Os militares entram em campo
Em entrevista exclusiva ao CNN Mundo, o ministro Fernando de Azevedo e Silva diz que Forças Armadas estão preparadas em caso de piora da epidemia

As Forças Armadas estão preparadas para entrar em ação no caso de um eventual agravamento da epidemia no Brasil levar a distúrbios sociais. Foi o que informou o ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, em entrevista exclusiva ao programa semanal CNN Mundo, nessa sexta-feira (20). Os militares também atuarão de imediato com apoio logístico nas ações civis de saúde e na vigilância das fronteiras, com reforço no caso da Venezuela.
Na entrevista coletiva da tarde de sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou que não deseja elevar o atual estado de calamidade nacional para níveis mais altos, como o estado de sítio. A medida deslocaria poderes do Congresso para o governo, que também adquiriria um pouco mais de autonomia frente à própria Justiça. Bolsonaro deu a entender que esse é um passo que só pode ser dado em caso de justificada gravidade.
O presidente e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, explicaram também por que não adotaram ainda medidas para restringir a circulação de pessoas, como fizeram outros países, incluindo a vizinha Argentina. Mandetta ponderou que o Brasil é um país de dimensão continental, com realidades muito diversas, de maneira que não cabe uma medida linear, aplicada ao território nacional. E que correria o risco de prejudicar o escoamento de produtos importantes para o próprio combate ao coronavírus, como balões de oxigênio e máscaras.
Neste momento crítico, e que ainda se agravará muito, é preciso que os papéis de cada instância de poder estejam claros, dentro dos limites do regime democrático. Até outro dia, víamos manifestações de impaciência com a democracia por parte de alguns setores no país. E uma parte, talvez minoritária, mas estridente da população manifestava uma certa simpatia com a ideia de buscar uma alternativa de regime supostamente mais eficaz. Da parte do governo, não houve uma reafirmação suficientemente clara e definitiva de que essa alternativa estava fora de cogitação. Nos meios militares, uma certa militância política em favor do presidente Bolsonaro, e até mesmo com embates entre correntes políticas no interior do governo, também criava ruídos.
Nos últimos dias, esses ruídos perderam a força. Noutras esferas, como a relação entre o presidente e alguns governadores, ainda há bastante disputa, e isso é ruim. Mas o conflito com o Congresso entrou, no mínimo, em uma trégua, como demonstra a aprovação rápida, sem questionamentos, do estado de calamidade. Da mesma maneira, o protagonismo político dos militares ficou em segundo plano.
Tudo isso é importante, para que as Forças Armadas possam intervir com todo o seu potencial material e profissional, com apoio da população, sem que haja preocupações quanto às suas intenções. Estamos entrando em um território desconhecido. Não é possível prever nem descartar cenários mais dramáticos, que possam envolver violência se, conforme os doentes e mortos se multiplicarem, ficar evidente uma desigualdade no acesso a um atendimento decisivo para preservar vidas.
Governadores de 27 estados americanos já pediram a mobilização de tropas da Guarda Nacional. Mas todos os 50 estados, o Distrito de Colúmbia e 4 territórios declararam estado de emergência, o que permite a convocação da Guarda Nacional também neles. Mais de 2 mil integrantes da Guarda já foram acionados, e esse número tende a se multiplicar nos próximos dias.
No discurso sobre o Estado da União, no dia 4 de fevereiro, os militares presentes no Congresso só aplaudiam quando o presidente Donald Trump homenageava um militar. E ficavam imóveis, em meio aos aplausos no restante da Casa, quando o presidente enfatizava conquistas de seu governo, ainda que bipartidárias.
Nos Estados Unidos, tradicionalmente, as Forças Armadas só atuam fora do território nacional, contra inimigos externos. O Brasil não tem uma Guarda Nacional, e suas funções de manutenção da ordem dentro do território do país estão a cargo das três Forças Armadas, quando a polícia não é suficiente.
Daí que os militares precisam se cercar de cuidados para não trair qualquer desejo, por mais remoto que seja, de “cruzar o Rubicão”, a expressão que remete ao Império Romano, em que os legionários não deviam atravessar o rio que margeava Roma. Quando cruzaram, em 49 a.C., Roma sucumbiu à ditadura do imperador Júlio César.
Basta olhar para o lado o exemplo venezuelano para constatar o quanto é pernicioso o contágio das Forças Armadas pela ideologia e pela política. Cabe a todo governo democrático proteger as Forças Armadas de contaminação política e não deixar dúvidas sobre seu apego ao compartilhamento do poder com o Congresso e a Justiça. Numa democracia, isso dá prestígio aos militares. Não o contrário.