença de microplásticos no fluido folicular do que no sêmen pode ter sido circunstancial, ponderou Gómez-Sánchez, já que o grupo de estudo era pequeno. No entanto, quando um ovário é estimulado para reprodução assistida, o fluxo sanguíneo na região aumenta, o que pode levar mais microplásticos ao órgão, explicou.

Mais pesquisas são necessárias para identificar os tipos e quantidades de microplásticos que poderiam causar problemas de saúde, segundo Ranjith Ramasamy, urologista da Jumeirah American Clinic, em Dubai. Ramasamy, que não participou do novo estudo, foi autor de uma pesquisa que encontrou microplásticos em pênis humanos.

“O plano é aumentar o número de casos e fazer um levantamento sobre hábitos de vida, para verificar se algum deles está associado a maiores concentrações de plásticos nos ovários e no plasma seminal”, afirma Gómez-Sánchez.

Ele e sua equipe também pretendem investigar se a presença de microplásticos nos fluidos reprodutivos afeta a qualidade de espermatozoides e oócitos — células presentes nos ovários que formam os óvulos, capazes de gerar embriões após a fertilização.

Como reduzir a exposição a microplásticos

Apesar de ainda não sabermos o real significado dos achados, eles devem ser vistos como mais um argumento para evitar o uso de plásticos no dia a dia, afirma Carlos Calhaz-Jorge, professor de obstetrícia e ginecologia da Universidade de Lisboa, em comunicado à imprensa. Ele não participou da pesquisa.

Dada a ubiquidade dos plásticos, evitá-los pode ser desafiador, segundo Philip Landrigan, pediatra e diretor do Programa de Saúde Pública Global e Bem Comum do Boston College. Além de reduzir o uso evidente de plásticos, também é possível evitar tábuas de corte plásticas e alimentos ultraprocessados.

Outras recomendações incluem evitar o consumo de água engarrafada em plástico, não aquecer alimentos em recipientes plásticos no micro-ondas e não consumir comidas quentes em embalagens plásticas, orientou Ramasamy.

Alimentos podem ser armazenados em vidro, aço inoxidável ou bambu no lugar do plástico.

Mas “a conversa precisa mudar — imediatamente — para os formuladores de políticas públicas”, defendeu Campen. “Acreditar que as escolhas individuais farão diferença tem se mostrado uma estratégia falha. Os governos ao redor do mundo precisam promover mudanças profundas nas políticas de gerenciamento de resíduos e reciclagem.”

A produção anual de plásticos, em peso, aumentou 250 vezes nos últimos 75 anos e deve triplicar novamente até 2060, alertou Landrigan.

“Para reduzir a poluição por plásticos e proteger a saúde humana, será essencial que o Tratado Global sobre Plásticos, atualmente em negociação na ONU, imponha um limite global à produção de plásticos”, acrescenta Landrigan, que não participou do estudo.

“Mas governos inteligentes podem agir desde já”, finalizou Campen.

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