Descoberta de ovos em Goiás dá esperança para uma das aves mais raras do mundo

Foram descobertos recentemente Alto Paraíso, Goiás, oito filhotes de uma das espécies mais raras do mundo, o pato-mergulhão. Ameaçado de extinção há décadas, ele é chamado de "embaixador das águas brasileiras".
Isso porque esse animal é bastante particular com a escolha de seu habitat e só se mantém em rios e córregos limpos e transparentes. Ao contrário de outros patos, que comem matéria vegetal, esse se alimenta de larvas e pequenos peixes, que captura mergulhando na água — daí vem seu nome.
A ave é extremamente suscetível a qualquer mudança no ambiente e, por isso, é considerado um bioindicador: se há presença deste pato, o ecossistema está em equilíbrio.
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"Toda e qualquer atividade que provoque alterações hidrológicas nos rios e modificações no habitat ou na estrutura da paisagem, por menores que sejam, podem inviabilizar a sobrevivência da espécie", explica o ICMBio em um verbete sobre a espécie.
Entre 1940 e 1950, o pato chegou a ser considerado extinto. Atualmente, há menos de 250 espécimes do bicho, que é endêmico do Brasil e se concentra em áreas do cerrado e mata atlântica.
Desde 2006, o ICMBio tem um Plano de Ação Nacional (PAN) para conservar a espécie, em conjunto com ONGs, instituições e universidades. Paulo de Tarso Zuquim Antas, biólogo da Funatura (Fundação Pró-Natureza) e parte do grupo técnico do PAN, contou sobre o processo de dois anos até encontrar os filhotes em Goiás.
Ele, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), disse que o ninho foi encontrado em 2018, mas já era depois da época de reprodução do pato. Foi só neste ano que eles conseguiram acompanhar a ninhada desde o primeiro ovo.
"É marcante porque é difícil acompanhar a saída. O ninho fica pendurado sobre o chão, às vezes em buracos nas pedras em cima do rio, em grotas estreitas e fundas", disse.
Paulo conta que no rio Araguari, no Parque Nacional da Serra da Canastra, o grupo também encontrou mais 12 filhotes.
"São resultados que dão para nós um fôlego", diz.

O PAN também tem outro braço de ações, que inclui o estabelecimento de uma população criada e reproduzida em cativeiro que, eventualmente, possa ser reintroduzida no habitat natural.
É dessa ação que participa o veterinário Alexandre Resende, que também é consultor do Zooparque de Itatiba (SP).
"Estamos montando uma reserva genética do pato para reproduzir em quantidade e tirar a espécie do risco de extinção", diz.
"Hoje temos mais ou menos 60 animais no zooparque, que é o único centro de reprodução do pato. Fazemos esse trabalho desde 2011".
Como o pato-mergulhão se assusta com a presença de humanos, o trabalho de coleta dos ovos é árduo. "Para monitorar a espécie, tem que ser via água. Não tem como ir pelas margens porque o pato é melindroso, ele se esconde da gente. Fazemos viagens de rafting para localizar os ninhos", destaca o veterinário.
"Depois de encontrar os ninhos, monitoramos para ver se ele será utilizado naquele ano. Quando veem que sim, montamos uma expedição para coletar os ovos", narrou, acrescentando que é preciso muito cuidado. "Temos que monitorar de longe, não podemos alterar o comportamento natural da espécie".
Alexandre diz que o trabalho é importante não só para proteger a existência do pato, mas de todas as espécies que partilham aquele habitat.
"Ao preservar o ambiente que o pato mora, várias outras espécies são salvas. É uma espécie guarda-chuva", explicou.
No entanto, o trabalho de localizar os ovos e de reprodução em cativeiro é apenas parte do processo e que a educação ambiental da população é fundamental para a sobrevivência do bichinho.
"Só a reprodução não vai acabar o problema. Não adianta nada reproduzir se continuarem as condições que colocaram o pato em extinção", alerta.