"Fogos de artifício" são vistos após colisões violentas ao redor de estrela

Durante a busca por exoplanetas, cientistas capturaram as primeiras imagens diretas de objetos colidindo em um sistema estelar próximo

Gabriela Maraccini, da CNN Brasil
O telescópio Hubble capturou a violenta colisão de dois objetos massivos ao redor da estrela Fomalhaut  • NASA, ESA, STScI, Ralf Crawford (STScI)/Reprodução
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Astrônomos observaram efeitos semelhantes a fogos de artifício resultantes de duas colisões ao redor de uma estrela chamada Fomalhaut. O astro está localizado em um sistema estelar próximo ao nosso, de acordo com os pesquisadores. O fenômeno foi descrito em estudo publicado na quinta-feira (18) na revista científica Science.

Colisões violentas são comuns em sistemas estelares jovens. Rochas, cometas, asteroides e objetos maiores colidem um com os outros e, ocasionalmente, se fundem, transformando gradualmente a poeira e o gelo primordiais de uma nebulosa estelar em planetas e luas.

No entanto, espera-se que as maiores dessas colisões sejam raras ao longo das centenas de milhões de anos necessárias para a formação de um sistema planetário — talvez uma a cada 100.000 anos.

No artigo recente, os astrônomos afirmam ter visto as consequências de duas colisões poderosas em um período de 20 anos ao redor da Fomalhaut -- a primeira ocorreu em 2004 e a segunda em 2023. Segundo os pesquisadores, essas observações podem ser fruto do acaso ou podem ser um indício de que as colisões são mais frequentes do que o previsto durante a formação de planetas.

"Acabamos de testemunhar a colisão de dois planetesimais e a nuvem de poeira expelida por esse evento violento, que começa a refletir a luz da estrela hospedeira", afirma Paul Kalas, professor adjunto de astronomia da Universidade da Califórnia, Berkeley, e primeiro autor do relatório. "Não vemos diretamente os dois objetos que colidiram, mas podemos observar as consequências desse enorme impacto", completa.

Segundo o pesquisador, a poeira ao redor de Fomalhaut estaria "brilhando com essas colisões", como fogos de artifício ou luzes de Natal.

Esta imagem composta do Telescópio Espacial Hubble mostra o anel de detritos e as nuvens de poeira cs1 e cs2 ao redor da estrela Fomalhaut • NASA, ESA, Paul Kalas/UC Berkeley. Processamento de imagem: Joseph DePasquale (STScI)/Reprodução
Esta imagem composta do Telescópio Espacial Hubble mostra o anel de detritos e as nuvens de poeira cs1 e cs2 ao redor da estrela Fomalhaut • NASA, ESA, Paul Kalas/UC Berkeley. Processamento de imagem: Joseph DePasquale (STScI)/Reprodução

Nuvens de poeira disfarçadas de exoplanetas

Fomalhaut é uma estrela de 440 milhões de anos e, por isso, é considerada jovem. Ela está localizada na constelação austral de Piscis Austrinus, a 25 anos-luz da Terra, e serve como um modelo de como era o nosso sistema solar em seus anos de formação.

A estrela é 16 vezes mais luminosa que o nosso Sol e uma das estrelas mais brilhantes do céu. Kalas começou a pesquisar por um disco de poeira ao redor de Fomalhaut em 1993, mas foi somente em 2004, graças ao Telescópio Espacial Hubble da Nasa, que ele descobriu um cinturão de detritos poeirentos a uma distância de 133 unidades astronômicas (UA) da estrela, mais de o triplo da distância entre a estrela e o Sol do que a distância do Cinturão de Kuiper em nosso sistema solar. Uma UA é a distância média entre a Terra e o Sol, ou 150 milhões de quilômetros.

Para Kalas, a borda interna afiada do cinturão sugeria que ele havia sido esculpido por planetas. Após uma segunda observação em 2006, ele concluiu que um ponto brilhante no cinturão externo, visível tanto nas imagens de 2004 quanto nas de 2006, era, na verdade, um planeta. Ele reconheceu na época que poderia ser uma nuvem de poeira muito brilhante causada por uma colisão no disco, mas a probabilidade disso parecia muito baixa.

Esse planeta foi chamado, por Kalas, de Fomalhaut b, seguindo a convenção de nomenclatura para exoplanetas. Diante disso, o pesquisador agendou quatro observações de acompanhamento da estrela com o Hubble: em 2010, 2012, 2013 e 2014. Na última, porém, Fomalhaut b não foi detectado.

Nove anos depois, após três tentativas frustradas de obter imagens da estrela, ele conseguiu uma nova imagem que revelou outro ponto brilhante não muito distante do primeiro, agora denominado Fomalhaut cs1, abreviação de fonte circunstelar 1.

Com base em sua localização, no entanto, o novo ponto, chamado Fomalhaut cs2, não poderia ser uma reaparição de Fomalhaut cs1. Devido ao hiato de nove anos entre 2014 e 2023, não se sabe ao certo quando Fomalhaut cs2 surgiu.

No novo artigo, Kalas e uma equipe internacional de astrônomos analisaram a imagem de Fomalhaut de 2023 e uma imagem subsequente, embora de baixa qualidade, obtida em 2024, e concluíram que ela só poderia ser luz refletida de uma nuvem de poeira produzida pela colisão de dois planetesimais.

Kalas observou que, inicialmente, Fomalhaut cs1 se movia como um exoplaneta, mas em 2013 sua trajetória havia se curvado, afastando-se da estrela. Esse tipo de movimento é comum para partículas muito pequenas sendo impulsionadas para fora pela pressão da radiação da luz estelar. O surgimento de cs2 corrobora a ideia de que cs1 era, na verdade, uma nuvem de poeira.

Kalas compara esses eventos à nuvem de poeira gerada em 2022, quando a missão DART (Double Asteroid Redirection Test) da Nasa colidiu com a pequena lua Dimorphos, que orbitava o asteroide Didemos. A nuvem ao redor de Fomalhaut é cerca de um bilhão de vezes maior, segundo estimativas da equipe.

Kalas recebeu tempo de observação pelos próximos três anos para usar a Câmera de Infravermelho Próximo (NIRCam) do Telescópio Espacial James Webb e o Telescópio Espacial Hubble (HST) para observar Fomalhaut e acompanhar a evolução da nuvem, a fim de verificar se ela aumenta de tamanho e determinar sua órbita.

Diante das descobertas, o pesquisador alerta outros astrônomos para ficarem atentos a nuvens de poeira que se disfarçam de planetas.

"Essas colisões que produzem nuvens de poeira acontecem em todos os sistemas planetários", diz. "Quando começarmos a sondar estrelas com telescópios futuros sensíveis, como o Observatório de Mundos Habitáveis, que visa obter imagens diretas de um exoplaneta semelhante à Terra, teremos que ser cautelosos, porque esses pontos de luz tênues orbitando uma estrela podem não ser planetas."