Gosma preta achada em navio dos EUA continha microrganismos desconhecidos
Cientistas descobrem microrganismos desconhecidos em substância semelhante a alcatrão no leme do navio Blue Heron, que navega pelos Grandes Lagos da América do Norte

O navio de pesquisa Blue Heron navega pelos Grandes Lagos, nos Estados Unidos, coletando dados da água. No entanto, a descoberta mais recente do laboratório flutuante veio de um local inesperado: seu próprio leme.
Enquanto estava atracado após um longo cruzeiro para estudar a proliferação de algas nos lagos Erie e Superior em setembro, a tripulação notou uma substância preta, semelhante a alcatrão, vazando do eixo do leme, o mecanismo que permite que o barco de cerca de 27 metros de comprimento mude de direção. Sem saber do que se tratava a estranha gosma, Doug Ricketts, superintendente marítimo e pesquisador do Observatório de Grandes Lagos da Universidade de Minnesota Duluth, levou uma amostra da substância para análise dos cientistas do observatório.
Os cientistas ficaram surpresos ao descobrir que o material estava repleto de formas de vida, algumas das quais eram microrganismos desconhecidos. A misteriosa substância, agora informalmente denominada "ShipGoo001", aparentemente estava prosperando no ambiente livre de oxigênio do eixo do leme, segundo anúncio da universidade em 27 de junho.
"Não há razão para esperar que existam organismos vivos nesta parte do navio", disse Ricketts, referindo-se ao compartimento fechado do eixo do leme. "Esta parte específica do navio não se move muito. Não está exposta ao resto do mundo".
Se mais dessa substância for encontrada, o objetivo será coletá-la sem perturbar seu ambiente livre de oxigênio, disse o pesquisador principal Cody Sheik, ecologista microbiano do Observatório de Grandes Lagos. Um estudo mais cuidadoso poderia levar à descoberta de novas espécies de micróbios, acrescentou.
"Uma das coisas interessantes sobre isso é que foi muito inesperado. ... Todas essas diferentes coisas que criamos se tornam novos habitats que (podem ser) adequados para microrganismos", disse Sheik. "Isso me faz pensar: O que mais estamos perdendo por não sair e simplesmente observar as coisas?"
Estudando a gosma misteriosa
Embora parte do DNA extraído da gosma preta tenha sido identificada como proveniente de microrganismos anteriormente desconhecidos, outro material genético na amostra já foi observado em todo o mundo. Quando os pesquisadores pesquisaram bancos de dados globais, descobriram que alguns DNAs estavam relacionados a micróbios de uma substância tipo bola de alcatrão no Mediterrâneo, um sedimento contaminado por hidrocarbonetos em Calgary, Alberta, e outras amostras da costa da Califórnia até a Alemanha.
"É algo bastante diversificado em termos dos tipos de ambientes em que essas coisas estão sendo encontradas", disse Sheik. "Acho que teremos uma ideia melhor do que esses organismos são capazes observando mais amplamente os outros ambientes em que são encontrados".
Os pesquisadores ainda têm muitas questões não respondidas sobre o material estranho, incluindo como ele chegou ao navio e se é capaz de biocorrosão — consumir ou degradar o aço do navio. Como a substância estava em seu próprio ambiente selado, ela precisaria de uma cadeia alimentar complexa para prosperar e se sustentar.
"(A biocorrosão) é uma das coisas com as quais temos que nos preocupar em oleodutos e todos esses outros locais de infraestrutura crítica. E então, você sabe, para alguns desses navios, especialmente os que têm vida útil muito longa aqui nos Grandes Lagos, por estarem em água doce, isso é algo que poderia estar corroendo esta área? Pode ser algo a se pensar para futuras iterações de construção naval e coisas do tipo", disse Sheik.
Os pesquisadores esperam responder a essas questões em um próximo artigo científico, que também incluirá os genomas completos dos microrganismos da substância para que outros cientistas possam desenvolver seu trabalho, acrescentou Sheik.
Dependendo do que os pesquisadores descobrirem, o material pode ter aplicações práticas; organismos produtores de metano na substância poderiam ter uso potencial na produção de biocombustíveis, segundo o anúncio da universidade. Por enquanto, os pesquisadores estão atentos a mais ocorrências da substância no navio e em outras embarcações, para que possam coletar amostras adicionais e realizar mais testes.
A origem da gosma
Como existem tantas espécies microbianas no mundo — potencialmente até 1 trilhão — encontrar uma nova não é particularmente surpreendente, disse Jeffrey Marlow, professor assistente de biologia da Universidade de Boston. "O importante é onde elas são encontradas e qual é sua história genômica ou capacidade metabólica — isso é o que frequentemente torna uma nova espécie particularmente interessante", acrescentou por e-mail.
Para determinar a origem da substância, Sheik e sua equipe estão montando um histórico do navio, já que o antigo barco de pesca foi comprado usado há quase três décadas pela Universidade de Minnesota Duluth. Embora o leme do navio não deva ser lubrificado com nada além de água, é possível que os proprietários anteriores tenham oleado essa área e esses organismos tenham permanecido dormentes por anos. Além disso, a substância gelatinosa não estava presente durante a última inspeção do navio em novembro de 2021.
Marlow, que não esteve envolvido na descoberta, levantou a hipótese de que a substância viscosa poderia ter chegado ao eixo do leme pegando carona na neve marinha — aglomerados de matéria orgânica morta que afundam na coluna d'água e contêm bolsões sem oxigênio, explicou.
Sheik planeja explorar a origem da substância, observando que há vários cenários a serem considerados, incluindo se a substância se desenvolveu no eixo do leme inicialmente ou se de alguma forma pegou carona no barco.
"Uma das partes mais interessantes desta história é o fato de a amostra ter chegado aos microbiologistas em primeiro lugar — isso demonstra uma cultura "microbiologicamente alfabetizada", onde várias pessoas tiveram a consciência e curiosidade de questionar o que poderia estar vivendo em uma substância viscosa que seria, de outra forma, apenas um inconveniente", disse Marlow. "Isso nos faz pensar sobre quais outros micróbios fascinantes podem estar vivendo ao nosso redor nos lugares mais inesperados."