Crianças de Llullaillaco: conheça a história das múmias incas intactas
Descobertas em 1999, as Crianças de Llullaillaco são múmias incas intactas achadas em um vulcão andino, revelando segredos do ritual capacocha.

Ao longo da história, descobertas arqueológicas têm auxiliado na compreensão moderna sobre comportamentos, crenças e práticas que moldaram sociedades antigas. Um dos exemplos mais impressionantes desse poder da arqueologia é o descobrimento das Crianças de Llullaillaco, três múmias incas intactas achadas em um vulcão na Argentina.
Descobertas em 1999, no vulcão Llullaillaco, localizado na fronteira entre a Argentina e o Chile, arqueólogos encontraram os três corpos em perfeito estado de conservação, acompanhados de objetos rituais e oferendas. De acordo com o artigo publicado no Journal of Glacial Archaeology, as múmias foram congeladas em gelo andino por mais de 500 anos.
A descoberta revela os segredos de um ritual inca de grande importância: a capacocha. A cerimônia envolvia o sacrifício de crianças e jovens mulheres, destinada a apaziguar as divindades e influenciar no bem-estar do imperador e das comunidades locais.
As Crianças de Llullaillaco
Segundo o artigo do Journal of Glacial Archaeology, a expedição arqueológica conduzida por Johan Reinhard e Constanza Ceruti encontrou três corpos em pequenas câmaras escavadas no cume do vulcão Llullaillaco. Além dos corpos, foram encontradas mais de cem oferendas enterradas. O estudo ainda aponta que os corpos foram enterrados a cerca de 1,7m de profundidade e cobertos com aterros artificiais. Saiba mais sobre os três:
A donzela
A mais conhecida das três múmias é chamada de Donzela; de acordo com o estudo, ela possuía aproximadamente 14 anos. Ela foi encontrada sentada, com as pernas cruzadas e corpo coberto por dois mantos, com roupas cerimoniais. Análises de cabelo mostraram que antes do sacrifício ela consumiu grande quantidade de folhas de coca.
O menino
Os arqueólogos também encontraram o corpo de um menino de aproximadamente sete anos de idade. De acordo com o estudo, o menino pode ter morrido devido ao mal de altitude ou à asfixia. Apesar disso, ele também estava vestido de forma cerimonial, o que demonstra sua importância no ritual.
A menina do raio
A terceira criança ficou conhecida como a Menina do Raio, pois seu corpo apresenta marcas de queimaduras, provavelmente provocadas por um raio que atingiu o local séculos após o enterro. A menina tinha cerca de seis anos de idade e estava rodeada de oferendas. Ainda que as marcas do impacto do raio a diferenciem, sua preservação também é notável, o que possibilitou análises detalhadas de seu estado de saúde e do contexto ritualístico.
O ritual da Capacocha
A cerimônia, conhecida como capacocha, era uma das mais sagradas do império inca. De acordo com estudos da arqueóloga Constanza Ceruti, especialista nos rituais de alta montanha, ela era realizada em ocasiões especiais, como a morte de um imperador, grandes catástrofes naturais ou celebrações de conquistas territoriais, e tinha como objetivo oferecer às divindades o que havia de mais puro e valioso: crianças e jovens considerados fisicamente perfeitos.
Esses escolhidos eram retirados de suas comunidades e levados até Cuzco, a capital do império. Ali passavam por rituais de preparação, descritos já nas crônicas coloniais do século XVI, como as de Cristóbal de Molina e Bernabé Cobo, que relatam o papel dessas crianças como mensageiros aos deuses. Em seguida, começava a longa peregrinação rumo aos santuários erguidos nos cumes das montanhas sagradas. No destino final, eram enterrados vivos ou deixados à mercê do frio extremo e da falta de oxigênio, acompanhados de objetos rituais que representavam a riqueza do império e a conexão com o mundo espiritual.
No caso das múmias de Llullaillaco, o que se encontrou no alto da montanha vai além de uma relíquia arqueológica: trata-se de uma prova viva de como o ritual da capacocha unia religião, poder político e tradição social. As três crianças confirmam os relatos deixados pelos cronistas coloniais e revelam, através das análises científicas modernas, a sofisticação e a intensidade espiritual de um império que via no sacrifício um elo direto com o mundo dos deuses.


