Cientistas trabalham em soluções para desafios mentais de astronautas em viagens espaciais
Liberdade flutuante oferecida pela falta de gravidade também apresenta vários limites quando se trata do corpo e da mente humana
Os astronautas se aventuram no espaço há 61 anos para abrir caminho ao potencial humano de exploração. Mas a liberdade flutuante oferecida pela falta de gravidade também apresenta vários limites quando se trata do corpo e da mente humana.
Desde as primeiras missões Mercury e Apollo, viagens curtas ao espaço se transformaram em estadias de seis meses ou mais a bordo da Estação Espacial Internacional. O laboratório flutuante serviu como pano de fundo ideal para cientistas que tentam entender o que realmente acontece com todos os aspectos do corpo humano no ambiente espacial – radiação, falta de gravidade, entre outros aspectos.
Muitos desses efeitos foram bem documentados ao longo do tempo, especialmente durante o Estudo de Gêmeos de 2019, que comparou as mudanças que Scott Kelly experimentou após quase um ano no espaço com as de seu irmão gêmeo, Mark, que permaneceu na Terra.
Christopher Mason, da Weill Cornell Medicine, fez parceria com a Nasa nesta pesquisa, e ele e Scott Kelly falaram sobre essas descobertas na conferência Life Itself 2022, um evento de saúde e bem-estar apresentado em parceria com a CNN.
“Qual foi a coisa que você mais sentiu falta da Terra quando esteve fora por um ano?”, Mason perguntou a Kelly.
“O clima, é claro. A chuva, o sol, o vento”, disse Kelly. “E então eu senti falta de pessoas […] que são importantes, você sabe, família, amigos.”
À medida que a Nasa planeja devolver humanos à Lua e, eventualmente, pousar em Marte por meio do programa Artemis, há um interesse crescente em entender quais efeitos podem ser causados por viagens de longa duração pelo espaço profundo.
Uma grande questão que alguns cientistas levantaram é se os humanos estão mental e emocionalmente preparados para um salto tão grande. Resumindo: como vamos lidar com isso?
Pesquisa reveladora
Um estudo de 2021 fez com que os participantes vivessem por quase dois meses em ausência de peso simulada, descansando em uma cama especial com a cabeça inclinada para baixo em um ângulo de 6º. A inclinação cria um deslocamento dos fluidos corporais para a cabeça que os astronautas experimentam na falta de gravidade.
Os participantes foram regularmente solicitados a completar testes cognitivos projetados para astronautas, relacionados à memória, tomada de riscos, reconhecimento de emoções e orientação espacial.
Os pesquisadores queriam testar se experimentar a gravidade artificial por 30 minutos por dia, de uma só vez ou em sessões de cinco minutos, poderia evitar efeitos negativos. Embora os participantes do estudo tenham experimentado um declínio cognitivo inicial em seus testes, o resultado se equilibrou e não persistiu por 60 dias.
Mas, no geral, a velocidade com que os participantes reconheciam as emoções piorou. Durante os testes, eles eram mais propensos a ver as expressões faciais como zangadas, em vez de felizes ou neutras.
“Os astronautas em longas missões espaciais, assim como nossos participantes da pesquisa, passarão longos períodos em microgravidade, confinados a um pequeno espaço com poucos outros astronautas”, disse o autor do estudo, Mathias Basner, professor do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina Perelman, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
“A capacidade dos astronautas de ‘ler’ corretamente as expressões emocionais uns dos outros será de suma importância para o trabalho em equipe eficaz e o sucesso da missão. Nossas descobertas sugerem que sua capacidade de fazer isso pode ser prejudicada ao longo do tempo.”
No estudo, não ficou claro se esse comprometimento era devido à falta de gravidade simulada ou ao confinamento e isolamento que os participantes experimentaram por 60 dias.
