Cientistas descobrem possível causa da Peste Negra após 4 mil anos

Doença que atingiu a Europa e a Ásia no século XIV foi estudada por meio do DNA da bactéria causadora

Taylor Nicioli, da CNN
Escavações na Estepe Eurasiática revelaram milhares de ossos de animais da Idade do Bronze
Escavações na Estepe Eurasiática revelaram milhares de ossos de animais da Idade do Bronze  • Courtesy Taylor Hermes via CNN Newsource
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Por milhares de anos, uma doença atingiu repetidamente a Eurásia antiga, espalhando-se rapidamente por grandes distâncias. A picada de pulgas infectadas que viviam em ratos transmitia a peste em sua forma mais conhecida — a Peste Negra do século XIV — para os humanos, e essa continua sendo sua forma mais comum de transmissão até hoje.

Durante a Idade do Bronze, porém, a bactéria da peste, Yersinia pestis, ainda não havia desenvolvido o conjunto de genes que permitiria, em cepas posteriores, ser transmitida por pulgas. Cientistas há muito se perguntam como a doença poderia ter persistido naquela época.

Agora, uma equipe internacional de pesquisadores recuperou o primeiro genoma antigo de Yersinia pestis proveniente de um hospedeiro não humano — uma ovelha domesticada que viveu há cerca de 4.000 anos, no que hoje é a Rússia.

A descoberta permitiu aos cientistas entender melhor a transmissão e a ecologia da doença no passado, levando-os a acreditar que o gado teve um papel na disseminação da peste por toda a Eurásia. As conclusões foram publicadas nesta segunda-feira (11) no periódico Cell.

"Yersinia pestis é uma doença zoonótica (transmitida entre humanos e animais) que surgiu na pré-história, mas, até agora, nosso estudo usando DNA antigo foi feito totalmente a partir de restos humanos, o que deixava muitas perguntas e poucas respostas sobre como os humanos eram infectados", disse o autor principal, Ian Light-Maka, doutorando no Instituto Max Planck de Biologia de Infecções, em Berlim.

Segundo os pesquisadores, já foram recuperados quase 200 genomas antigos de Y. pestis a partir de restos humanos.

O genoma de Y. pestis foi recuperado deste dente de ovelha de 4.000 anos • Courtesy Taylor Hermes via CNN Newsource
O genoma de Y. pestis foi recuperado deste dente de ovelha de 4.000 anos • Courtesy Taylor Hermes via CNN Newsource

Encontrar a bactéria em um animal ajuda não apenas a entender como a linhagem evoluiu, mas também pode ter implicações para o entendimento de doenças modernas, acrescentou Light-Maka por e-mail.

“A evolução às vezes pode ser ‘preguiçosa’, encontrando o mesmo tipo de solução para problemas semelhantes — as ferramentas genéticas que permitiram à pestis prosperar por mais de 2.000 anos em toda a Eurásia podem ser reutilizadas novamente.”

Mistério da peste na Idade do Bronze

A bactéria que causou a peste na Eurásia, conhecida hoje como linhagem do Neolítico Final/Idade do Bronze, espalhou-se da Europa até a Mongólia, com evidências da doença encontradas ao longo de 6.000 quilômetros.

Segundo o instituto de pesquisa alemão, há evidências de que a maioria das doenças humanas modernas surgiu nos últimos 10.000 anos, coincidindo com a domesticação de animais como gado e animais de estimação.

Cientistas suspeitavam que outros animais além dos roedores faziam parte do quebra-cabeça da transmissão da peste na Idade do Bronze, mas, sem genomas bacterianos recuperados de hospedeiros animais, não era possível saber quais.

Para encontrar o genoma antigo, os autores do estudo analisaram restos de animais da Idade do Bronze em um sítio arqueológico na Rússia conhecido como Arkaim, ligado à cultura Sintashta-Petrovka, famosa por avanços na criação de gado.

Lá, descobriram a peça que faltava — o dente de uma ovelha de 4.000 anos infectada com a mesma bactéria encontrada em humanos da região.

A descoberta sugere que as ovelhas domesticadas funcionaram como uma ponte entre humanos e animais selvagens infectados, afirmou o coautor do estudo, Dr. Taylor Hermes, professor assistente de antropologia na Universidade do Arkansas.

“Estamos revelando isso praticamente em tempo real, tentando entender como os pastores nômades da estepe eurasiática criaram condições para a transmissão de doenças que, potencialmente, impactaram outros lugares e épocas”, disse Hermes.

Naquele período, em algumas áreas da estepe, até 20% dos corpos encontrados em cemitérios pertenciam a pessoas infectadas pela peste, possivelmente mortas por ela, o que mostra sua alta incidência. O gado parece ter sido parte do que tornou a doença tão disseminada, mas não é a única peça do quebra-cabeça. Identificar a linhagem bacteriana em um animal abre novas possibilidades para estudar a evolução da condição, bem como a linhagem posterior que causou a Peste Negra na Europa e a peste que ainda existe hoje.

“Não é surpreendente, mas é muito interessante ver o DNA isolado de um animal antigo. É extremamente difícil encontrá-lo em humanos, e ainda mais em restos de animais, por isso essa descoberta é tão significativa”, disse Hendrik Poinar, geneticista evolucionista e diretor do Centro de DNA Antigo da Universidade McMaster, no Canadá, que não participou do estudo.

É provável que humanos e animais transmitissem as cepas entre si, mas não se sabe como isso acontecia nem como as ovelhas foram infectadas inicialmente. É possível que elas tenham adquirido a bactéria por meio de água ou alimento contaminado, transmitindo-a aos humanos pela carne.

“Isso mostra o quanto esse patógeno foi incrivelmente bem-sucedido”, afirmou Poinar. Tanto ele quanto os autores esperam que pesquisas futuras encontrem outros animais infectados com a cepa antiga para aprofundar o entendimento sobre a disseminação e evolução da doença.

Da peste antiga à peste moderna

Embora a linhagem da Idade do Bronze esteja extinta, a Yersinia pestis ainda existe em partes da África, Ásia, oeste dos Estados Unidos, Brasil e Peru. No entanto, a bactéria é rara, com apenas 1.000 a 2.000 casos anuais em todo o mundo.

Não há motivo para alarme quanto ao contato com gado ou animais de estimação, disse Hermes. A descoberta serve como lembrete de que animais carregam doenças transmissíveis a humanos. É importante cozinhar bem a carne e ter cuidado ao ser mordido por um animal.

“A lição é que os humanos nunca estiveram sozinhos nas doenças, e isso é verdade há milhares de anos. As formas como estamos mudando drasticamente o meio ambiente e a conexão entre animais selvagens e domesticados podem alterar como as doenças chegam até nossas comunidades”, disse Light-Maka. “E, se você vir um cão-da-pradaria morto, talvez seja melhor não tocá-lo.”

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