Lista de verificação
Um estudo separado feito em 2021, publicado na Acta Astronautica, desenvolveu uma lista de verificação de saúde mental com base nos estressores enfrentados pelos astronautas – que também são compartilhados por aqueles que passam meses em estações de pesquisa na Antártida.
Esses dois ambientes extremos – o espaço e a borda do mundo – criam uma falta de privacidade, ciclos de luz e escuridão alterados, confinamento, isolamento, monotonia e uma separação prolongada da família e amigos.
A professora de psicologia da Universidade de Houston Candice Alfano e sua equipe projetaram a lista de verificação como um método de autorrelato para rastrear essas mudanças na saúde mental.
A maior mudança que as pessoas nas duas estações da Antártica relataram foi um declínio nas emoções positivas desde o início até o final de sua estadia de nove meses, sem efeito de “retorno”, mesmo quando se preparavam para voltar para casa.
Os participantes também usaram menos estratégias eficazes para aumentar as emoções positivas.
“Intervenções e contramedidas destinadas a melhorar as emoções positivas podem, portanto, ser críticas na redução do risco psicológico em ambientes extremos”, disse Alfano.
Protegendo os exploradores longe de casa
Ajudar os astronautas a manter sua nitidez e bem-estar mental enquanto se aventuram longe de casa é um dos principais objetivos do Programa de Pesquisa Humana da Nasa. No passado, o programa desenvolveu contramedidas para ajudar os astronautas a combater a perda muscular e óssea, como exercícios diários na estação espacial.
Os pesquisadores estão investigando ativamente a ideia de como o trabalho com significado pode unir as equipes de missão. Quando os astronautas trabalham em equipe, seja na estação espacial ou em um ambiente simulado de Marte na Terra, sua colaboração é em direção a um objetivo comum.
E, quando o trabalho estiver concluído, eles podem passar um tempo juntos assistindo a filmes ou desfrutando de atividades recreativas para combater sentimentos de isolamento.
No entanto, uma missão espacial a Marte, que pode levar meses ou anos, dependendo do design da espaçonave, pode levar a sentimentos de monotonia e confinamento. E o contato frequente com o Controle da Missão e entes queridos na Terra se tornará mais complicado à medida que se afastam da Terra.
“Precisamos ter certeza de que individualizamos protocolos e coisas para a tripulação fazer”, disse Alexandra Whitmire, cientista de elementos do Programa de Pesquisa Humana, durante uma entrevista à CNN em 2021. “É muito importante para nós entendermos os indivíduos que estarão nessa missão.”
Enquanto alguns membros da tripulação podem sentir entusiasmo e satisfação trabalhando em experimentos científicos, outros podem precisar mexer em outras tarefas. Pesquisas anteriores já identificaram características-chave que podem ser necessárias em exploradores do espaço profundo, como autoconfiança e resolução de problemas.
Uma descoberta surpreendente na estação espacial é como os alimentos – e a agricultura – contribuem para melhorar a disposição de ânimo da tripulação, mantendo uma conexão tangível muito importante com o lar.
Não é surpresa que a comida espacial precise ser um suprimento seguro e estável de nutrição e ainda ter um sabor bom. Mas o cultivo ativo de vegetais tem sido uma experiência gratificante e saborosa para as tripulações anteriores na estação espacial.
Os astronautas relataram como foi gratificante cuidar de plantas verdes folhosas, rabanetes e pimentas e ver as plantas florescerem, eventualmente produzindo uma recompensa comestível.
Os cientistas do Programa de Pesquisa Humana questionaram se esse sentimento de realização pode ser levado um passo adiante. Quando astronautas como Scott Kelly ou Christina Koch retornaram à Terra após longos voos espaciais, eles falaram sobre como mal podiam esperar para sentir a chuva ou as ondas do mar novamente.
Imagens guiadas e recursos de realidade virtual podem ser uma parte necessária dos voos espaciais no futuro para lembrar os astronautas de sua conexão sensorial com “a bola de mármore azul”, mesmo quando ela se encolhe de vista.